12.31.2005

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS:

UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU
Romance Inédito de Mario Benevides
Brasil, 2005

SEGUNDA PARTE:
UMA BREVE REVISÃO DA CRONOLOGIA GENEALÓGICA DA DINASTIA, PARA DEPOIS SE CONTAR EM DETALHES A REVOLUÇÃO BRASILEIRA DE MENTALIDADE DE 2017

- UM: POR PARTE DE PAI –

Ao invés de desenhar, Ricardo V começou a contar ao filho o que sabia da família:

- Nossa história só é conhecida a partir do meu trisavô, o violonista Ricardo Coração dos Outros, amigo de Policarpo Quaresma. Não sabemos ao certo quando ele nasceu, mas sabemos que desapareceu no final dos anos vinte do século passado.

- No final dos anos vinte do século vinte – observou o garoto.

- Isso mesmo. Ele e a mulher, sua tetravó Olga, desapareceram a caminho do Rio, vindos de Cavalcante. Olga era filha de um comerciante italiano, que migrara para o Rio. Não sabemos nada dos pais e avós de seu tetravô, como não sabemos o que houve ao certo com os dois, ele e a mulher, Olga; simplesmente sumiram, sem deixar vestígios.

Ricardo V bebeu um pouco d’água e tornou a explicar:

- Ricardo Coração dos Outros e Olga tiveram como filhos Ricardo II, seu trisavô, e Ricardina Olga. É comum, nas famílias do mundo todo, principalmente no Brasil - na América Latina de modo geral -, e, principalmente, naquele tempo, repetirem-se nomes; no nosso caso, Ricardo, Olga e Ricardina, além de algumas de combinações desses nomes entre si e com outros. Na nossa família, o hábito vem até hoje, sabe-se lá porque. Quem sabe você o interrompa, já é hora, não é? O livro mais famoso do colombiano Gabriel Garcia Marques, “Cem anos de solidão”, mostra muito bem essa tradição. Ricardina Olga permaneceu em Cavalcante, casada com o Coronel Eurípides Ovídio Tavares e Silva; ela morreu em 1982, aos...

Ricardo V continuou depois de consultar uma espécie de agenda:

- Oitenta anos. Do Coronel, não se sabe; não encontrei registros em Cavalcante, preciso pesquisar mais. Ricardo II morreu assassinado na Itália, tão logo terminada a Segunda Grande Guerra, aos quarenta e cinco anos. Sua viúva, Maria Cristina, viveu até os noventa anos. Isso mesmo – confirmou, após consultar sua agenda de registros da sua genealogia -, morreu aos noventa, em 1995, no Rio de Janeiro. Meu avô, Ricardo III, de quem tenho muita saudade – Ricardo V teve que fazer uma pausa -, foi arrimo de família.

- O que é isso? – quis saber Ricardo VI.

- Sustentou a mãe e os irmãos, Ricardo Maria, Ricardina Cristina e Olga Cristina, a partir da adolescência, ainda.

- Como?

- Com canções populares. É: outro músico na família, o mais bem sucedido de todos. Casou-se muito cedo, com Andréia Cardoso Moreno, sua bisavó Andréia, que mora em Petrópolis; ela está, agora, em 2010, com... Setenta e oito anos. Meu avô, Ricardo dos Outros, poeta e compositor, morreu aos sessenta e oito, no Rio.

Outra pausa; depois:

- O irmão dele, Ricardo Maria, morreu solteiro, aos sessenta, em 1996. Olga Cristina Bastos Coração dos Outros, a poetisa concretista, irmã de meu avô, morreu aos trinta e dois anos apenas, em 1972, solteira, como o irmão. Os dois, do coração, enfartos fulminantes, naquele tempo era assim, não se sabia muito como prevenir doenças comuns. E não venha fazer graça que os “Corações dos Outros” morreram do coração, porque não tem nenhuma graça, tá?

- O resto da história, você sabe: sua tia-bisavó Ricardina Cristina está bem viva, em São Paulo, com setenta e dois anos, casada com o embaixador aposentado Nereu Esteves da Fonseca; não tiveram filhos. Seu avô, Ricardo IV, casado com minha mãe, Sérgia, tiveram suas tias-gêmeas em 1974, Ricardina e Olga.

- Pra variar.

- O quê?

- Os nomes, né, pai?

- É. Olga vive com aquela pessoa e Ricardina continua solteira e um tanto devassa pro meu gosto.

- Isso é preconceito, pai.

- É. Seu avô, nascido em 1950, o pai e a mãe dele tinham só dezoito anos, depois que o pai se viu obrigado a se esconder em Petrópolis por causa da ditadura militar, foi impedido por ele, meu avô e seu bisavô, de participar de qualquer forma de protesto ou reação contra aquele regime e se sente meio culpado por isso. Já sua avó...

- Ela não tem árvore genealógica? E mamãe, também não tem a dela?

- Não. Brincadeira, claro. Claro que as duas têm.

- Sua brincadeira também foi sem graça.

- Foi.

- Você me conta as árvores genealógicas delas?

- Conto.

- Agora?

- Amanhã.

- Puxa, pai...

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