Caro Papai Noel,
Caro Papai do Céu,
Que vocês caprichem no Natal, a
começar pela véspera da véspera da véspera. Estamos exaustos do vírus e da
maldade dos malas. Pode ser que um dia até eles percebam que não há nada mais
divino do que a ciência, o respeito e a paz. Mas não dá para esperar muito por
esse dia não, tá? Vocês bem que podiam dar uma forcinha.
Com essa cartinha, nós, do
Cidadão Mario, nos despedimos de 2020. Voltaremos em 25 de janeiro de 2021. Deixamos
aqui abraços largos e apertados a todas as pessoas que sabem da nossa
existência e nos prestigiam, e também a todas as demais que se importem com a
vida.
Acima de tudo,
A vida.
Ah. Aproveitamos para endereçar outra
carta.
Caro 2021,
Convenhamos que seus antecessores
não foram lá essas coisas. Seu avô 2019 começou com Brumadinho destroçado,
dirigindo-se em súplicas à irmã e vizinha Mariana. Já seu pai 2020 escancarou
de vez a fragilidade humana, a começar pelos descaminhos que a própria
humanidade traçou para si, muito mais destruindo que construindo. Aqui no
Brasil, convivemos com a agravante do desdém absoluto pela vida, seja ela qual
for, vegetal, animal ou humana, perdoe as repetições e rimas incidentais. Mas o
que nos mantém como espécie, e como povo, acima de tudo, é nossa capacidade de
indignação. Ao nos indignarmos com o que nos enfraquece, questionamos, até
decidirmos enfrentar quem nos subjuga, seja nossa ignorância, nossa preguiça
mais mental do que física, ou ainda a canalhice de uns poucos a afrontar a
maioria. Mas é preciso, 2021, que você nos traga ventos de poeira solar e
chuvas benfazejas de outras galáxias, a nos afastar o desânimo, a nos
ressuscitar a esperança, a nos brindar a alegria de viver em sociedade, a nos
aplacar a raiva, para que possamos outra vez nos indignar e reagir, com toda a
elegância que seus ventos e chuvas nos puderem trazer. Que no mundo se repense
nosso modo de viver, que no Brasil se repense o modo de fazer política. Que o
povo daqui e de qualquer lugar perceba que a história está nas suas mãos. Que
não se aceitem mais a acomodação e infundadas certezas a cederem espaço à
vileza, à apatia e à idiotia. Que a certeza dê lugar à dúvida e à inquietude, a
nos fazer partir para a descoberta e à reinvenção da humanidade.
Se isso for pedir demais, 2021,
que pelo menos uma brisa e uma orvalhada você nos ofereça, a nos abençoar e
esperançar.
Esperar, caro 2021, é que já não
pode ser, e sim, sabemos que isso não depende de você.
Um abraço e até breve,
Cidadão Mario.