3.30.2013

O PRIVILÉGIO

Quem me indicou o filme tem entre vinte e vinte cinco anos, mas as personagens são homens e mulheres aposentados, todos ingleses – aliás, bem ingleses, desses que até hoje ainda não entenderam como o império britânico ficou sem colônias. Uma viúva, que descobre que o falecido deixou dívidas; um marido e uma mulher frustrados (principalmente ela), porque, depois de uma vida dedicada ao serviço público, ficaram sem dinheiro para luxos; um juiz solteiro; outro solteiro que, com seus sessenta ou mais anos, marca encontros dizendo que tem menos de quarenta; uma solteira que se considera nobre; e outra, mais velha, que precisa fazer uma cirurgia na bacia e se acha ainda mais importante que a primeira. Todos vão parar no Hotel Marigold, “para idosos e bonitos”, que fica em uma das ex-colônias britânicas: a Índia. O dono, administrador, marqueteiro e faz-tudo do hotel é um bem-humorado indiano de uns vinte anos. Sua bela namorada não é a nora que a mãe dele gostaria de ter e tem um irmão que é metido a tomar conta dela. Se você ainda não assistiu a O Exótico Hotel Marigold, seja qual for a sua idade, fica a sugestão. Além da boa história e do elenco - por exemplo, quem faz a viúva é Judi Dench, a M do 007 na Operação Skyfall -, o filme traz uma preciosa observação: para os indianos, a vida é um privilégio, e não um direito.

Qualquer um de nós é um ser entre sete bilhões de outros seres de uma espécie entre sete bilhões de outras espécies. Um privilégio. A maior parte de nós não tem a maior parte do que os poucos de nós temos: onde morar, comida, roupa, medicina, estudo, liberdade de ir e vir, cultura, laser, trabalho. Estudar não é um saco – é privilégio. Trabalhar não é obrigação – é privilégio.

Provavelmente, a única coisa que não é privilégio é ter um governo, mas isso é um pensamento Marxista. Groucho Marxista: do Groucho Marx, que nos deixou pérolas como “Não entraria para um clube que me aceitasse como sócio”, ou “A humanidade, partindo do nada e com seu próprio esforço, alcançou as mais altas cotas de miséria". (É dele também a que diz “Esses são os meus princípios; se você não gostar, tenho outros”. A liberdade de associação de ideias é sua, não vou eu me meter a besta de tirar de você esse privilégio.)

A vida é um privilégio e assistir a filmes como os do Groucho Marx e os aqui citados é outro, que faz parte do primeiro. Boa vida pra você. E bons filmes.

3.23.2013

NO ANIVERSÁRIO DE 19 ANOS DE MARIA LUIZA

Hoje, Maria Luiza faz 19 anos. Assim que ela nasceu, fiz uma canção com um amigo meu, o engenheiro, violonista e compositor Sebastião Coelho. Faz tempo que não vejo o Tião. Ele deve continuar lá no Rio, mais precisamente na sua Maricá, enquanto que eu, em 2000, me mudei com a família para Florianópolis, onde moro até hoje. Os primeiros versos que fiz para a nossa Sonata de Maria Luiza dizem assim:

Quando a bruxa, no alçapão,
Traiçoeira me calar e me prender,
Minha voz, nessa canção,
Dirá bem mais do que eu tinha a dizer.

Enquanto Dona Bruxa não vem, eu e Maria Luiza temos compartilhado muita coisa. Acho que um ano depois que chegamos a Florianópolis, ela, com seus oito anos, escreveu uma frase que deverá ser a epígrafe do romance que pretendo lançar este ano, e que saiu num mural do Colégio Catarinense:

Bonita cidade, quero menos velocidade.

Tenho certeza de que vários desejos de Maria Luiza foram atendidos, mas esse, particularmente, não: os carros aqui estão cada vez mais velozes, a não ser quando parados em engarrafamentos, que vão se tornando uma triste constante nessa ilha tão bonita.

Outro desejo não atendido da Maria Luiza foi montarmos a peça que eu escrevi quando ela estava com os mesmos oito anos, chamada “Oh! Cacatua!”. Na peça, a cacatua do título chega a Florianópolis trazida da Austrália por fortes ventos: ventosamente. Não tive medida no número de personagens e o resultado é que a peça nem chegou a ser ensaiada. Mas deixamos gravado um trecho, onde eu imito as vozes de outros personagens e Maria Luiza diz as falas da cacatua com grande convicção e ótima entonação. É só uma questão de acharmos a fita gravada e o texto, que começamos tudo outra vez – mas só se Maria Luiza quiser.

Um pouco depois, foi ela que escreveu um livro infantil, que temos até hoje em casa e que um dia, se Maria Luiza quiser, publicaremos, com os mesmos desenhos feitos por ela para ilustrar o texto.
Já no ano retrasado, quando estava se preparando para o vestibular, Maria Luiza escreveu um conto, que publiquei no mariobenevides.blogspot.com e foi bastante elogiado, inclusive por profissionais das letras.
Podemos não ter montado até hoje “Oh! Cacatua!”, mas vivemos um monte de coisa juntos. Assistimos a seriados americanos de comédia, retratados por ela em caprichados desenhos em mais de um Dia dos Pais ou de meus aniversários. Quando ela estava ainda com dois anos, passeamos de mãos dadas pelo acostamento da estrada para São Lourenço, enquanto Rosa, minha mulher e mãe dela, descansava um pouco da bela mas tortuosa sucessão de curvas da estrada.

Dividimos, eu e Maria Luiza, muitos e cabeludos exercícios de matemática e português. Houve um certo binômio de Newton que não quis se revelar na noite dos estudos, mas, na manhã seguinte, indo para o aeroporto, eu consegui passar a solução para ela, que me disse, eu achei o mesmo resultado, papai.

Houve uma época em que eu viajava tanto, que Maria Luiza me desenhou em um avião da TAM com um telefone e um fio espiral saindo da janela do avião até chegar a ela na terra.
Na viagem que os três fizemos juntos no começo deste ano, Rosa nos fotografou de costas, caminhando por uma rua de Paris, eu com minha mão esquerda no ombro esquerdo da minha filha. Não fosse a foto feita por Rosa, jamais me seria possível ver essa cena, que tanto diz dessa nossa relação de pai e filha.

Hoje Maria Luiza faz 19 anos. Está cursando o segundo ano de medicina, faz balé na Escola Arte-Dança trabalho voluntário em uma clínica. Tem um namorado que é gentil com ela, o que nos deixa muito felizes, porque gentileza é algo muito precioso. Que o namoro deles dure o que durar, sempre com essa gentileza que percebemos entre os dois.

A última estrofe da minha sonata com Tião Coelho, feita para Maria Luiza assim que ela nasceu, se parece com a primeira, mas com uma pequena diferença:

Quando a bruxa, no alçapão,
Traiçoeira me fizer de seu refém,
Minha voz, nessa canção,
Dirá do tanto que eu te quero bem.

Enquanto Dona Bruxa não vem, digo eu mesmo: minha amada filha Maria Luiza, teu pai te quer muito, muito bem. Todo o que houver no mundo, todo o que for de todo mundo, todo o que for merecidamente somente teu.

3.06.2013

HERÓIS



Uma volta em um quarteirão de São Paulo.
Indignados sacos de lixo esperam o caminhão que os carregue
Dali.
Entre duas esquinas,
Um restaurante italiano e um botequim
Me lembram Adoniran Barbosa.
Outro Barbosa, Joaquim,
Não sem depois se desculpar,
Me lembrou (não Carlitos) Carvana.
Vai chafurdar, vagabundo.
Não posso. Não podemos, Senhor Ministro.
Assim como Vossa Excelência,
Vamos todos trabalhar.