Ao chegar em casa, a sala cheia de adolescentes, Rosa me telefona e conta que o cheiro é de tênis com chiclete. Minha resposta foi:
- Que bom que o cheiro é de tênis com chiclete. Que continue
assim por um bom tempo.
Ainda quando Maria Luiza fez 16 anos, um dos convidados trouxe
outra questão:
- Maria Luíza, essa cerveja é sem álcool, não é?
O medo dos pais em relação às
drogas é tão lícito quanto ilícita é a maioria delas.
A legalização de todas as drogas
precisa ser discutida, e precisa ser discutida com a participação de especialistas
nos riscos que as drogas representam para a saúde dos indivíduos e nos riscos
que elas representam para a saúde da sociedade – mas sem tapar olhos, ouvidos e
bocas para isto que a proibição e o combate armado às drogas têm representado
para a sociedade. Na opinião deste pai, muito mais do que ganhos, perdas,
principalmente de vidas.
O que não se pode é deixar de
debater o tema. Como não se pode generalizar, é claro: cada droga tem seus
efeitos e consequências. Mas o debate necessariamente tem que acontecer, ser
aberto à sociedade, em linguagem compreensível para a maioria, e – tudo isso é
sugestão – começando por se tentar responder a algumas perguntas:
- Por que há tantas drogas
ilícitas?
- Por que há tantas drogas?
- Por que algumas são lícitas e
outras não?
- Por que desde sempre, na
maioria das sociedades, a grande maioria das pessoas prova e permanece
experimentando bebidas alcóolicas e diferentes tipos de fumos?
- Por que as pessoas se drogam,
por que algumas abusam, por que outras se viciam, por que, outras ainda,
preferem as proibidas?
- Todas as proibidas devem
permanecer proibidas?
- Uma vez legalizada uma droga,
que tipo de esclarecimento haverá sobre efeitos e possíveis consequências do
seu uso? Quem vai explorá-la e quem irá vendê-la?
Enquanto a discussão não vem,
dentro de casa a melhor droga de todas se chama diálogo. Se a criança ou o
jovem não traz o assunto, seus pais ou responsáveis devem trazer, é o que
sugere a experiência. Alertar com sinceridade, com informação, buscando se informar
para poder informar e orientar, sem medo de revelar seus gostos e fraquezas;
sempre com abertura para discutir o assunto, sem jamais tratar deste ou
qualquer outro assunto como algo que represente vergonha ou tabu.
Pois há quem se envergonhe de ter
um filho drogado, como há quem diga preferir que o filho ou a filha se drogue a
que ele ou ela seja homossexual.
Como assim?
A teoria de que o homossexualismo
é doença e tem cura é própria de charlatães. Não precisa refletir muito para
perceber que desejo é descoberta, muito mais que escolha, tendência ou mesmo
orientação. Basta que a própria pessoa reflita sobre a primeira vez em que
sentiu atração sexual por alguém, e em todas as outras em que essa atração
aconteceu por aquela, essa ou outra pessoa, e assim continua acontecendo: terá
sido racional ou instintiva a atração? O desejo, terá sido escolha? Ora. Seja
feliz e faça os outros felizes, como disse um cronista e compositor chamado
Antônio Maria.
Todo mundo sabe que a droga que
se compra na farmácia serve para curar ou controlar alguma coisa, de coriza a
hipertensão. A droga que se compra no botequim ou no mercado se chama cigarro,
cachaça, uísque, cerveja, vinho... Todas podem dar prazer e dor – de cabeça a
outras bem piores. Mas estão lá, à sua, à minha, à nossa disposição. Outras
drogas só podem ser encontradas em pontos de drogas. O vício em uma droga que
se encontra no botequim ou no mercado só se difere do outro, que se manifesta
por uma droga ilícita, porque este último traz um risco a mais, que se chama
polícia, além de um outro, chamado traficante.
Nesse ponto, o que se pretende
meramente observar é que vício é vício, vício é doença, que precisa de
tratamento. Quem prefere ter filho viciado a ter filho homossexual está dizendo
que prefere ter filho doente a ter filho saudável.
Sexo é assunto para se tratar com
a mesma naturalidade que qualquer outro. Religiões proibitivas de sexo só por
prazer, que Deus representam? Se as religiões defendem que Deus existe e a tudo
criou, como seria Ele capaz de proibir o prazer que Ele mesmo criou, às
criaturas que Ele criou?
Se foi Deus ou não que nos dotou de
inteligência e capacidade de comunicação, o que se sugere é fazer uso intensivo
e extensivo de uma e de outra. Seria fazer pouco de uma e de outra discorrer
sobre de como se comunicar para fazer sexo e de como fazê-lo sem procriar, sem se
expor a doenças, e assim por diante, não é mesmo? Deixar de conversar com a
filha e o filho sobre sexo e deixar de falar sobre sexo nas escolas é
disseminar desinformação, desorientação, medo, preconceito, tudo próprio de
charlatães e de manipuladores. O que é para ser saudável pode virar doença, da
alma, do corpo, da mente. Vamos de Antônio Maria de novo?
Eu nasci em novembro de 1955. Nos
anos 60 do século passado eu era um garoto, 10 ou 15 anos mais moço do que
aquele que amava os Beatles e os Rolling Stones e foi para a guerra do Vietnã. Sexo,
drogas e rock ‘n’ roll é um jargão dos anos 60, dos hippies, dos Beatles,
Rolling Stones e tantas outras bandas. Janis Joplin, Jimmy Hendrix e muitos
outros, ilustres ou não, se foram por causa das drogas. Sim, havia a ideia de que
drogas fossem libertadoras, mas elas já existiam desde muito antes; e o que
havia mesmo naqueles anos, por trás do jargão, no original em inglês, sex,
drugs and rock ‘n’ roll, eram mensagens como paz e amor; faça amor, não faça a
guerra; liberdade, liberdade, liberdade – de ir e vir, de se vestir, de como
usar os cabelos, de se expressar, de como trabalhar e amar, de como viver.
Falando em bandas, nas bandas de
cá, Mutantes com Rita Lee, Chico, Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Milton
Nascimento e o Clube da Esquina, Tom, Vinicius, Edu Lobo, Jovem Guarda... e a
ditadura.
Como fechamento desta série, ou
pelo menos da sua primeira parte – ou temporada -, fica mais do que nunca a
vontade de sugerir e repetir o que Antônio Maria deixou como título de um
apanhado das suas crônicas. Em vez de comemorar a ditadura, em vez de se calar...
Seja feliz e faça os outros
felizes.