9.25.2008

O EXPLICÁVEL, O INEXPLICÁVEL E MINAS GERAIS

Cada vez mais se conhece dos dinossauros e menos de Minas Gerais. As pesquisas e escavações ainda não permitem saber se os dinossauros, seus parentes e contra parentes se reuniam ao redor de um fogão a lenha preparando um feijão e se provavam de uma cachaça do alambique do quintal do vizinho, enquanto as mulheres-dinossauros comentavam que os homens estavam bebendo demais e, por isso, bebiam licor de jenipapo, e se daí é que surgiu o conceito de Estado Nação. Também não se explica porque, no atual Estado Nação conhecido por Brasil, o maior de todos os parentes e contra parentes dos dinossauros nele encontrados o tenha sido em Uberaba, cidade que se encontrou - como se encontra -, não no divã do analista, mas em Minas Gerais.

Tudo tão inexplicável quanto o que ocorre em Varginha, que, apesar de Paris, é a preferida dos discos voadores, desde os mais espetaculares e amedrontadores aos mais carismáticos e aproximadores. É de se presumir que dentro deles também se achem fogões a lenha, meninos sujos de barro entrando de repente, derrubando leme, timão, panela e cachaça, meninas e suas bonecas de pano, senhoras e senhoritas dizendo NÓ!, rapazes e senhores de sobrancelhas juntas jogando sinuca e exclamando SÔ!.

O explicável, o compreendido, o tácita como explicitamente aceito, típico dos Estados Nações, é exibido na incontável série de dias e noites, inimagináveis até pela mais criativa das Sherazades, perdidos com crises e supostas soluções, barbáries expostas ao Estado inoperante, tudo dando a sensação de que melhor seria se o noticiário fosse exibido única e exclusivamente ao Estado; ao Império e seu desgoverno; às fronteiras invisíveis, suas crenças e ambições para e desde sempre incompatíveis; à irresponsabilidade, ora legal, ora à margem da Lei e, portanto, do seu arcabouço, que permite que indivíduos portem armas – e de fogo -, tornando-os capazes de homicídios e suicídios, da Finlândia à Flórida à Rocinha. Passando, aliás, por Paris.

Profissionais da notícia têm o dever, o direito e o ganha-pão de a nós nos denunciar as barbáries e irregularidades, para que todos delas saibamos e o Estado de Direito as coíba e as corrija; porque, se nós delas não soubéssemos, o Estado Nação de Direito não iria cumprir com seu dever, coibindo a barbárie, corrigindo as irregularidades e a ambas punindo. Somos as testemunhas fundamentais, aquelas que a tudo vêem, que a tudo escutam, que com tudo pasmam e sofrem.

Bernard Shaw diria: somos a consciência do Poder, - pois consciência é a sensação de que alguém vê o que estamos fazendo. Um novo Churchill surgiria, e afirmaria, com nova e emblemática frase, com outras palavras – in English, of course - que esta propaganda eleitoral gratuita-imposta-forçada-decorada-boçalizada está mais para anti que democracia.

Hoje, não. Hoje, pelo menos hoje, optemos por testemunhar a réplica montada no Rio de Janeiro do maior dinossauro encontrado aqui, antes que fôssemos Uberaba, Minas, Rio ou Brasil; que fôssemos fogão, barro, feijão, boneca de pano, cachaça; Nação Estado. Optemos hoje pelo próximo pouso em Varginha de uma nave de outra galáxia, carregada de compadres e contra parentes nossos e dos dinossauros; e tentemos, de uma vez por todas, explicar Minas Gerais.

9.22.2008

A CRISE

Do pré-sal ao colapso financeiro mundial, passando por Bolívia e Venezuela aqui ao lado, há um leque de opiniões e manifestações, de sábias a sabidas, sem esquecer a dos sabichões – sempre de grande impacto emocional, revestindo o mesmo conteúdo das mais sábias opiniões sobre a crise e o aquecimento global: ninguém sabe ao certo onde isso tudo vai dar. A não ser as capas de algumas revistas, cujas manchetes garantem que sabem, que mostram caminhos e soluções, a nos deixar perplexos quanto à burrice da maioria, especialmente a sabida, que ou não lê as revistas ou as lê e não as compreende.

O vendaval do crédito era mesmo feito de vento e, afinal de contas, de que são feitos os vendavais? E o que fazem os vendavais, a não ser nos dar a esperança de uma boa transformação e de verdade nos jogar areia e poeira nos olhos?

A crise de 1929 é o fantasma que arrasta suas correntes aos pés das camas dos casais e das mesas dos financistas e investidores, além de levar de roldão cama e mesa dos duros de sempre, Opa, cadê meu prato? Ih, minha casa voltou no mesmo caminhão do prêmio que a trouxe, Querida, aonde vai você, ah, aonde não importa, e sim com quem, tudo bem, mas de algemas, bem?

Somos ou não à prova de crise – é a questão do momento. Onde é que estávamos em 1929, alguém produziu um manual dela, que servisse para outras que viessem depois?

Há. Um romance de William Kennedy que virou um filme de Hector Babenco. Ironweed. No filme, Jack Nicholson e Meryl Streep nos papéis principais, dramas particulares, antigos, revividos nos anos da terrível depressão, e um magistral Tom Waits, figurante, interpreta um sujeito que, logo no começo, comemora: descobriu que tem um câncer.

A associação do pré-sal brasileiro com o câncer do personagem de Tom Waits seria de todo precipitada, ou pior: rasa - ao contrário das profundezas do óleo, não se sabe ainda se tão promissor quanto, desde já e tanto, festejado.

Mas uma coisa é certa: se as crises são dos bancos, quem sofre de medo, de dor, quem se dobra aos ventos, é arrancado e atirado às pedras pelos vendavais, somos nós.

Alguns, de algemas; outros, sem.

9.17.2008

DUAS MÃOS

Ela saiu poderosa do salão de beleza. De óculos escuros, jogou os cabelos para trás e atravessou a rua. Sem olhar para os lados. O barulho trouxe à janela cães e seus latidos, mulheres e suas rezas, senhores e seus jornais, adolescentes engolindo apressados e gordos sanduíches. Pouco movimento nas calçadas. No asfalto, sinais fechados nas duas transversais que dão início e fim à rua: momentaneamente, nenhum movimento de veículos. O motorista do táxi pôs a mão na cabeça, perguntou a ninguém, O que é que eu faço?

Em frente, um hospital de emergência, suas ambulâncias à porta. Um carro da PM estacionou atrás do carro velho do taxista com o pisca-alerta ligado. Um guarda se aproximou da mulher deitada no asfalto. Um outro dirigiu-se ao hospital. Ventou um pouco, folhas caíram das árvores. Os poucos transeuntes nas calçadas formaram pequenos grupos aqui e ali, à exceção dos que passavam com pressa ou indiferença. Carros que vinham na mão do atropelamento primeiro buzinavam indignados e, depois, ligavam o pisca-alerta e aguardavam a chance de desviar do acidente, lentos e furibundos. Na outra mão, os veículos dobravam a esquina em velocidade e, depois, a diminuíam, espiando detidamente o guarda, o taxista, a mulher no chão.

Enfermeiros portando maca e guarda-paletós metálicos, trazendo, ao invés de roupas vindas do trabalho, tubos com líquidos coloridos e incolores, atravessaram a rua e ajoelharam-se ao lado da mulher. Um deles a pegou no pulso, outros a puseram sobre a maca e a levaram para dentro do hospital. O PM que voltara com os enfermeiros de lá começou a apitar, mandando curiosos de carro ou a pé para onde bem quisessem, desde que longe dali; o outro e o motorista por profissão estacionaram seus automóveis, um à frente do outro, paralelos à calçada. E foram para o hospital.

Seis meses, três hospitais e algumas cirurgias depois, ela voltou ao mesmo salão. De beleza. Adoraram seu nariz novo. Desta vez, ao sair, não atravessou a rua. Seguiu pela calçada até a esquina mais distante e entrou na farmácia, porque estava com um pouco de coriza. De óculos escuros, jogando os cabelos para trás, saiu da drogaria e esperou sua vez de atravessar na faixa. Carros, apressados ou indiferentes, ignoravam sua presença esguia de mulher bonita e poderosa. Nas duas mãos.

9.06.2008

AINDA SOBRE A GUERRA

É gente ilustre que defende que o Brasil só progredirá se aqui houver uma guerra.

Curioso, porque gente ilustre teve – e tem - acesso à escola, à História, Geografia, Matemática...

A guerra uniria. Pense aí em supostas uniões decorrentes das guerras: a soviética; a alemã (isto é, sua desunião, só recuperada mais de 40 anos depois da Segunda Grande Guerra); tente, tente, vá em frente, você, acompanhado dessa porção de gente ilustre que quer – prega - a guerra.

A guerra desenvolveria tecnologia; ocorre que, sua ausência, também. Assim tem sido – ou não?

Mas, vamos ao Brasil, veja se o que falta ao país são mesmo as guerras: à sua história.

Foi guerra entre português e índio, português e francês, português e holandês, branco e preto; índios fuzilados nos anos sessenta e setenta do Século, qual, mesmo?, Vinte (ou agorinha mesmo, no Vinte e Um?); Guerra do Paraguai, Guerra dos Farrapos – com direito a degolas em série -, Guerra de Canudos; Revolta da Armada, Dezoito do Forte, Revolução Constitucionalista; o Brasil foi à Segunda Guerra, você sabia, gente ilustre? Sabia que morreu gente, naquela guerra? E gente brasileira, rapaz! Morre gente em guerra, ih, você nem sabia disso, - e morre violentada, decepada, sem perna, explodida, queimada. Duas ditaduras; guerrilha urbana e rural, repressão, tortura, meninas deitadas em um campo de futebol e soldados fazendo xixi em cima delas. Você sabia, gente ilustre? Se sabia...

Essa “gente ilustre” costuma dizer também que o brasileiro é passivo, que o brasileiro não tem memória; e tome estudantes pernambucanos, Tiradentes aos pedaços pendurados por aí, passeata dos cem mil, porões, edsons, vladimires enforcados, caras pintadas, tudo isso é passivo e sem memória, porque a história oficial a elimina, como elimina autores brasileiros das bibliotecas das escolas; igualmente porque há essa suposta gente ilustre que a tudo ridiculariza - mas, esta, atenção: já está devidamente catalogada nas bancas, livrarias e em laboratórios especialistas em parasitas.

A história acabou coisíssima alguma, porque a do Brasil, pelo menos, continua. Balas perdidas, balas achadas - em corpos infantis, inclusive. A guerra continua, percebe, gente ilustre? Pobreza medida a duzentos e cinqüenta reais por mês: quem ganha isso é pobre; menos que isso, miserável. Seja pobre com duzentos e cinqüenta reais por mês e grite, alto e bom som, Eu quero uma guerra!

O Brasil pode precisar de um monte de coisas para progredir; mas não é de guerra que o Brasil precisa, porque já a teve e a continua tendo. Não é de guerra, nem dessa gente que diz que a deseja, confortavelmente, em seus pufes, frente às câmeras, sorrindo, debochada, balançando-se, como a sofrer de hemorróidas ou a tentar, inutilmente, unir, sem guerra, seus dois únicos e inúteis neurônios. Não, não é de guerra, nem desse tipo de ilustre que o Brasil precisa.