Em meu poema “O Burro”, expresso
minha opinião de que a burrice humana se difere da do animal propriamente dito,
por ser este uma espécie de José Régio em seu “Cântico negro”: “Não sei por
onde vou, não sei para onde vou, sei que não vou por aí”. Acontece que ambas
têm este ponto em comum: a vontade. O
burro empaca por vontade, a digna vontade de não ser montado ou carregar coisas
para ele inúteis. Pessoas, geralmente sem passar nem perto de alguma expressão
da dignidade, optam pela burrice – aquela que é exclusivamente humana.
Quando eu era professor
particular de Matemática e Física, mais de uma vez tive alunos cujos pais me
diziam para que eu não perdesse meu tempo, porque o aluno ou a aluna – a filha ou
o filho deles – era uma pessoa burra. Aqueles pais escolheram que seus filhos
fossem burros. Nesses casos, meu trabalho não era exatamente ensinar Matemática
ou Física, mas convencer aquele ou aquela adolescente (será que eu deveria
dizer adolescenta?) de que ele ou ela não sofria de modo algum de burrice. Modestamente,
ajudei-os a passar de ano e também a que fizessem a opção certa: a de não
imitar seus pais, já que seus pais, por opção deles, pai e mãe, eram os
verdadeiros burros, humanamente burros.
Uma das célebres frases do amigo
do Oscar Niemeyer Tom Jobim é: “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”. Pela
vontade de alguns, Oscar Niemeyer seria condenado à forca depois de morto,
porque era comunista. Pior ainda: Niemeyer era comunista e rico – coisa que não
pode ser admitida pelos idiotas da objetividade. (Sua benção, Nelson.) Eu nunca
fui comunista, por pensar que Marx e Engels, em seu Manifesto, acertaram no
diagnóstico mas erraram na receita. Porém sou capaz de adivinhar que o
igualitarismo sonhado por Oscar não era o da mediocridade. Li numa das
mensagens que recebi que ele teria mamado nas tetas do poder público.
Funcionários, empregados, profissionais autônomos, empresários, uni-vos! Ser
pago pelo trabalho que se faz é mamar nas tetas de outrem! Outra pérola: alguém
que não conheço, cuja mensagem me foi repassada por um amigo de quem costumo
discordar e por isso sempre me faz lembrar Voltaire, disse que não podia opinar
sobre a obra de Niemeyer por não ser arquiteto. Atenção. Se você estiver
ouvindo Mozart ou Beatles neste momento, se não for músico, desligue o som. Se não
é jogador de futebol, quem é você, que não sabe o que diz, alô Noel, para
chamar Pelé e Messi de craques? E não venha me dizer que gosta da Maia Desnuda,
a não ser sem roupa e com óleo e pincel no bolso.
Pior do que a clara opção pela burrice
de não sentir o prazer de ter nascido no mesmo país do Niemeyer – que equivaleria
a de um argentino de debochar de Jorge Luís Borges – é a covardia. Esperaram o
ancião morrer para cuspir e espalhar uma medíocre, típica inveja do sucesso. Tom
Jobim neles.
Claro: desde que sejam músicos. O
que, convenhamos, é pouco provável.