10.30.2008

MARIA DO REASSENTAMENTO

Outubro de 2008, viagem ao sul do Brasil, com meu amigo Julio Pavese

Dürrenmatt, que pronúncia tenha seu nome,
Que palavras tenha usado,
Pensando em quem pensa em Deus,
Disse assim:
Tudo o que o homem sabe ouviu de outro homem,
O homem precisa do homem.

Maria concreta
Maria da catequese
Maria que já não é.
Maria do Movimento
Maria que já não se sabe se é.

Que é casada se sabe,
Que é bonita se vê,
Que fala um quase italiano se percebe.

Naquilo em que Maria crê
Só seus olhos dizem,
Mas, o que dizem os olhos de Maria?

Maria chegou da chuva
Descalçou suas botas na varanda – botas de borracha -
Entrou na casa da irmã,
Sentou, cruzou suas pernas nuas, contou:

Minha mãe se matou.
Quando viemos pra cá.
De depressão.

O que Maria não disse
Foi que a depressão tinha nome
O nome do pai de Maria.

Foi à polícia e deu queixa:
Meu pai abusa de mim.

O pai de Maria foi preso.

O pai de Maria está solto,
Longe, distante de Maria,
Longe, da irmã e do irmão de Maria.
Faz 20 anos que eles, irmão e irmã de Maria,
Toda noite, dormindo, sussurram:
Ave.
Maria.

10.28.2008

DEFUNTO, REDIVIVO E FURTADO

Eu já deveria estar na cama, pronto para dormir, mas, como interromper e, depois, deixar de comentar? Camila Pitanga, Deus do céu, o que foi que o Senhor fez, além da Perfeição? Paulo José, quantas profissões e sotaques mais você vai experimentar para se convencer de que você é ator, porque será que você não experimenta essa profissão, fica aí, tentando fabricar beliches? Fernanda Torres e Wagner Moura, por favor, me expliquem, afinal, o que é ficção? Será que o Tonico Pereira algum dia soube? Este Bruno Garcia, que não olha e olha para a câmera nas mãos do Zico do cinema de Bento Gonçalves disfarçado de Lázaro Ramos, vocês querem me fazer o favor de me explicar porque foi que a Janaina (Kremer) saiu do rio e não do mar? Ora, seu Jorge Furtado, você, seu menino com o isqueiro no bolso, a freira que sabe de seios, o papel jogado no chão para a propaganda, a lata, no rio não, mas no mato, sim, o clique, a idéia, o despertar e não a porcaria enlatada em discurso, e tudo isso lá, inclusive o discurso. A iluminada Marina, isto aqui, este fim de mundo vai atrair atenção, investimento, acho que os meninos vão gostar da deusa se parecendo com a Eva (foi o que pensou o Joaquim), a beleza vai salvar a natureza, ou sei lá. Da primeira tentativa, eu estava com sono, desisti de assistir. Meu irmão me perguntou, como, como pode? Agora, não. Sai da tumba, renasci. Saneamento Básico, seu Furtado, o senhor só por favor me devolva o sono, Furtado, o sono, que amanhã é dia de trabalho.

10.25.2008

PROTESTOS

Para começar, este blogue existe há mais de 3 anos. Só eu o visitei muito mais que 3 x 12 x 4 = 144 vezes. Portanto, não posso aceitar que, ao revisitá-lo, encontre: “1 visitas”. Pelo menos o contador poderia ter acertado no erro, informando: “1 visita”. E aí, perguntaríamos, nós, os não contados: - Quem foi?

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Melhor que sejamos avisados, antes da próxima crise, que o dinheiro sempre esteve, está e estará à nossa disposição nos bancos centrais do mundo. Do contrário todos ficaremos outra vez perdendo o sono, tolamente, sobre nossos colchões recheados de dinheiro.

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Todas as crises acabam. Graças a Deus, nós, não.

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No litoral, o verão tem sido fiel: começa e termina regularmente, sempre à segundas-feiras. Já no interior fica o ano inteiro, ora com muita chuva, ora sem nenhuma. Deus é brasileiro; só não faz questão é de ir à praia.

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Na TV, uma autoridade explicando que, nas eleições de amanhã, daremos mais um passo na consolidação da democracia. Democraticamente, desligamos a TV.

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A História acabou. A História não acabou. Do Estado, para o Estado, pelo Estado. Do Mercado, pelo Mercado, para o Mercado. A Terceira Via. E você, que não vendeu sequer um único exemplar de livro defendendo qualquer dessas teses, ainda por cima, comprou muitos defendendo todas.

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Caminhe pensando no futuro, se lembre do passado, analise o presente. Se não conseguir, entupa os ouvidos com fones. Ao olhar para trás para saber se a retaguarda corresponde ao front, não se esqueça dos postes, do tráfego e da vizinhança. Especialmente aquela que vê sem ser vista.

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Ninguém é mais verdadeiro do que aquele que afirma agir de modo totalmente transparente. Ele – o transparente – é o vidro. De tão transparente, não aparece. Você não o vê, quebra a cara, e ainda pergunta ao porteiro se ele vai bem.

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1 visitas: mariobenevides.blogspot.com.

10.21.2008

HETERÔNIMOS E INTERVALOS

Intervalo de jogo, intervalo de vida. Segundo Clarisse Lispector, a vida é isto, principalmente: a insatisfação dos intervalos. Não é racional ser torcedor. Futebol é uma doença incurável adquirida na infância. Meu time é bissexto e único - a deter maior história e mais histórias do que títulos. É oportuno dizer seu nome; e inconveniente.

Heterônimos não são um privilégio do Fernando Pessoa – ou dele, a eles, dar vida. Privilégio dele e seus heterônimos é ter definido o que o poeta é.

Por favor, torcedor, complete a frase:

O poeta é um fingidor. Finge...

Segunda questão. O poeta é:

a) Isso mesmo: um fingidor;
b) Um sonhador;
c) Fora da realidade;
d) O albatroz, do Baudelaire (príncipe das alturas, no chão, em meio à corja (!) impura, as asas de gigante impedem-no de andar);
e) Um mercador, em botequins;
f) Aquele que o engenheiro quer ser (todos os direitos reservados: Pablo Neruda);
g) O engenheiro, quando engenhoso;
h) Idem, quando menino de engenho (Viriato Correia, perdão pela metáfora; metáfora?);
i) Um botafoguense;
j) O que faz o laboratório da língua (João Cabral de Melo Neto);
k) Nem alegre, nem triste;
l) Uma parte, linguagem, outra, vertigem;
m) Um heterônimo.

Que o poeta Aldo Votto e seu heterônimo nos expliquem o que é um heterônimo, um poeta, um torcedor, um botafoguense.

E, principalmente, um intervalo.

E que acerte na resposta.

Que – principalmente – erre.

Arre!

mariobenevides.blogspot.com - o pseudônimo de um heterônimo.

10.11.2008

DEPOIS DESTA, EU JURO QUE EU PARO

Só mais uma. Uma só, e vamos embora, eu prometo. Depois desta, a realidade, o dia seguinte, de manhã e de tarde.

O brasileiro não tem memória. Por isso ele confunde nomes como Pelé e Garrincha, Gerson e Jairzinho, Zico e Falcão, Romário e Bebeto, Ronaldo e Ronaldinho. Por isso, confunde faces de Zezé Mota e Dina Sfat, Marília Pera e Fernanda Montenegro, Paulo José e Armando Bogus, Wagner Moura e Natchergale. Confunde Marta Rocha com Gisele Bunchen, Jorge Amado com Dorival Caymi, Chico Buarque com Caetano Veloso, Milton Nascimento com Fernando Brant, Sérgio Buarque de Holanda com Vinicius de Moraes, Tom Jobim com Villa Lobos, Darcy Ribeiro com Josué de Castro.

O brasileiro não tem memória está gravado no consciente coletivo, talvez porque Getúlio Vargas tenha voltado nos braços do povo, eleito em vários lugares ao mesmo tempo, desafiando a física e o razoável. O povo que o trouxe nos braços até o caixão é retratado por Jorge Amado em O país do carnaval, Cacau e Suor, por João Cabral de Melo Neto em Morte e vida Severina, coisa de quem confunde passado e presente, pois, se você, que não tem memória, reparar bem, esse povo continua andando por aí.

Brasileiro não tem memória a ponto de trazer de volta o Collor. Quem o trouxe de volta foi quem votou nele na primeira vez e de algum modo se deu bem, trocou de carro, foi para os Estados Unidos, se vingou intimamente de uns caras que lhe cuspiam na face teoria, cargo comissionado ou arrogância de rico ou pretendente a.

Brasileiro não tem memória a ponto de não se esquecer que o Getúlio foi um ditador, com direito a Polícia Especial, hedionda tanto quanto a tortura do regime militar. Não tem memória porque não esquece que o Collor implantou o regime da arrogância, confiscou depósitos bancários, liquidou com a liquidez e devolveu empregos perdidos em dezoito meses sem juros.

Brasileiro não sabe votar. Como se alguém no mundo soubesse. Imagine se dinamarquês soubesse votar e faria eleição assim mesmo. Imagine se houvesse um único indivíduo no mundo que todos dissessem, este, sim, sabe votar, ora, a ele delegaríamos o poder do voto único e coletivo; diríamos, vá lá, meu bom francês, inglês, americano, venezuelano, japonês ou brasileiro, vote por todos nós, porque só você sabe votar. Porque a democracia é exatamente o regime de quem NÃO sabe votar e, por isso, TODOS votam. Seu contrário - a ditadura - é definitivamente aceitar essa insuportável verdade e entregar os pontos, adorando temer e pendurando na parede um par de botas, coturnos.

Rimando coturnos com soturnos, paro por aqui, meu amor, como prometido; a saideira fica para outro dia, outra noite. Doravante, inventarei histórias ou as roubarei do cotidiano, legitimamente, eu juro. Na despedida, provo não ter exagerado e faço um quatro:

1 - O brasileiro não sabe votar;
2 - O mundo não sabe votar;
3 - Foi por isso que os gregos inventaram a democracia;
4 - O brasileiro TEM memória.

A ênfase, meu amor, fica por conta de, esta, ter sido a última desta noite. A saideira, como prometido, fica para outra. Vamos para casa; ao cotidiano; e tiremos dele o que houver de romântico, irônico, sem valor algum. Assim como essa, a última, que, na verdade, é e será sempre a penúltima.

A saideira fica pra depois.

10.07.2008

MACACOS NA PRAIA

Depoimentos de pessoal de cinema que filmou no Brasil apresentados no documentário "Olhar estrangeiro" incluem algumas pérolas, como a de quem pôs um macaco a passear entre beldades na praia de Ipanema. Questionado, o diretor retrucou: - Não há macacos em no Brasil? - e ouviu o, para nós, óbvio: na praia, não. Mas nenhum se compara ao comentário do ator Michael Cane: "Se vocês querem ser levados a sério, parem de fazer gente bonita e de ser alegres. Meu país faz um monte de gente feia, dificilmente demonstra alegria e sempre é levado muito a sério".

(Enquanto, por exemplo, uma Ana Miranda, para escrever Boca do Inferno, vai às últimas para pesquisar, narrar e recriar, o "olhar estrangeiro" sobre nós chuta, mistura lingua espanhola com a portuguesa, selva com praia, e... ganham mais dinheiro.)

Michael Cane, em seu comentário, foi, mais que qualquer outra coisa, inglês: usou do humor e da gentileza para se expressar e se desculpar por gafes cometidas por colegas seus de arte e profissão, das quais inclusive fez parte. Muito mais do que isso: tocou numa ferida exposta; num recorrente mal genuinamente brasileiro.

Não à toa a associação de alegria e sensualidade com falta de seriedade nas coisas vem de fora e associada ao Brasil - porque ela começa é aqui, no Brasil. A brincadeira do ator inglês mostra que humor pode ser muito bem associado a seriedade e, mais ainda, a deter poder, permanecer no poder, ser visto como civilizado e rico, ainda que os tempos do british empire já se tenham ido, sem sequer deixar, esquecidos, fraques, cartolas e bermudas com meias três quartos na Índia do Ghandi. A falta de seriedade, especialmente na condução da coisa pública, no Brasil, nada tem a ver com humor. Não passa de deboche, e deboche não pode ser confundido nem mesmo com humor ruim. É deboche, nada mais que deboche: desrespeito; sensação de impunidade.

Portanto, que não venham os debochados a nos roubar nosso genuíno e mundo afora admirado humor. Muito menos você, gente instruída, culta, ilustrada, a se deixar levar nessa onda debochada e desrespeitosa. Caso contrário, aguente firme - e pague para ver filme inglês com macaco passeando em Ipanema. Pague por isso mesmo: mico.