3.31.2008

PAS DE DEUX

Da platéia, o que se vê é a leveza, a destreza, o treino, a habilidade, o talento. A música, o cenário, a iluminação, o figurino, o pano, tudo é o pano de fundo. Inclusive o erro. Ninguém respira o suor, ninguém sente a aflição no ventre, a conta que vence amanhã, uma vontade de ir ao banheiro súbita e autoritária, premente, urgente, a inveja, o ciúme, a carência, a dor do preconceituado, o tersol, a sinusite, a verruga, a rinite, a vagina, o pênis, o saco oprimido, o calo, a ponta mal feita, a roupa apertada, o desejo reprimido. Ninguém na platéia sabe o que é percebê-la na testa de cada espectador, nunca o olhar, porque, no olhar, bate a luz do iluminador. Como saber se o aplauso foi pela descoberta, a técnica, o malabarismo, o sofrimento ou o erro? O salário é bom, o salário é ruim, atrasado ou adiantado, quanto ele importa? Tanto quanto saber que amanhã é outro dia, que virá ou não. O palco vazio, para a platéia, pode ser tão ou mais bonito, instigante, que a nossa presença. Eles olham o relógio, perguntam-se, Quanto tempo falta para acabar? A dor no joelho, a ponta mal feita, o suor, a vagina e o pênis, seus líquidos, a premência, a urgência adiada do banheiro e da pizza, só nós dois, pas de deux, sabemos. Pas de deux. Os aplausos foram ótimos. Sua ausência, também.

3.25.2008

SONETOS CONCORRENTES

(1)

Minha filha fez catorze anos
Concorrendo com a Páscoa.
Aprendi tardiamente:
Páscoa é passagem.

Do que já foi infância
Pelo que agora é dúvida,
Quinta de trevas,
Sexta da paixão,

Sábado, Aleluia,
Grave, profano, inculto, garanto,
Não há só endoenças,

Filha.
Há enremédios;
Há encuras.

(2)

Caminhadas à beira mar,
Pedras,
Areia fofa, areia dura,
Asfalto.

Nuvens no céu ora presentes-ausentes,
Asas de todo jeito, tempestades, vento,
Automóveis, pedestres, cães,
Bicicletas,

Atletas,
Moças bonitas,
Senhoras, senhores,

Onde anda minha cabeça
Que nada percebo, nada disso
Nada?

3.07.2008

NOTÍCIAS DA DINAMARCA

O clima tem andado instável. A bolsa, estável. O dólar, até o fim do ano, estará valendo menos que nossa moeda. Renato Machado continua provando vinho, inclusive pondo o nariz dentro da taça. O programa Saia Justa ainda não passa na estação Maria, Maria, que não vive, apenas agüenta, mas essa é uma canção antiga e, depois, Maria, Maria não mora na Dinamarca. Diogo Maynardi continuará morando na antiga capital da Dinamarca, vai votar no John McCain e lutar no Iraque, morando em Veneza.

O programa Big Brother está novamente no ar e muitos dinamarqueses assistem, com grande preferência pelo paredão. Fidel Castro saiu de cena; por isso, alguns ficaram alegres, outros, tristes. Isso prova que nós, dinamarqueses, somos pessoas com opinião própria, muito embora existam veículos de comunicação que são chamados Formadores de Opinião – e, de fato, necessário admitir que, dentre nós, há os que portem antenas de tv nas respectivas testas, outros, cabos fazendo as vezes de rabos, e outros ainda que, quando abrem suas bocas, nos mostrem, ao invés de dentes e palavras, a capa e a contra-capa de uma revista. Isso sem esquecer os que tomam café com nosso rei-presidente, geralmente em lugares longínquos ou montanhosos dessa nossa imensa Dinamarca.

Os filmes Tropa de Elite e Meu nome não é Johnny contam um monte de mentiras e essa história de bombas em jogos de futebol no sul-maravilha da Dinamarca evidentemente que não é verdadeira. Se nossa tv estatal já estivesse no ar, nada disso seria divulgado, porque, nela, só a verdade será transmitida.

A tv aberta mostra umas barbaridades de vez em quando, mas, logo em seguida, transmite um pronunciamento do nosso rei-presidente nos tranqüilizando, pondo a culpa em quem de fato a tem: a ignorância do povo, a classe média e as elites (não confundir com a da supra referida Tropa) - verdadeiros anacronismos deste nosso país.

Dona Marisa é que está certa: em boca fechada, não entra mosquito – embora, como se saiba, na Dinamarca não haja mosquitos. É que – Dona Marisa sabe muito bem - prudência e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Já o marido dela, nosso rei-presidente, que antes não sabia de nada, agora sabe de tudo e diz com todas as letras que a porrada – sic – come solta nos presídios deste país. Há algo de podre no reino da Dinamarca? É claro que não: Sheakspeare nem dinamarquês era.

Aquele senador continua no Senado, pois lugar de senador é no Senado, embora o padrinho dele, ex-presidente, tenha se retirado para escrever suas memórias, as quais, se a nossa não falhar como de praxe, deverá trazer atos de grandeza - algumas, inflacionárias, outras, inflamatórias; pois, por exemplo, seu genro talvez não se tenha lembrado de esterilizar aquele dinheiro que apareceu dentro de um cofre e que depois desapareceu, já que nossa mídia, competente e dinamarquesa que é, nunca mais falou a respeito.

Na longínqua América do Sul há uma ameaça de guerra, mas nosso rei-presidente – que talvez permaneça no cargo por mais alguns anos, a depender do que for noticiado na tv aberta e na estatal e do que ele disser durante seu café da manhã - intermediou o diálogo entre as nações em conflito; por causa desta intermediação é que já está garantido que não haverá guerra nenhuma. Um pouco de se estranhar é que aquele amigo dele de boina vermelha que fala pelos cotovelos tenha mandado umas tropas para a fronteira daquele outro país, como é mesmo o nome?, que fica tão longe da Dinamarca que a gente nem se lembra. Aquele continente é muito complicado, tem FARCS, traficantes, ih, nem é bom falar. Os indicadores econômicos e o índice de aprovação do nosso rei-presidente bem demonstram: tudo vai bem na nossa Dinamarca. O clima é que tem andado instável.

3.06.2008

EU, JOGADOR

Ao som da Spok Frevo Orquestra, mariobenevides.blogspot.com, 6 de março de 2008.

Eu jogo.
Pelo empate
Pela continuidade
Da ilusão.

Sei lá o que é vitória,
O que é derrotar alguém ou perder,
Nada disso me interessa.

Não me interessa mesmo competir.
Jogo pela existência
Pelo prazer de permanecer
Vivo.

Espero o computador se ajustar
Como esperam ator e platéia pelo terceiro toque.
Admiro
Profundamente
Músicos
De orquestras.
Sua disciplina
Seu prazer
De dividir com tantos
O palco
De não ter um nome
De não mesmo ter
Dinheiro.

Sou um jogador.
Quem joga não o faz pelo dinheiro
O faz pela embriaguez da ilusão
Nem prazer isso é
Somente é um jogo.
O meu, de continuar vivo,
O de deixar lembranças
O de levar lembranças
Para o travesseiro.

E criar novas.
Novas lembranças.

Amanhã
Nem quero saber
Do que vai ser.
Que apenas seja.
Esse é o jogo que eu jogo.
E que compartilho.
Eu jogo
Pelo empate:

Continuar

Vivo.