O DIÁRIO DO MARIO contém crônicas e poemas de Mario Benevides, além do embrião do romance A REVOLUÇÃO DO SILÊNCIO, do mesmo autor, publicado em 2007 pela Design Editora, aqui no blog com o título A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS.
3.31.2008
PAS DE DEUX
Da platéia, o que se vê é a leveza, a destreza, o treino, a habilidade, o talento. A música, o cenário, a iluminação, o figurino, o pano, tudo é o pano de fundo. Inclusive o erro. Ninguém respira o suor, ninguém sente a aflição no ventre, a conta que vence amanhã, uma vontade de ir ao banheiro súbita e autoritária, premente, urgente, a inveja, o ciúme, a carência, a dor do preconceituado, o tersol, a sinusite, a verruga, a rinite, a vagina, o pênis, o saco oprimido, o calo, a ponta mal feita, a roupa apertada, o desejo reprimido. Ninguém na platéia sabe o que é percebê-la na testa de cada espectador, nunca o olhar, porque, no olhar, bate a luz do iluminador. Como saber se o aplauso foi pela descoberta, a técnica, o malabarismo, o sofrimento ou o erro? O salário é bom, o salário é ruim, atrasado ou adiantado, quanto ele importa? Tanto quanto saber que amanhã é outro dia, que virá ou não. O palco vazio, para a platéia, pode ser tão ou mais bonito, instigante, que a nossa presença. Eles olham o relógio, perguntam-se, Quanto tempo falta para acabar? A dor no joelho, a ponta mal feita, o suor, a vagina e o pênis, seus líquidos, a premência, a urgência adiada do banheiro e da pizza, só nós dois, pas de deux, sabemos. Pas de deux. Os aplausos foram ótimos. Sua ausência, também.
3.25.2008
SONETOS CONCORRENTES
(1)
Minha filha fez catorze anos
Concorrendo com a Páscoa.
Aprendi tardiamente:
Páscoa é passagem.
Do que já foi infância
Pelo que agora é dúvida,
Quinta de trevas,
Sexta da paixão,
Sábado, Aleluia,
Grave, profano, inculto, garanto,
Não há só endoenças,
Filha.
Há enremédios;
Há encuras.
(2)
Caminhadas à beira mar,
Pedras,
Areia fofa, areia dura,
Asfalto.
Nuvens no céu ora presentes-ausentes,
Asas de todo jeito, tempestades, vento,
Automóveis, pedestres, cães,
Bicicletas,
Atletas,
Moças bonitas,
Senhoras, senhores,
Onde anda minha cabeça
Que nada percebo, nada disso
Nada?
Minha filha fez catorze anos
Concorrendo com a Páscoa.
Aprendi tardiamente:
Páscoa é passagem.
Do que já foi infância
Pelo que agora é dúvida,
Quinta de trevas,
Sexta da paixão,
Sábado, Aleluia,
Grave, profano, inculto, garanto,
Não há só endoenças,
Filha.
Há enremédios;
Há encuras.
(2)
Caminhadas à beira mar,
Pedras,
Areia fofa, areia dura,
Asfalto.
Nuvens no céu ora presentes-ausentes,
Asas de todo jeito, tempestades, vento,
Automóveis, pedestres, cães,
Bicicletas,
Atletas,
Moças bonitas,
Senhoras, senhores,
Onde anda minha cabeça
Que nada percebo, nada disso
Nada?
3.07.2008
NOTÍCIAS DA DINAMARCA
O clima tem andado instável. A bolsa, estável. O dólar, até o fim do ano, estará valendo menos que nossa moeda. Renato Machado continua provando vinho, inclusive pondo o nariz dentro da taça. O programa Saia Justa ainda não passa na estação Maria, Maria, que não vive, apenas agüenta, mas essa é uma canção antiga e, depois, Maria, Maria não mora na Dinamarca. Diogo Maynardi continuará morando na antiga capital da Dinamarca, vai votar no John McCain e lutar no Iraque, morando em Veneza.
O programa Big Brother está novamente no ar e muitos dinamarqueses assistem, com grande preferência pelo paredão. Fidel Castro saiu de cena; por isso, alguns ficaram alegres, outros, tristes. Isso prova que nós, dinamarqueses, somos pessoas com opinião própria, muito embora existam veículos de comunicação que são chamados Formadores de Opinião – e, de fato, necessário admitir que, dentre nós, há os que portem antenas de tv nas respectivas testas, outros, cabos fazendo as vezes de rabos, e outros ainda que, quando abrem suas bocas, nos mostrem, ao invés de dentes e palavras, a capa e a contra-capa de uma revista. Isso sem esquecer os que tomam café com nosso rei-presidente, geralmente em lugares longínquos ou montanhosos dessa nossa imensa Dinamarca.
Os filmes Tropa de Elite e Meu nome não é Johnny contam um monte de mentiras e essa história de bombas em jogos de futebol no sul-maravilha da Dinamarca evidentemente que não é verdadeira. Se nossa tv estatal já estivesse no ar, nada disso seria divulgado, porque, nela, só a verdade será transmitida.
A tv aberta mostra umas barbaridades de vez em quando, mas, logo em seguida, transmite um pronunciamento do nosso rei-presidente nos tranqüilizando, pondo a culpa em quem de fato a tem: a ignorância do povo, a classe média e as elites (não confundir com a da supra referida Tropa) - verdadeiros anacronismos deste nosso país.
Dona Marisa é que está certa: em boca fechada, não entra mosquito – embora, como se saiba, na Dinamarca não haja mosquitos. É que – Dona Marisa sabe muito bem - prudência e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Já o marido dela, nosso rei-presidente, que antes não sabia de nada, agora sabe de tudo e diz com todas as letras que a porrada – sic – come solta nos presídios deste país. Há algo de podre no reino da Dinamarca? É claro que não: Sheakspeare nem dinamarquês era.
Aquele senador continua no Senado, pois lugar de senador é no Senado, embora o padrinho dele, ex-presidente, tenha se retirado para escrever suas memórias, as quais, se a nossa não falhar como de praxe, deverá trazer atos de grandeza - algumas, inflacionárias, outras, inflamatórias; pois, por exemplo, seu genro talvez não se tenha lembrado de esterilizar aquele dinheiro que apareceu dentro de um cofre e que depois desapareceu, já que nossa mídia, competente e dinamarquesa que é, nunca mais falou a respeito.
Na longínqua América do Sul há uma ameaça de guerra, mas nosso rei-presidente – que talvez permaneça no cargo por mais alguns anos, a depender do que for noticiado na tv aberta e na estatal e do que ele disser durante seu café da manhã - intermediou o diálogo entre as nações em conflito; por causa desta intermediação é que já está garantido que não haverá guerra nenhuma. Um pouco de se estranhar é que aquele amigo dele de boina vermelha que fala pelos cotovelos tenha mandado umas tropas para a fronteira daquele outro país, como é mesmo o nome?, que fica tão longe da Dinamarca que a gente nem se lembra. Aquele continente é muito complicado, tem FARCS, traficantes, ih, nem é bom falar. Os indicadores econômicos e o índice de aprovação do nosso rei-presidente bem demonstram: tudo vai bem na nossa Dinamarca. O clima é que tem andado instável.
O programa Big Brother está novamente no ar e muitos dinamarqueses assistem, com grande preferência pelo paredão. Fidel Castro saiu de cena; por isso, alguns ficaram alegres, outros, tristes. Isso prova que nós, dinamarqueses, somos pessoas com opinião própria, muito embora existam veículos de comunicação que são chamados Formadores de Opinião – e, de fato, necessário admitir que, dentre nós, há os que portem antenas de tv nas respectivas testas, outros, cabos fazendo as vezes de rabos, e outros ainda que, quando abrem suas bocas, nos mostrem, ao invés de dentes e palavras, a capa e a contra-capa de uma revista. Isso sem esquecer os que tomam café com nosso rei-presidente, geralmente em lugares longínquos ou montanhosos dessa nossa imensa Dinamarca.
Os filmes Tropa de Elite e Meu nome não é Johnny contam um monte de mentiras e essa história de bombas em jogos de futebol no sul-maravilha da Dinamarca evidentemente que não é verdadeira. Se nossa tv estatal já estivesse no ar, nada disso seria divulgado, porque, nela, só a verdade será transmitida.
A tv aberta mostra umas barbaridades de vez em quando, mas, logo em seguida, transmite um pronunciamento do nosso rei-presidente nos tranqüilizando, pondo a culpa em quem de fato a tem: a ignorância do povo, a classe média e as elites (não confundir com a da supra referida Tropa) - verdadeiros anacronismos deste nosso país.
Dona Marisa é que está certa: em boca fechada, não entra mosquito – embora, como se saiba, na Dinamarca não haja mosquitos. É que – Dona Marisa sabe muito bem - prudência e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Já o marido dela, nosso rei-presidente, que antes não sabia de nada, agora sabe de tudo e diz com todas as letras que a porrada – sic – come solta nos presídios deste país. Há algo de podre no reino da Dinamarca? É claro que não: Sheakspeare nem dinamarquês era.
Aquele senador continua no Senado, pois lugar de senador é no Senado, embora o padrinho dele, ex-presidente, tenha se retirado para escrever suas memórias, as quais, se a nossa não falhar como de praxe, deverá trazer atos de grandeza - algumas, inflacionárias, outras, inflamatórias; pois, por exemplo, seu genro talvez não se tenha lembrado de esterilizar aquele dinheiro que apareceu dentro de um cofre e que depois desapareceu, já que nossa mídia, competente e dinamarquesa que é, nunca mais falou a respeito.
Na longínqua América do Sul há uma ameaça de guerra, mas nosso rei-presidente – que talvez permaneça no cargo por mais alguns anos, a depender do que for noticiado na tv aberta e na estatal e do que ele disser durante seu café da manhã - intermediou o diálogo entre as nações em conflito; por causa desta intermediação é que já está garantido que não haverá guerra nenhuma. Um pouco de se estranhar é que aquele amigo dele de boina vermelha que fala pelos cotovelos tenha mandado umas tropas para a fronteira daquele outro país, como é mesmo o nome?, que fica tão longe da Dinamarca que a gente nem se lembra. Aquele continente é muito complicado, tem FARCS, traficantes, ih, nem é bom falar. Os indicadores econômicos e o índice de aprovação do nosso rei-presidente bem demonstram: tudo vai bem na nossa Dinamarca. O clima é que tem andado instável.
3.06.2008
EU, JOGADOR
Ao som da Spok Frevo Orquestra, mariobenevides.blogspot.com, 6 de março de 2008.
Eu jogo.
Pelo empate
Pela continuidade
Da ilusão.
Sei lá o que é vitória,
O que é derrotar alguém ou perder,
Nada disso me interessa.
Não me interessa mesmo competir.
Jogo pela existência
Pelo prazer de permanecer
Vivo.
Espero o computador se ajustar
Como esperam ator e platéia pelo terceiro toque.
Admiro
Profundamente
Músicos
De orquestras.
Sua disciplina
Seu prazer
De dividir com tantos
O palco
De não ter um nome
De não mesmo ter
Dinheiro.
Sou um jogador.
Quem joga não o faz pelo dinheiro
O faz pela embriaguez da ilusão
Nem prazer isso é
Somente é um jogo.
O meu, de continuar vivo,
O de deixar lembranças
O de levar lembranças
Para o travesseiro.
E criar novas.
Novas lembranças.
Amanhã
Nem quero saber
Do que vai ser.
Que apenas seja.
Esse é o jogo que eu jogo.
E que compartilho.
Eu jogo
Pelo empate:
Continuar
Vivo.
Eu jogo.
Pelo empate
Pela continuidade
Da ilusão.
Sei lá o que é vitória,
O que é derrotar alguém ou perder,
Nada disso me interessa.
Não me interessa mesmo competir.
Jogo pela existência
Pelo prazer de permanecer
Vivo.
Espero o computador se ajustar
Como esperam ator e platéia pelo terceiro toque.
Admiro
Profundamente
Músicos
De orquestras.
Sua disciplina
Seu prazer
De dividir com tantos
O palco
De não ter um nome
De não mesmo ter
Dinheiro.
Sou um jogador.
Quem joga não o faz pelo dinheiro
O faz pela embriaguez da ilusão
Nem prazer isso é
Somente é um jogo.
O meu, de continuar vivo,
O de deixar lembranças
O de levar lembranças
Para o travesseiro.
E criar novas.
Novas lembranças.
Amanhã
Nem quero saber
Do que vai ser.
Que apenas seja.
Esse é o jogo que eu jogo.
E que compartilho.
Eu jogo
Pelo empate:
Continuar
Vivo.
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