11.30.2013

ALGUÉM JÁ DEVE TER DITO ISSO, INCLUSIVE EU


Há canções do Caetano Veloso que vão ficar para sempre, mas uma recente foi como um tiro de espingarda com dois canos em duas coisas que a gente gosta: a Bossa Nova e a outra.

Um grande amigo meu quer desenvolver uma tese sobre o amor do brasileiro pelo lixo. De fato, é algo assombroso ver um indivíduo despejar lixo na água do mar onde ele se banha e na areia da praia em que se deita.

Dizer que tudo de ruim que acontece no Brasil é herança dos portugueses – “ah, as capitanias hereditárias...” - é o mesmo que faz um indivíduo que, na milésima sessão de psicanálise, ainda quer matar papai e namorar mamãe.

Só há um motivo para os portugueses terem colonizado o Brasil e por tanto tempo. Em matéria de navegação e expansão territorial, eles eram no mínimo tão bons quanto os melhores daquele tempo.

Quem era contra a privatização privatiza, quem era a favor da liberdade quer proibir, quem desfazia da mão de ferro na economia usa pés de ferro e com o mesmo guru: Delfim Neto. Pois é, Cazuza: Vemos o futuro repetir o passado, vemos um museu de grandes novidades.

Olha o arrastão entrando no mar sem fim.

Por ter lido há alguns anos a biografia de Simón Bolivar escrita por Moacir Werneck de Castro, respeitável jornalista e estudioso com nítida postura de esquerda, jamais engoli o título de bolivariano com que Hugo Chaves batizou seu regime de governo, que vai além-túmulo com Maduro. Eis que leio na epígrafe do livro de Enrique Krauze, respeitável jornalista, estudioso e defensor da democracia, o seguinte pensamento de Bolivar: “A continuação da autoridade num mesmo indivíduo com frequência tem marcado o fim dos governos democráticos.”

Enquanto os físicos definem que a frequência é o inverso do período, o Ministério do Bom Senso adverte: na tomada como na política, a melhor corrente é a alternada.


 

 

 

 

 

11.07.2013

E AÍ ELA CHOROU

Rosa organizou um seminário para alunos da Odontologia da UFSC. Fui convidado para ser o primeiro palestrante. Dei o título à minha palestra de “Mercado de Trabalho - Anseios, Expectativas e Realidade”. Especialistas em Marketing e Psicologia, entre outras áreas, farão outras palestras hoje e amanhã. A proposta do seminário partiu da Rosa; surgiu de um pedido de ajuda de uma aluna, que comentou que havia alunos receosos do que vão encontrar pela frente em suas carreiras, incluindo casos de depressão. O auditório deve ter uns 80 lugares e estava lotado, principalmente por jovens estudantes, além de alguns outros professores mais ou menos da minha geração. Juntei na minha memória tudo o que consegui sobre as mudanças no Brasil e no mundo desde o tempo dos Beatles até hoje e os impactos disso nas vidas, profissões e mercados de trabalho; perguntei a eles se o país e o mundo haviam melhorado, piorado ou permanecido a mesma coisa, até tratar do tema propriamente dito, fazendo idas e vindas, provocações, sugestões e constatações – por exemplo, a de que o país hoje vive uma democracia e tem uma moeda com nome e valor conhecidos; que a odontologia, especialmente no Brasil, teve progressos extraordinários; que o mundo é mais perto do que já foi e o interior do Brasil permanece pedindo para ser desbravado e desenvolvido; do surgimento nos anos setenta e oitenta do século passado do conceito do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade, que considero um marco na história, por trazer a constatação de que, sim, somos bichos que pensamos em desenvolvimento econômico, mas que podemos fazê-lo sem culpa, desde que pensando também nas futuras gerações, tratando os outros com respeito, pensando nos benefícios da inclusão social e na necessidade de conservar os recursos naturais. Mencionei o óbvio: as escolhas são sempre difíceis, mas são escolhas, próprias; e que cada pessoa é uma entre sete bilhões de uma espécie entre outras sete bilhões de espécies - e que cada um de nós é único, não há ninguém igual a ninguém; não há réplicas nem das nossas impressões digitais nem das que temos do mundo e do universo. Também falei da dificuldade do que parece fácil e não é: o autoconhecimento, lembrando a célebre frase inscrita em uma pirâmide egípcia: Conhece-te a ti mesmo. Comentei que não conhecia o Egito e que, infelizmente, neste momento, não tenho muita vontade de fazer turismo por lá.

Terminada a palestra, uma moça linda, muito loura e de olhos muito azuis, veio a mim e me perguntou se de fato eu tinha dito que não tinha vontade de fazer turismo no Egito. Eu disse que sim, por medo da guerra. “Pois eu passei dois meses lá e a realidade é outra, diferente do que a mídia mostra, eles são um povo extraordinário, eu deixava minha bolsa largada em qualquer e canto e ninguém mexia, e se as pessoas continuarem a ter esse preconceito, a situação deles só vai piorar, eles precisam de turistas para que possam sair da crise em que estão.” Eu pedi desculpas e agradeci a ela ter-me dito isso, e que ela deveria dizer isso à plateia, logo antes da próxima palestra. Ela me disse que tinha vergonha; eu propus que a Rosa dissesse, então, incluindo meu agradecimento por ela me ter aberto os olhos e destruído mais um medo e um preconceito dentro de mim. “O senhor falou na possibilidade de se ir para o interior se essa for nossa escolha, e eu quero ir para a Índia, e as pessoas me perguntam por que, e eu digo que lá eu vou ter mais chances de ajudar as pessoas do que se eu for para os Estados Unidos.”

E aí ela chorou. Seus lindos olhos azuis se encheram de lágrimas. Eu dei uma beijo em sua testa e disse, Daqui a pouco, serão dois chorando. É o que faço, agora.

Obrigado, Professor Ricardo, Professora Joeci, Rosa, minha mulher. Muito especialmente, obrigado a você, linda lourinha chamada Mariane, seus lindos olhos azuis cheios de vida, ideal e lágrimas que, sem querer e tão tolamente, causei.

9.19.2013

Rimas Infringentes

Aos infratores importantes
Idealistas? Ideólogos? Indecentes? Todos gananciosos prepotentes,
Infringentes.
Aos reles,
Correntes. Estes,
quando libertos ou fugidos,
Dementes, incendeiam
O transporte dos inocentes.
Nos dois casos, o risco
Do circo do eternamente.
Nem por isso
nos tornaremos
de todo descrentes.
Depois do voto vil e absurdo, sinalizam com sua extinção - e completamente.
Se nos confundem, vilipendiam, exaurem,
não é a esperança que é nossa persistente.
Nossa indignação,
mais que latente,
nos é

Imanente.

8.24.2013

SENTIDO


SENTIDO

A casa em ruínas da esquina onde à porta moravam mendigos foi demolida, mantendo-os em sua condição de moradores de rua, apenas sem ter uma porta e um muro como referência. Agora se sabe que a casa servia de insuspeito depósito de uma fast food, e é de se observar que não há nada cientificamente comprovado quanto a possíveis benefícios do armazenamento de fast food em uma casa em ruínas, ainda que com mendigos de guarda à porta.

Em outra esquina, junto ao muro de um supermercado, um jovem estirado lembra uma canção de João Bosco e Aldir Blanc. Pessoas rondam, especulam, acham que ele está morto. Aparece um amigo meu, que faz o que eu não tive coragem de fazer: aproxima os dedos do nariz do homem deitado na calçada, não se dá por convencido e os encosta na testa dele, para depois dizer:

- Ele está quente. Se está quente, está vivo.

Alguém comenta:

- Ele sempre se deita aí.

E assim voltamos à normalidade: mendigos drogados nas calçadas, fast food à procura de casa em ruínas para servir de depósito, nós, quentes, logo vivos.

7.20.2013

A FÁBULA DO DISTRAÍDO


 

 
Era uma vez um palestrante de sistemas de auditoria que disse que há um estudo muito sério que concluiu que, independentemente do sexo, lugar, grupo, instituição, grau de instrução, país ou continente, o percentual de pessoas absolutamente éticas é de 10%, enquanto que o das absolutamente antiéticas é também de 10%. Não conheci o estudo citado, mas posso afirmar que o palestrante era muito sério. E não sei se ele não disse ou se disse e eu me distraí; sendo assim, digo eu: a relativização – o Aí depende - porque passam as outras 80 em cada 100 não necessariamente é uma questão de preço; pode ficar em searas como a do Se não está escrito que não pode, então pode; ou, Se está escrito, pode ser interpretado. E pode não haver o escrito, mas, em seu lugar, o dito - quando o que prevalecerá, para as mesmas 80 de cada 100 pessoas que têm lá suas dúvidas, será, Se ele não disse que não pode, então pode; ou, Ele disse que não pode, mas não é bem assim, ou não tanto assim. Há cada vez mais coisa escrita e mais coisa dita, e vai ficando cada vez mais difícil ler, ouvir, compreender e interpretar. Mas há períodos da vida de qualquer pessoa que não pertença à classe das 10% absolutamente antiéticas em que nada disso é necessário - independentemente do sexo, lugar, grupo, instituição, grau de instrução, país ou continente -, quando acaba por prevalecer algo que foi intuído ou aprendido logo na primeira infância: o seu direito acaba onde o do outro começa. Por isso que fico por aqui.

7.14.2013

O TÍTULO

Meu primeiro grande título, como o de muitos brasileiros, não foi da seleção nem do time de coração na infância, ainda que estes tenham acontecido primeiro. Escolher entre MDB e ARENA, sim, foi modesta, tolhida e ao mesmo tempo imensa conquista para mim e outros da minha geração. Nosso primeiro grande título foi o de eleitor.
Partidários defendem seus partidos e há os que prefiram ideologias, como a do Estado perfeito ou a do Mercado perfeito. Alguns querem a volta dos militares ao Poder, outros, que o protesto se torne regra, palavra de ordem, aclamação. Modesto ou pretensioso, o eleitor prefere escolher; votar; e poder defender seus direitos.
Também não foi no Fantástico que conheci a professora chegando na escola improvisada montada no lombo de um burro, mas pessoalmente, por força da profissão de engenheiro. Posso dizer sem orgulho e muito menos preconceito que conheço bem muitas das cidades do interior do Brasil, como quase todas as capitais dos seus estados. É um erro pensar que alguém sem instrução e com poucos recursos vote mal, da mesma proporção que acreditar que quem sabe votar é o instruído e com recursos, desta ou daquela cidade ou região. Pelé não estava totalmente errado quando disse (em péssima hora, não se discute) que o brasileiro não sabe votar. Ninguém sabe votar e, por isso e em aparente paradoxo, existe a democracia. Se não se sabe a verdade, que seja feita a vontade: a da maioria e não a de uma classe, região ou de um só.
Tanto há políticos quanto ditadores que se mostram (sabendo que não são) donos da verdade. Há quem acredite que eles sejam e goste de repetir o que eles dizem, por paixão ou preguiça de pensar. Tomemos o passado recente como exemplo. Partidários de Lula afirmam que FHC destruiu estatais para depois vendê-las, quando o que de fato ocorreu é que o Estado empreendedor tinha virado propriedade de uns poucos e o dinheiro do Estado empreendedor havia acabado antes do seu governo - e não restava alternativa ao País, que não a de convidar a iniciativa privada para investir. FHC, que nos deixou de herança a maldição da reeleição, tampouco propriamente deu dinheiro do Estado aos bancos, mas sim a quem tinha contas nos bancos – claro que, direta e necessariamente, favorecendo também aos banqueiros, mas, se assim não fosse, o que nos restaria? Um curralito? Esses que jogam pedra no FHC costumam endeusar Lula, esquecendo ou negando coisas que são inesquecíveis e inegáveis do governo dele. Os do lado oposto esquecem que o governo Lula manteve a fórmula aprendida por FHC depois de gravíssima crise de escalar um banqueiro à frente do Banco Central (dando a este independência), a economia (na maior parte do tempo) regulada pela razoabilidade e - sim, por um cenário favorável (na maior parte do tempo) na economia mundial, mas também por inegável competência de equipe –, o País com bons níveis de credibilidade, crescimento e baixa inflação.
E porque isso não acontece agora? Porque agora, no governo, temos alguém que não só se mostra como acredita que é dona da verdade; que pensa que entende melhor do que ninguém de economia e Banco Central. E até de medicina.
Mas não só. Todos, partidários, ideólogos ou eleitores, de esquerda, direita ou centro, caímos na desgraça do poder pelo poder. Do continuísmo. Da falta de alternância. Do desaparecimento da oposição. Em uma palavra, fisiologismo.
Sem abrir parênteses, me parece pertinente lembrar que esquerda não é monopólio do marxismo – a expressão é anterior a Marx e suas teorias, como (e mais ainda) anterior a Lênin, Trotsky, Stalin, Fidel, etc. –, como direita não é monopólio de Hitler, Mussolini e tantos outros ditadores do século passado (que bom lembrar que isso é coisa antiga, de outro século!). Tampouco centro é ficar em cima do muro. Centro é ser eleitor, o que de trás pra frente não é verdadeiro, porque esquerda e direita – evidentemente - são muito, mas muito majoritariamente feitas de eleitores. Estes, sejam de esquerda, centro ou direita, na hora de votar vão pensar em seus interesses – o que é lícito – e nos do País – o que é muito maior que qualquer ideologia: é ideal.
Ideal talvez agora fossem novos comandos no Senado, na Fazenda e no Banco Central; que na economia fossem tomadas medidas supostamente impopulares, mas capazes de recuperar a credibilidade do País e este voltar a atrair e fazer investimentos, para o que também contribuiria uma drástica e racional redução da fisiológica e perniciosa quantidade de ministérios; que médicos e estudantes de medicina fossem consultados sobre as condições em que trabalham e fazem suas residências e não obrigados a engolir o que um governo pensa; e que o ministro da educação pudesse arregaçar as mangas e se dedicar de corpo, alma e ouvidos à sua pasta e não ficar pousando de porta-voz de plantão, explicando o inexplicável.
Ideal será que a Presidente perceba que não é (e ninguém mais acredita que seja) dona da verdade; e que sua base fisiológica seja capaz de pensar pelo menos em seu próprio interesse de ter a política como profissão, para que não caia em trágico e unânime descrédito.
Ideal será que o mandato da Presidente termine bem. Se assim não for, com o País em situação ruim, não será de reeleição ou de alternância que falaremos. Com ou sem título, apenas e tão somente trataremos do fracasso dos interesses e ideais da maioria.
Do nosso fracasso.

6.29.2013

O MOVIMENTO



Há fascistas no movimento. E neonazistas. E vândalos. Sou capaz de apostar que há marxistas e até estalinistas. Houve quem dissesse que há belgas, mas indianos não - paradoxalmente com insinuações de que somente determinadas castas e etnias estariam presentes.

Algo que não se discute: há apartidários e partidários.

Curioso é que não costumam falar de proporções e ninguém comenta que pelo menos um gênio esteve presente: aquele que disse a quem estava ao seu lado depredando uma placa, Maluco, essa placa é tua.

Era uma vez 1978, eu tinha 22 anos, era recém-formado em engenharia e havia uma ditadura. Um colega de faculdade e trabalho me perguntou se eu preferia o capitalismo ou o comunismo. Eu respondi, A democracia. Ele debochou de mim e me explicou que uma coisa era o regime político e outra o econômico.

Perdoem se insisto na minha redundantemente teimosa burrice: até hoje, entre o capitalismo e o comunismo, continuo preferindo a democracia.

Tão patético quanto propor uma constituinte específica, a ponto de ter que desistir dela no dia seguinte, é querer o impeachment de quem a propôs apenas por não aprovar seu governo. Eu não votei nela nem me tornei fã e talvez além de burro eu seja ignorante, mas me parece que não foi essa senhora que inventou a corrupção, como até o momento não houve indícios de que desta fosse cúmplice. Pelo contrário: com presteza, destituiu aqueles sobre os quais pesavam graves suspeitas e sobre seus cargos tinha o poder de fazê-lo. Há quem se esqueça de que, no Brasil, a democracia tem três poderes.

Outra passagem que acho pertinente é o comentário de um amigo meu, que, sabendo que há saudosos da ditadura, me disse, Eu sempre quis ser rei. Ora, digo eu, até para ser súdito a democracia é melhor.

Há quem exalte esse movimento como inédito, se esquecendo de que a história recente como a nem tão recente (1968) teve semelhantes, aqui e no mundo inteiro, inclusive com a percepção de mais de uma causa ao mesmo tempo. Nem a novidade da rapidez da comunicação deveria ser tida como aquilo de mais especial que ele trouxe, porque esse lugar está para sempre guardado para a acachapante desaprovação da (provavelmente) mais calhorda proposta de emenda constitucional surgida depois de 1988, ano em que o Brasil festejou a redescoberta do quanto é bom possuir uma constituição democraticamente construída.

Li no jornal que a senhora presidente pretende conversar com os estudantes pelas redes sociais. Melhor assim, presidente: conversar é melhor que pensar que se entende de tudo, porque também patética é a prepotência. E tão certo quanto eu jamais vá me dirigir à senhora como presidenta é que jamais vou chamá-la de prepotenta.

A causa sempre foi uma só.

Democracia, um beijo pra você.

6.19.2013

A REVOLUÇÃO DO SILÊNCIO – ROMANCE DE 2007 (MARIO BENEVIDES) – TRECHOS:

“Nada mais chamava a atenção de ninguém. Era normal a sucessão de guerras, desgraças, vilezas, grosserias explícitas e outras disfarçadas. Movimentos, protestos, marchas, armas de todo tipo, tudo (...) somente imagens coloridas. (...) O que fazer para chamar a atenção dos outros, ainda mais a ponto de provocar uma revolução? (...) Seria pacífica, sem tiros ou golpes de estado: uma revolução de mentalidade.”


“As comunicações se haviam tornado insossas, repetitivas e sem crédito. (...) [A política] caíra em terreno ainda mais árido de interesse do que o experimentado pelas comunicações. (...) Nada mais parecia despertar o mais vago patriotismo – nem mesmo o velho futebol.”

“A tecnologia avançava em seu ritmo já assimilado mundialmente, ou seja, vertiginoso. (...) Lá fora, indigentes, estudantes, burocratas, sobreviventes da vida nas ruas, atores e atrizes do Cerrado e arredores, índios e suas vestimentas características, índias inteiramente nuas, padres, freiras, estrangeiros radicados no país, profissionais de comunicação do mundo todo, militares, prostitutas, travestis, mulheres-crentes e suas tranças desalinhadas até a cintura, mulheres de pano na cabeça e no rosto, mulheres de tailleur e de minissaias e de calças despojadas e homens de terno e gravata e de bermuda, tipos os mais variados, alguns andando de um lado para o outro, enquanto outros preferiam sentar-se no chão e outros, ainda, deitaram-se. Todos em silêncio.”

(...)

“Desânimo nunca mais; imposições nunca mais; demagogia nunca mais; corporativismo nunca mais; inclusão, progresso econômico, financeiro e humano, sempre. Democracia sempre. Esclarecimento sempre. Cultura, educação, capacitação; respeito; ética - sempre. Punição por meio de prisão e/ou prestação de serviços comunitários, banimento e constrangimento por meio do mais absoluto ostracismo aos corruptos e corruptores. Assim foi.”

5.04.2013

UM APERTO


Eram nove e meia da noite de terça-feira, véspera do feriado do Dia do Trabalho. Eu esperava um taxi em uma rua erma, escura, onde se encontram modernos prédios de escritórios. O final da rua dá acesso a uma comunidade de pessoas pobres e suas casas pobres. Eu estava contente, havia acabado de cumprir uma tarefa difícil, dentro do prazo. O taxi demorava a chegar. Um sujeito de uns trinta anos, alto e magro, passando pela calçada do outro lado, me disse assim:

- Aí só trabalha gente rica, não é doutor? Só vejo entrar e sair carrão daí.

Ele atravessou, mas não inteiramente, parando no meio da rua sem movimento de carros.

- Deve ter gente de muito talento aí, não é, doutor?

Eu respondi que sim.

- O senhor sabia que tem pobre com talento, doutor?

Eu respondi que claro que sim, que eu sabia muito bem disso.

- Aqui perto, não sei se o senhor sabe, logo ali, virando a rua, tem uma comunidade. Nessa comunidade mesmo, doutor, tem muita gente de talento, que podia ter mais oportunidades.

- Eu sei disso – eu falei, não sem certo incômodo, mas pensei que, se ele quisesse algum ato violento, já o teria feito. Ele queira era conversa. Queria a oportunidade de dizer o que estava me dizendo.

- Posso me aproximar do senhor?

Eu disse que claro que sim. Ele chegou bem perto de mim. Vi que ele estava de camisa esporte, paletó e calça beges, calçando tênis. Ele passou a me falar me olhando nos olhos.

- Doutor. Já quiseram comprar a comunidade. Mas as pessoas não querem sair daí. Já moram faz muito tempo, querem...

- Que melhorem as condições de vocês e que deem mais oportunidades a vocês.

- Doutor, só tem gente boa aí.

Uma mulher bem humilde passou por mim e me cumprimentou, com o olhar baixo. Boa noite, doutor, ela me disse.

- Boa noite, eu respondi. O homem de paletó e calça beges me disse, em voz baixa e respeitosa:

- Não falei? Só gente boa, doutor. Depois:

- Não sei o que tem nesses prédios, se é hotel, shopping, não sei. Acho que as pessoas que trabalham aí também não sabem da nossa comunidade e que tem gente de talento bem aqui, bem ao lado desses prédios. Mas elas sabem, sim. Elas nos veem das janelas delas, devem ver.

Enquanto me fazia um convite para que eu um dia viesse visitar a comunidade, me assegurando de que eu seria muito bem recebido, o sujeito, me consultando antes se podia e depois de eu ter aceitado, me deu um firme, educado, caloroso aperto de mão.

Ele foi para a sua comunidade; eu continuei esperando o taxi.

3.30.2013

O PRIVILÉGIO

Quem me indicou o filme tem entre vinte e vinte cinco anos, mas as personagens são homens e mulheres aposentados, todos ingleses – aliás, bem ingleses, desses que até hoje ainda não entenderam como o império britânico ficou sem colônias. Uma viúva, que descobre que o falecido deixou dívidas; um marido e uma mulher frustrados (principalmente ela), porque, depois de uma vida dedicada ao serviço público, ficaram sem dinheiro para luxos; um juiz solteiro; outro solteiro que, com seus sessenta ou mais anos, marca encontros dizendo que tem menos de quarenta; uma solteira que se considera nobre; e outra, mais velha, que precisa fazer uma cirurgia na bacia e se acha ainda mais importante que a primeira. Todos vão parar no Hotel Marigold, “para idosos e bonitos”, que fica em uma das ex-colônias britânicas: a Índia. O dono, administrador, marqueteiro e faz-tudo do hotel é um bem-humorado indiano de uns vinte anos. Sua bela namorada não é a nora que a mãe dele gostaria de ter e tem um irmão que é metido a tomar conta dela. Se você ainda não assistiu a O Exótico Hotel Marigold, seja qual for a sua idade, fica a sugestão. Além da boa história e do elenco - por exemplo, quem faz a viúva é Judi Dench, a M do 007 na Operação Skyfall -, o filme traz uma preciosa observação: para os indianos, a vida é um privilégio, e não um direito.

Qualquer um de nós é um ser entre sete bilhões de outros seres de uma espécie entre sete bilhões de outras espécies. Um privilégio. A maior parte de nós não tem a maior parte do que os poucos de nós temos: onde morar, comida, roupa, medicina, estudo, liberdade de ir e vir, cultura, laser, trabalho. Estudar não é um saco – é privilégio. Trabalhar não é obrigação – é privilégio.

Provavelmente, a única coisa que não é privilégio é ter um governo, mas isso é um pensamento Marxista. Groucho Marxista: do Groucho Marx, que nos deixou pérolas como “Não entraria para um clube que me aceitasse como sócio”, ou “A humanidade, partindo do nada e com seu próprio esforço, alcançou as mais altas cotas de miséria". (É dele também a que diz “Esses são os meus princípios; se você não gostar, tenho outros”. A liberdade de associação de ideias é sua, não vou eu me meter a besta de tirar de você esse privilégio.)

A vida é um privilégio e assistir a filmes como os do Groucho Marx e os aqui citados é outro, que faz parte do primeiro. Boa vida pra você. E bons filmes.

3.23.2013

NO ANIVERSÁRIO DE 19 ANOS DE MARIA LUIZA

Hoje, Maria Luiza faz 19 anos. Assim que ela nasceu, fiz uma canção com um amigo meu, o engenheiro, violonista e compositor Sebastião Coelho. Faz tempo que não vejo o Tião. Ele deve continuar lá no Rio, mais precisamente na sua Maricá, enquanto que eu, em 2000, me mudei com a família para Florianópolis, onde moro até hoje. Os primeiros versos que fiz para a nossa Sonata de Maria Luiza dizem assim:

Quando a bruxa, no alçapão,
Traiçoeira me calar e me prender,
Minha voz, nessa canção,
Dirá bem mais do que eu tinha a dizer.

Enquanto Dona Bruxa não vem, eu e Maria Luiza temos compartilhado muita coisa. Acho que um ano depois que chegamos a Florianópolis, ela, com seus oito anos, escreveu uma frase que deverá ser a epígrafe do romance que pretendo lançar este ano, e que saiu num mural do Colégio Catarinense:

Bonita cidade, quero menos velocidade.

Tenho certeza de que vários desejos de Maria Luiza foram atendidos, mas esse, particularmente, não: os carros aqui estão cada vez mais velozes, a não ser quando parados em engarrafamentos, que vão se tornando uma triste constante nessa ilha tão bonita.

Outro desejo não atendido da Maria Luiza foi montarmos a peça que eu escrevi quando ela estava com os mesmos oito anos, chamada “Oh! Cacatua!”. Na peça, a cacatua do título chega a Florianópolis trazida da Austrália por fortes ventos: ventosamente. Não tive medida no número de personagens e o resultado é que a peça nem chegou a ser ensaiada. Mas deixamos gravado um trecho, onde eu imito as vozes de outros personagens e Maria Luiza diz as falas da cacatua com grande convicção e ótima entonação. É só uma questão de acharmos a fita gravada e o texto, que começamos tudo outra vez – mas só se Maria Luiza quiser.

Um pouco depois, foi ela que escreveu um livro infantil, que temos até hoje em casa e que um dia, se Maria Luiza quiser, publicaremos, com os mesmos desenhos feitos por ela para ilustrar o texto.
Já no ano retrasado, quando estava se preparando para o vestibular, Maria Luiza escreveu um conto, que publiquei no mariobenevides.blogspot.com e foi bastante elogiado, inclusive por profissionais das letras.
Podemos não ter montado até hoje “Oh! Cacatua!”, mas vivemos um monte de coisa juntos. Assistimos a seriados americanos de comédia, retratados por ela em caprichados desenhos em mais de um Dia dos Pais ou de meus aniversários. Quando ela estava ainda com dois anos, passeamos de mãos dadas pelo acostamento da estrada para São Lourenço, enquanto Rosa, minha mulher e mãe dela, descansava um pouco da bela mas tortuosa sucessão de curvas da estrada.

Dividimos, eu e Maria Luiza, muitos e cabeludos exercícios de matemática e português. Houve um certo binômio de Newton que não quis se revelar na noite dos estudos, mas, na manhã seguinte, indo para o aeroporto, eu consegui passar a solução para ela, que me disse, eu achei o mesmo resultado, papai.

Houve uma época em que eu viajava tanto, que Maria Luiza me desenhou em um avião da TAM com um telefone e um fio espiral saindo da janela do avião até chegar a ela na terra.
Na viagem que os três fizemos juntos no começo deste ano, Rosa nos fotografou de costas, caminhando por uma rua de Paris, eu com minha mão esquerda no ombro esquerdo da minha filha. Não fosse a foto feita por Rosa, jamais me seria possível ver essa cena, que tanto diz dessa nossa relação de pai e filha.

Hoje Maria Luiza faz 19 anos. Está cursando o segundo ano de medicina, faz balé na Escola Arte-Dança trabalho voluntário em uma clínica. Tem um namorado que é gentil com ela, o que nos deixa muito felizes, porque gentileza é algo muito precioso. Que o namoro deles dure o que durar, sempre com essa gentileza que percebemos entre os dois.

A última estrofe da minha sonata com Tião Coelho, feita para Maria Luiza assim que ela nasceu, se parece com a primeira, mas com uma pequena diferença:

Quando a bruxa, no alçapão,
Traiçoeira me fizer de seu refém,
Minha voz, nessa canção,
Dirá do tanto que eu te quero bem.

Enquanto Dona Bruxa não vem, digo eu mesmo: minha amada filha Maria Luiza, teu pai te quer muito, muito bem. Todo o que houver no mundo, todo o que for de todo mundo, todo o que for merecidamente somente teu.

3.06.2013

HERÓIS



Uma volta em um quarteirão de São Paulo.
Indignados sacos de lixo esperam o caminhão que os carregue
Dali.
Entre duas esquinas,
Um restaurante italiano e um botequim
Me lembram Adoniran Barbosa.
Outro Barbosa, Joaquim,
Não sem depois se desculpar,
Me lembrou (não Carlitos) Carvana.
Vai chafurdar, vagabundo.
Não posso. Não podemos, Senhor Ministro.
Assim como Vossa Excelência,
Vamos todos trabalhar.