7.25.2006

EXPERIÊNCIA OU MORTE – OU DEUS SERÁ O GARÇOM?

Você já foi mais velho? Não? Eu já fui mais moço.

Ser solteiro é melhor que ser casado. Você já foi casado? Eu já fui solteiro.

O falso moralismo nasceu. Seu parteiro era o verdadeiro. O verdadeiro morreu. De parto súbito.

Há uma obviedade mentirosa, o que é um paradoxo, pois mentira que é óbvia não é mentira, mentira que é mentira se parece com a verdade e verdade verdadeira nunca é óbvia. Sexo é uma coisa e amor é outra. Que alguém me diga, do sexo – saudável – se ele é desamor. Se não é desamor - amor não é?

Toda vida após a morte é plausível, já que é plausível existir um código a se formar da mistura de códigos trazidos em diferentes líquidos e, misturados os códigos, se instalar um novo dentro de alguém - que é código feito de mistura de outros códigos trazidos em líquidos. Tal como esta, a mistura recém-chegada viverá a questionar a vida e a morte e, se quiser e puder, a repetir a mistura líquida de códigos. O que jamais se explicará é a vida curtinha, de natimortos, de bebês mortos, de jovenzinhos e crianças mortas, sem tempo para questionar.

Se você acha que está mais perto da morte é porque se esqueceu daquela vez em que quase foi atropelado, afogado, dormiu dirigindo, deu de cara com o cara armado, o elevador chegou dois degraus acima, o avião teve um susto e deu uma chacoalhada que criou o milagre do copo solto no ar, dormiu debaixo do viaduto, foi cachorro ou gato ou tatu e atravessou a pista, ali era só mato, agora é cimento é aço, comeu sabão pensando ou querendo que fosse comida, cheirou o cheiro que não deveria ter cheirado, bebeu do líquido que não deveria ser bebido, meteu-se – foi metida? – onde – por quem? – não deveria ter sido, olhou e viu o que era proibido, escutou e ouviu um tiro, ou então foi só um zumbido, era uma faca a cortar você a extirpar de seu dentro um apêndice. Você é que é um apêndice. A morte é que é inteira. A vida é um quase.

- Garçom! Minha quase, por favor.

7.18.2006

SONETO PARA UMA MENINA-MOÇA

Para uma menina-moça
Desprovida de artificialismos
Cheia de arte
Matemática e Línguas

Para uma menina
Que gosta mesmo é da verdade
E de verdade
Gosta mais de fantasia

Para uma mocinha
Que escreve poemas
E estuda Ciências e Geografia

Que sabe onde fica
Exatamente
O coração da gente.

7.12.2006

EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA

ESCRITÓRIO E ESTREBARIA

Deus faz criaturas únicas.
Fato
Algumas se parecem
No tédio
Inveja
Sobrancelhas
Sorrisos.
Da minha parte
Gostaria muito
De ter sobrevivido
E até agora o consegui.
Gostaria mais
Eu
Criatura única/inda
Que parecida com tantas outras
De poder variar um pouco
De não ver minha face tantas vezes em outras
Especialmente a da falsidade
A que diariamente expressa a verdade
A vontade
De estar em outro lugar.

7.11.2006

A FOTO DE SATCHMO E PIXINGUINHA

A FOTO DE SATCHMO E PIXINGUINHA



(I)

Ela tem vinte anos
Vê a foto dos dois
Negros geniais músicos
Seus instrumentos nas mãos
Trazem o formato
Do riso
Das suas bocas.

Ela se pergunta
O que será que os dois conversam
Momentos antes e depois
Do momento da foto?

Dirá Pixinguinha – Eu vim
De uma roda de choro?
E Louis Armstrong – dirá
Que acabou de chegar
De New Orleans?
Ambos dirão ter medo do fim
Do choro e de New Orleans?

Ela tem vinte anos
Percebe na foto dos dois
O que foi dito antes e depois:

O sax de Pixinguinha
O trompete de Louis Armstrong
De tanta arte inspiração que trazem

Esses instrumentos moldados
Pelas bocas daqueles dois
Cantam terna eternamente

What a wonderful world.

(II)

She’s twenty years old
She looks at the picture
Black genius musicians
Their instruments in their hands
Got the shape
Of the smile
Of their mouths.


She asks herself
What about are they talking
Moments before and after
The very moment of the picture?

Does Pixinguinha say -
I just came from a choro session?
Does Louis Armstrong tell him -
I just arrived
From New Orleans?
Did they fear the end
Of choro and New Orleans?

She’s twenty years old
She understands perfectly
What have been said before and after:

Pixinguinhas’ sax
And Louis Armstrong’s trumpet
As much art inspiration they bring together

Those instruments shaped
By the mouths of them both
Forever and tenderly all they say is

What a wonderful world.

7.04.2006

UMA DOENÇA INCURÁVEL

Saudosismo é coisa de velho ou de nostálgico prematuro; futebol é coisa de criança. Futebol é uma doença incurável adquirida na infância. Jamais será aceitável acusar um clube de propaganda enganosa se, na sua infância ou adolescência, o clube tenha tido um timaço por um ou dois anos e, depois, desandou a perder e a permanecer na lanterna. Você poderia, neste caso, trocar de clube - alegariam os cartolas por ele (ir-) responsáveis - e sua causa estaria perdida. Fato é que sequer isso passa pela sua cabeça, pois você, eu e qualquer outro brasileiro adquirimos na infância essa doença que se chama futebol.

E a doença, ainda que incurável, raramente mata. Mais que isso, é coberta de razões, nenhuma delas doentia. A razão da sua doença pode ter sido Zico ou Jairzinho, Pelé ou Garrincha, Gerson ou Rivelino, Ademir ou Leônidas, Junior ou Nilton Santos, Falcão ou Sócrates... Pode ser Dunga, pode ser Tostão. Não pode mesmo ter cura uma doença - ainda mais adquirida na infância - com qualquer motivo dessa grandeza.

Mas sua doença infantil e incurável é benigna. Viu, com seus olhos de criança - que são ainda estes mesmos que se escondem meio chorosos sob suas sobrancelhas -, essa gente que causou sua doença incurável vestindo uma camisa e vibrando com ela a cada gol, sem nunca ter beijado o escudo que ela trazia e, no entanto, você sabia que era de verdade aquela emoção. Depois a camisa do seu clube passou a ser a de um clube maior ainda, que encampava o seu, com a camisa pintada de verde e amarelo (às vezes, azul). E você vibrava e se entristecia de verdade com a alegria e a tristeza verdadeiras de reincidentes causadores da sua doença incurável, a cada gol feito ou perdido ou tomado.

Quando o seu clube ou seu clubão verde-amarelo perdia, você ficava de cabeça inchada; recebia umas gozações e, dois dias depois, estava curado da cabeça inchada. Mas nunca da doença benigna e incurável que adquiriu na infância.

Era o que eu tinha a dizer, alusivamente a esta dita seleção de 2006 e seu respectivo técnico. Desta vez, eu faço questão de assinar:

Mario Benevides.