9.26.2006

POR FAVOR, DISCORDE

De tanta auto-ajuda, finalmente a humanidade vai se tornar o conjunto de seres que se ajudam.

Sociedade fraterna é aquela fundada por Caim e Abel.

Amor conjugal: quem saberá conjugar esse verbo?

Amor filial é aquele que se expressa pela transferência de lucros para a matriz.

Dois pares de tapas nas costas: dois amigos se encontrando depois de longo tempo. Quando fazem ruído: dois políticos que passaram a tarde juntos.

Jantar à Americana é buffet. Sair à Francesa é deixar o jantar à Americana sem que ninguém perceba.

Os Estados Unidos, depois de acabarem com o Segundo Mundo, claramente mostram que estão descambando para o Terceiro. Tanto assim que eu vi um filme americano onde a atriz aparece sem sutiã e fazendo sexo. Ao mesmo tempo.

Filme francês de suspense agora é thriller. Globalização.

Estamos na reta final das eleições. Há eleitores de rádio de pilha no ombro e há outros de paletó e gravata e outros ainda de smoking. No universo feminino, enquanto umas ficaram em casa de pano na cabeça, outras se fizeram presentes; no lugar de panos, chapelões. Os candidatos usam tapa-olhos.

No ano em que o Brasil perdeu, inteligente mesmo é propor ao eleitor que tenha a mesma empolgação que teve na Copa. Mas, faz sentido: fazer o que na cozinha?

O avanço tecnológico vertiginoso que se configura no mundo de hoje é a introdução preferida de artigos que retratam algo que já se passou. Especialmente nos anais.

Anais: palavra sem singular.

Fazer frases não é monopólio de ninguém. E se alguém patenteou, foi o Barão de Itararé, que, quando vivo, queria mesmo era cair no domínio público.

Generosamente.

9.19.2006

DISCIPLINA

Não existe mendigo
Assaltante
Artista
Estuprador
Sem disciplina -
A arte de dormir e acordar
Bem.

Seus antepassados
Espreguiçavam-se;
E você?

Alongue-se
Prolongue-se
Depois e
Principalmente
Antes
De dormir.

Respire
Repare
O assaltante
Minutos antes
De lhe ceifar as orelhas
Estica o braço

Alonga-se
Como o mendigo
Antes de fazer a barba
Sem espuma
Com a lâmina
Catada no lixo.

Você pianista
Lutador de boxe
Cantora
Lutadora de judô

Antes do bemol
Do direto
Da dissonância perseguida
Do bum! No tatame

Tal como o executivo
Se alonga –

Nunca por disciplina.

Para suportá-la.

Se os crucificados
Fossem antes alongados
Teriam sido suas cruzes
Mais leves?

9.11.2006

DE PALAVRAS E BARES

Alguém do século passado – o XXI, lembra? – pesquisou em um dicionário da época palavras que não existem mais (como dicionários também são coisas do passado). Empolgou-se, viajou mais ainda no tempo - o passado -, e descobriu personagens e coisas que eles andaram dizendo ou cantando, lá, no tempo deles. Dizem que depois ficou louco, a tentar desenvolver idéias próprias a partir das que havia visitado, viajando no tempo. Contam que desapareceu; mas deixou no chão do bar, num obsoleto guardanapo, escritos que, atualizados, diriam mais ou menos assim:

***

Oscar Wilde recomendou que se deve resistir a tudo; menos às tentações.

Ora, o que deve então fazer um prudente?

Evitá-las.

***

Segredo é pra quatro paredes; já o adultério é pra oito.

***

Casal transformou-se em duplamente adúltero – só não se sabe quem começou, ele ou ela.

Um outro casal seguiu os passos do primeiro. E assim, um terceiro, um quarto, um quinto...

Logo:

Segredo é pra quatro paredes; adultério é pra 8, 16, 32, 64...

***

Até os impotentes sabem: adultério é uma potência. De dois.

***

Stanislaw Ponte Preta, sobre passageiros em pé nas “lotações” – pequenos ônibus do tempo dele -, contou que a lei permitia um máximo de 8 passageiros de pé, dentro daquele meio de transporte coletivo; e que, depois, a lei do 8 caiu - e, como 8 deitado é infinito...

Portanto:

Segredo é pra quatro paredes; adultério é pra oito. Deitado.

***

Se cometer adultério for assunto de lei, cometa. Se for “de lei”, não cometa.

***

Adultério: melhor não comentar.

***

Não é à toa que você lê essas frases soltas, de palavras e atos antigos, na parede deste banheiro de bar – para que você se pergunte, afinal, o que resiste mais ao tempo: as palavras? As pesquisas? Ou são os bares e seus guardanapos?

9.05.2006

O BRASIL E O UNIVERSO EM EXPANSÃO

UAI nem sempre é interjeição mineira, como não se pode acusá-la de inconfidência, pelo menos sem provas. Mas, se nem interjeição nem inconfidência, insurreição, sim: a UAI - União Astronômica Internacional – rebaixou Plutão a planeta anão. Mas será possível arbitrária e autoritariamente uma UAI qualquer retirar um planeta de sua órbita, reduzindo-o a uma sub-órbita – assim, de um ano-luz para o outro? Isso já causa revoltosos protestos de apaixonados e estudiosos astrônomos - sem que, no entanto, sejam esperados enforcamentos seguidos de esquartejamentos por conta disso. Disso que, diga-se, nem é novidade mais.

Da mesma forma, faz tempo que se comenta, em centros de pesquisa e botequins, que o universo vive em expansão. Se o big-bang foi ou não seu começo, aí o buraco, além de negro, é muito mais profundo; cientistas e curiosos embriagados ainda não conseguiram chegar a um consenso. Mas todos garantem: que o bang foi big, ah, isso foi – e, vá lá, reduzam Plutão a plutinho – mas que ninguém se meta a falar em fim do universo.

O universo vai-se expandindo espaço infinito afora, só pra ver quem é mais infinito no fim das contas: ele, universo infinito, ou o próprio infinito. E o fim das contas não existe, qualquer endividado sabe disso muito bem.

O que talvez também não seja novidade é que o Brasil segue a mesma trajetória da cósmica expansão.

Professores são seres capazes de transmitir conhecimento e provocar reflexões e modificações. Por isso, no Brasil, são tão desprezados e mal pagos. Formam então os professores uma galáxia à parte, que sai a protestar nas ruas contra a degradação da sua profissão, o tanto que deles já tiraram, a destruição da escola e do acervo científico-educacional-cultural público, assim por diante. Pelas demais organizações sociais brasileiras – ou galáxias -, são vistos como vagabundos que reclamam de barriga cheia, alimentada pelo povo.

E povo é outra galáxia, totalmente desconhecida pelas demais.

Estudantes, que fazem parte da mesma galáxia dos professores, deles se afastam.

Elites sócio-econômicas se queixam da carga tributária, dos juros altos, dos gastos públicos e, ainda que empreguem parte – planetas, anões ou não – da galáxia denominada Povo, e que parte dessa parte venha das escolas e universidades - que compartilham da órbita dos Professores -, a galáxia Elites se afasta das demais.

Políticos – ah, os políticos! - sabem de tudo, tudo propõem, prometem muito mais. Ouvem pouco. Muitos deles, percebendo espaços que se agigantam na camada de Ozônio, é na luz crepuscular que bem se adaptam à inescrupulosa. Rapidamente se libertam da gravidade e de todas as demais leis. Têm na galáxia Povo seu alvo predileto: eis a inspiração de Guerra nas Estrelas.

O Governo, ainda que majoritariamente orbitado por políticos, é uma outra galáxia. Aumenta impostos e diminui custos, sim senhor – senão, os professores não estariam reclamando.

Galáxias como a dos traficantes vão-se expandindo à velocidade da luz, na razão direta das massas e na inversa do quadrado da razão.

No lugar da razão, galáxias distintas, estranhas, planetas a desaparecer da órbita, a se violentar e a se perder no éter, a se plutanizar – expressão que, ninguém duvide, brevemente será cunhada – e não parente, do desprezado e simultaneamente temido, porque desconhecido, vernáculo.

A razão provavelmente preferiria professores bem preparados e pagos, universidades aparelhadas, concorrência saudável entre escolas públicas e privadas, empresas públicas e privadas eficientes e competitivas oferecendo o melhor, de empregos a produtos, comungando com cidadãos de emprego e vida dignos o pagamento dos impostos necessários e suficientes para o Estado-servidor.

Quereria presumivelmente a razão cidades menos tensas, com melhor distribuição de renda e demografia, transporte público de qualidade, paisagem em harmonia com a população, progresso social e desenvolvimento no ritmo que lhes fosse adequado, a elas e eles, cidades e cidadãos. Seu contrário são as mega-cidades, com sua mega-miséria, mega-violência, mega-engarrafamentos, mega-corrupção, mega-demagogia, mega-poluição...

Mas, que mega, hein?

Dizem que é assim por culpa da história, dos Estados Unidos e dos portugueses; por culpa do povo, do governo, das elites; a culpa é do clima, a culpa...

O Brasil se expande para fora de si, por meio de suas distintas galáxias distantes umas das outras, afastando-se, indo-se, cada qual por si.

Ao contrário do universo, o começo do Brasil é conhecido.

Bem como seu fim, tudo indica, o será em breve.