12.03.2005

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS:

UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU
Romance Inédito de Mario Benevides
Brasil, 2005

- CAPÍTULO TRINTA E SETE –

O tema de abertura foi o mesmo que Stanley Kubrick escolheu para uma das principais cenas daquele que viria a ser seu último filme, Eyes wide shut – na versão brasileira, De olhos bem fechados, com Tom Cruise e Nicole Kydman, quando ainda eram casados e viviam um outro casal, naquele roteiro.

Um ator representa a morte – menos que pela foice, o capuz e a vestimenta cumprida, muito mais pela expressão do rosto. (Que se desfez um pouco ao reconhecer alguém na platéia, não se sabe se a namorada, um amigo ou a irmã: foi o ensaio final, aberto a uns poucos convidados.)

Nessa Minaçu de 2005, – suas farmácias atropelando-se na Avenida Maranhão, esbarrando-se nas incontáveis lojas de tecidos e mercados que se querem fazer de super-mercados – nesse período úmido, numa noite de poucas estrelas, sem chuva, o ar, um pouco abafado, -ali, no Centro Cultural, onde a platéia ocupa cadeiras escolares que se usavam mais antigamente, com tampos basculantes de fórmica, todos para destros - Água, Terra, Fogo e Ar, representados por adolescentes, impressionantemente obstinados, idealistas, talentosos.

Isso de um ponto de vista preconceituoso: fosse Minaçu um grande centro, seriam vistos da mesma forma: obstinados, idealistas, talentosos; mas não “impressionantemente”.

Havia muito mais na trilha sonora como havia fumaça, luz estroboscópica, belos figurinos, costurados por uma associação de costureiras, algumas delas, mães de atrizes e atores no palco. Mas o melhor de tudo nos efeitos visuais ficou por conta de um ventilador, explicitamente exposto no palco a soprar as vestes da moça que vestia o papel do Ar, o Elemento Ar: sim, é tudo de mentirinha; sim, é tudo verdade - a mais concreta que há.

Idealistas, chamam-se de Agentes Ambientais. Organizaram-se por ocasião da implantação da segunda hidrelétrica e assim se mantém, com o apoio das empresas da região, principalmente pela responsável pela segunda hidrelétrica, mas, acima de tudo, por uma determinação e um talento que seriam impressionantes em qualquer grande centro do mundo – e, portanto, sem qualquer preconceito. Meninos e meninas de 15 até, sabe-se lá, 17 ou 18 anos. Estudantes, base sólida apesar de tão poucos recursos na região, postura firme, sorriso largo. Às vezes, uma timidez; e daí?

Freqüentemente, em diversos locais da região, apresentam peças sempre com o mesmo tema: o descuido para com o planeta. Depois do espetáculo (ainda em seu último estágio de experiências, para estrear na noite seguinte ainda para convidados especiais – prefeito, padre, juiz e juíza, entre eles), a convite do diretor, um dos comentários vindos da pequena platéia foi: tema batido, mas apresentado tão naturalmente, com espírito e graça. E não à toa: às tantas, surge um ator do meio da platéia batendo pratos metálicos, paramentado de poluição – uma peruca, roupa cinza, a voz, bem colocada, belo contraponto.

Monólogos de envergadura foram ditos desenvoltos, como se fossem todos eles atores e atrizes de grande experiência.

Caiu hoje de madrugada Zé Dirceu, um dia ícone e, hoje, indesejável do PT.

Caiu muito mais por terra hoje à noite em Minaçu, cidade que poucos conhecem e em muito menor número sabem que existe. Só não se sabe exatamente o que foi que caiu, que não foi o Zé Dirceu: foi coisa, atitude, - não gente, que ruiu por terra, hoje, no Brasil. Só se sabe que foi coisa ruim, que atravancava, impedia, afastava, excluía. Muito, muito pior que atos ou atitudes de políticos, e que se duvide mesmo que tenham sido ou não comprovados, sejam eles de esquerda, centro ou direita, o que caiu hoje em Minaçu – ou começou a cair - foi um monstro – e levará tempo para que se saiba seu nome e mais tempo ainda para se saber que foi em Minaçu que ele iniciou sua queda e seus efeitos transformadores que virão.

Esse foi o relato enviado por Ricardo Coração dos Outros V à universidade americana que patrocinava seus escritos acerca de possíveis transformações que poderiam ocorrer no Brasil, em 11 de dezembro de 2005, às 23 horas e 40 minutos.

Só muito recentemente foi que se soube que o texto foi escrito por sua mulher, a americana Rita.

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