1.26.2008

RETRATO 3 POR 4

Reenquadre-se
De corpo inteiro
Dentro de um retrato
3 por 4.

Perceba-se
Tristeza e alegria
Tudo e nada que lhe pertence
Cabe no retrato 3 por 4.

A moldura são os outros
Seu ganha-pão
Seu perde e ganha
Nesta vida 3 por 4.

Dentro da foto
Dentro das paredes
Sob teto e chão
Do retrato 3 por 4

É você.
É aquilo de que você realmente gosta
O que você venera e admira
Quem você realmente quer - e quer bem.

A profundidade -
Suas múltiplas dimensões
Sem frente nem verso
Nem pra frente nem pra trás

O espaço em que você transita
Sem começo nem fim
Sem finalidade
Sem rumo -

É você.
Saindo pra fora da moldura
Que envolve seu corpo
Numa foto 3 por 4.

Reinvente-se
E caia fora
Para frente ou para trás
Do retrato de corpo inteiro

Da moldura
Dos limites
Desta vida 3 por 4.

1.22.2008

O ESCRITOR AMÓS OZ E UMA SÓ PERGUNTA

Parati, julho, 2007,
Programa Roda Viva,
Uma entrevista e suas perguntas.

O escritor israelita Amós Oz
Irresistível
Seu humor irresistível
E suas respostas.

Não gosta de computador
Escreve com duas canetas.
Com a primeira opina
Com a segunda, conta histórias.
Ao contar uma história
Tem mais imaginação que memória
Sem saber quanto desta vem naquela.
Ao opinar
Se dedica à História.
Ao contar histórias
Não é sua vontade que prevalece:
Querem, nelas, perceber fatos.

Caro Amós Oz:

Quando se escreve um romance
- Romance?
Uma novela
- Novela?
O que se conta é lembrança
- Lembrança?
Uma história
- Uma história?
Uma ficção
- Ficção?
Que se distingue da História
- História?
Por não contar fatos?

Não a vontade
Mas é a pergunta
Uma só pergunta
Que permanece:

- O que são fatos?

1.16.2008

AGENDA CARIOCA - UMA ANACRÔNICA

Um camelô vendendo agendas na Rua da Quitanda, Rio de Janeiro, sim, janeiro de 2008. Quem as compraria? Quem precisaria de hora e dia marcados em uma agenda de camelô? Alguém como ele, camelô, certamente que não; seus horários são poucos: o de acordar e o de fugir do rapa. Não difere ele dos outros comerciantes, que não consomem aquilo que vendem. Donos de bares não são bebedores, os de papelaria, se viciados em lapiseiras, a quem as venderia?, um hipocondríaco farmacêutico, ora, falência seria sua morte e não a anorexia. Comprará uma agenda do camelô não alguém igual a ele, mas alguém tão marginal quanto ele, especialmente nos horários, marcados na margem da agenda e não nos impressos – porque, nestes, apenas registrará aquilo que nada descreverá da sua vida: o crediário, o dia do salário, o aniversário, o nome do credor e do devedor, além do próprio, de esperto, de otário. Seu endereço e o tipo sanguíneo que mereceu e merece de nascença constarão, para que, no caso de perda da agenda – sua própria vida –, esta possa lhe ser devolvida; e no da súbita e sempre inesperada fuga daquela que corre debaixo do relógio de pulso - comprado de um camelô – sua própria vida -, para que apareça um outro portador de agenda comprada de um camelô, que se torne, da noite para o dia, da vida, um doador.

Eu comprei uma; você não compraria?

1.01.2008

ÁRVORES

Árvores. Há uma, no quintal do prédio onde mora meu irmão
Que parece um bicho esticando o pescoço,
O tronco, inclinado,
Duas raízes que são como pernas,

A cabeça – o cabelo revolto de uma árvore –
Procurando, lutando para encontrar
O sol. Ou a chuva. O céu.
Seu chapéu.

Árvores perdidas nas calçadas do Rio de Janeiro,
Ruas, suas ruas são indiscutivelmente arborizadas,
Suas ruas são metralhadas,

Em algum momento era tudo óbvio e não quiseram perceber.
Uma árvore permaneceu árvore.
Árvore de Natal.