10.30.2006

UMA ESTRANHA FREQÜÊNCIA

Silêncio. Parece que os automóveis perderam suas buzinas. A festa da democracia é um tanto barulhenta. A festa acabou e que alguém faça o favor de lembrar o poema do Drummond.

Silêncio. Possivelmente será feito silêncio das investigações em curso: já não interessam a mais ninguém.

Silêncio. Governo e Oposição começaram a tramar ruidosamente contra nós.

Silêncio. A bomba norte-coreana começou a explodir. Silenciosamente.

Silêncio. Do lado de cá do planeta, tão somente se contam as mortes e explosões que acontecem do outro lado; por aqui, são silenciosas.

Silêncio. No morro e no apartamento. Jamais a bala perdida foi tão silenciosa.

Silêncio. Muito silêncio, porque a briga da família vizinha é como punhais cortando a nossa carne e, nos nossos ouvidos, o som da nossa morte.

Silêncio. Faz-se necessário um minuto de silêncio para que você possa ouvir o zumbido insuportável que não lhe deixa os tímpanos – que, bom, Drummond, se o zumbido fosse a falsa vienense.

Silêncio. Uma rosa nasceu – faz tempo que ela nasceu num verso do Chico Buarque, mas rosas são como estrelas: somente percebemos seus sons e luzes quando já não mais existem.

O que ainda nos faz lembrar Cartola e Olavo Bilac.

Para quê tanta ciência?

Silêncio.

10.16.2006

MARGINAIS

Poeta e poesia
São marginais sempre
Ainda que raramente cometam crimes
E quando os cometem
Geralmente é contra a língua
E dificilmente contra o beijo.
Gente de teatro quando mata
No mais das vezes é de rir.
Médicos, generais e engenheiros
- uns quando erram, outros quando acertam –
Podem matar de verdade.
Já entre poeta e poesia
Quem morre é sempre o poeta
E nem sempre no final:
Há poetas apressados
Que apressam seu final.
Tudo assim impreciso
Porque poeta e poesia não combinam muito
Com precisão
A não ser de dinheiro.
Se poesia é palavra gasta
Rima fácil de samba-enredo
Poeta é pejorativo.
Pois mesmo sendo assim
E quase sempre sendo poesia verso
Todo poeta vira prosa
Quando revela sua condição marginal:
- Prazer. Poeta.

10.09.2006

TÁXI

Poderíamos falar de...
Política?
Melhor não.
Futebol, então...
Nem pensar.
Melhor não falar do tempo
Que é sobre ele que todo mundo fala
É banal.
Um samba,
Minha vida por um samba,
Um reggae,
Uma opereta
Mas nada disso toca em rádio de táxi.
O motorista cheira mal
E o carro cheira ao motorista.
O cinto de segurança do banco traseiro
Se achado foi roubado.
Se você tivesse um carro, hein?
Mas você não viria com seu carro a Amsterdã
Você mora longe
Você fica lá do outro lado
Só que veio parar aqui.
Parar, nada: andar de táxi
Neste lugar
Que nada tem de Amsterdã.
Ela bem que podia facilitar as coisas
Puxar assunto
Mas parece que a ponta do cabelo dela
Tem muito mais assunto que você.
O motorista não fala nem ouve
Fede.
A palavra já é horrível
E não traduz exatamente o cheiro
De quem dorme e acorda e se droga dentro desse carro
Ele mora no carro,
Percebeu?
Tudo parado e é noite
Atenção todos os carros
Fiquem parados –
A ordem veio de Marte.
Um disco voador! –
Você quis e não viu
E não disse.
Você está prestes a explodir de tristeza
Tem um sonho acordado
Está numa tribo pelado
Dança com eles
Você que detesta índio
Transporta-se
Respira fundo
(O carro todo cheira ao motorista que não dorme)
Vira-se pra ela
Consegue que ela deixe a ponta do cabelo
Por um instante infinito
Solto e sem a mão dela.
Você toma dessa mão
Que é da freira
Da sua mãe
Da sua irmã
Da sua moribunda avó
Quem sabe da sua mulher
Da sua tia de Guaratinguetá
Sua namorada
Sua empregada
A namorada do melhor amigo
A mulher grávida do motorista
Você é o motorista.
Quem é ela?
Sua catinga.

10.07.2006

24 – CAVERN CLUB

“RITMOS DE BOATE” e “CAVERN CLUB” foram dois programas de rádio no Rio de Janeiro, com o “DJ” Big Boy, nos anos setenta do século passado – conta Maria Eduarda à irmã caçula, por telefone. “Big Boy rides again” – era assim que ele abria seus programas. Flávia está aflita: ninguém gosta do nome “Lennon e Vinicius” nem aceita que exista uma canção do brasileiro cuja letra se assemelhe em utopia a “Imagine” – sendo que seria de todo absurda qualquer hipótese de um ter influenciado o outro, fosse na ordem que fosse, tal a distância de ritmos, trajetória e linguagem dos dois, ainda que tenham sido contemporâneos e que coincidências, determinações divinas ou sincronismos lhes tenham tirado as vidas no mesmo ano: 1980. Maria Eduarda sugere à irmã que Vinicius se junte a Louis Armstrong e Pixinguinha no atual Satchmo e Pixinguinha e que o “Lennon e Vinicius” passe a se chamar “Cavern Club”, nome do lugar onde os Beatles se apresentavam na sua distante Liverpool em seu início de carreira e que batizou um dos programas do “DJ”, um dia encontrado morto em um quarto de hotel no Rio.

- Isso dará identidade ao bar que está fracassando e um “gancho” para um relançamento do complexo como um todo – é o que opina Maria Eduarda, e Flávia admite que a irmã mais velha teve uma boa idéia.

- Qual passará a ser o nome do “Satchmo e Pixinguinha”? – querem saber as sócias de Flávia: Rita, Renata e Cláudia. Flávia, que viveu alguns namoros, tendo sido um deles desses que deixam marcas de difícil cicatrização; Rita, que foi estuprada e quem morreu foi o estuprador – de parada cardíaca; e ninguém apareceu para reclamar o sumiço dele, como contou a Renata o policial que investiga a morte do velho cujo cadáver foi encontrado de calças arriadas, perto de uma etiqueta deste complexo onde estamos inseridos, NOITE E DIA, LIVRO E FANTASIA; Renata, que, como Flávia, conhece características físicas do assassino do advogado, crime que vem sendo há alguns meses investigado pela Polícia Federal e também pela Civil (Renata chegou a conhecer-lhe a voz e a proximidade); e Cláudia, que tem ciúmes permanentes do marido Angus, indivíduo de características físicas nada ou pouco atraentes para a maioria das mulheres e que foi capaz de atrair – momentaneamente – a amiga e sócia Rita - sem que Cláudia e o escocês descendente de celtas sequer tenham desconfiado disso.

(Como de todo e presumivelmente, nenhum celta deve ter desconfiado – a não ser que um de seus druidas seja capaz de não só desconfiar como tramar e provocar esse tipo de situação.)

Flávia pensa em criar mais um bar, dividindo o “Satchmo e Pixinguinha” em dois; Renata e Rita são contra - este vem fazendo sucesso e se mantendo cheio com o tamanho que tem – e propõem que o “Lennon e Vinicius” é que seja dividido em dois; Cláudia reage, De jeito nenhum, a ilha é um santuário de “covers” dos Beatles, vai encher sempre e exatamente no seu atual tamanho, especialmente com a nova personalidade - ela argumenta, enfaticamente.

Depois de fumaçadas do cigarro de Cláudia e correspondentes abanares das demais, as quatro decidem que o “Satchmo e Pixinguinha” vai continuar se chamando assim; e que aqui, doravante, vamos nos chamar “Cavern Club”. Agora é reformar e divulgar e assunto encerrado – Cláudia diz e se levanta, esmagando o que sobrou de um cigarro no cinzeiro.

É quando Flávia mergulha em profundos pensamentos e sai daqui sem mesmo se despedir das amigas, como se estivesse em uma espécie de transe, triste da saudade e dos traumas do amor fracassado, confusa com o rumo da sua vida, que vem sendo rondada de perto por duas mortes, uma presenciada por ela, a outra, vivenciada por Rita.

10.02.2006

REFLEXOS

O mar hoje reflete um céu cinzento.
Pensando bem
O céu nem tem tanta culpa assim
Nem o mar é tão reflexivo assim
Tanto que o céu está se azulando
E o mar vai se acinzentando por conta própria.

Não me resta saída
Senão associar idéias
Evidentemente estapafúrdias:

Serão os votos reflexo do país
Ou terão os votos vida própria?