10.27.2007

A MULHER NUA QUE EU VI

Ela se apresentou de repente
Imensa de beleza e luz
Saí de casa, voltei
Ela estava mais contida.
Continuou me fitando de longe
Nua
Depois cobriu-se de panos
Me dizendo,
Calma, coração,
A vida é um dia de cada vez.
Era uma banal,
Com uma bandeira fincada no colo
Meramente material.
Banal é quem pensa
Que a lua é somente uma banal
Com uma bandeira fincada no colo
Somente
Passivamente
Refletindo a luz do sol.

Ela se apresentou de repente
Imensa em sua beleza e luminosidade
Saí de casa, voltei
Ela estava mais contida.

Florianópolis, tarde-noite de sexta-feira, 26/10/2007.

10.24.2007

QUE TÍTULO VOCÊ DARIA?

Uma canção será berço do meu verso. Uma prosa será verso do entendimento. Meu idealismo será dito sem palavras. Rasgos imensos desses desde sempre feitos por mãos e ferramentas calarão vozes milionárias e as parasitas. Rasgos deixarão de ser feridas, deles brotarão botos, peixes, baleias, árvores as mais frondosas, crias - ricas crias. Livros. Será o dia da minha morte, a noite do meu dia. Minha mulher dirá, Que triste!

Eu direi:

- Não, mulher.

Poesia.

BARATAS E LAGARTOS

Houve uma noite em que minha filha estava com amigas lá em casa. Enquanto eu já estava dormindo, todas se preparavam para dormir. De repente, gritos, agudos e carregados de decibéis, muito mais que os usuais dentre as mulheres de 13 a 130 anos, mais ainda que os aceitos pela Organização Mundial de Saúde, Organização das Nações Unidas e a Organização do Tratado do Atlântico Norte - todas organizadas demais para aceitar tudo que não sejam guerras. E não era uma guerra e os gritos não eram nada organizados: eram histéricos. Sonâmbulo como de meu direito, levantei-me da cama preparado para um sermão. Não sou bom de sermões, nunca quis ser padre nem juiz, nem mesmo de futebol; mas fui lá.

Claro: era uma barata – e voadora.

Já morei sozinho e deixei uma barata dormir na minha casa enquanto me dirigi ao hotel mais próximo, para não incomodá-la. No mesmo período, houve uma que chegou pela janela, de asa delta e prancha de surfe debaixo da asa; aniquilei-a a doses cavalares de spray venenoso e, resoluto, dirigi-me, primeiro, ao necrotério, para me certificar da morte da invasora e, depois, ao hospital, para me certificar da minha própria.

Ocorre que pai de adolescente é outra pessoa; cheguei a pensar em mudar de nome, Alfredo, Pessoa, Eustáquio; mas não: uma vez Mario, sempre Mario (e não me perguntem “Que Mario”, por favor). Adentrei o quarto da minha filha munido de vassoura – como já disse, era outra voadora, Florianópolis e Rio têm tudo a ver, cara, impressionante – e matei-a. Engano: caída ao chão, ela ressuscitou – e foi batizada, por uma das presentes, de Barata Jesus.

Heresias à parte, eis que uma amiga advogada me conta de seu embate com um lagarto, no morro atrás do quintal da sua casa. Florianópolis e Rio têm tudo a ver, cara, é impressionante, praia, morro, só muda de assaltante pra lagarto (pelo menos, por enquanto). Por um lagarto! Aquele ser pré-histórico, jurássico, inspirador do dragão, com suas papas laterais, cor de lagarto quando ataca, língua de sogra, digo, cobra, soltando fogo pelas ventas. Me disse a amiga – minha, não do lagarto – que ele, o lagarto, foi para um lado e, ela, para o outro. A troca de olhares foi tão fulminante que acarretou uma de pernas, e minha amiga rolou morro abaixo, ralando-se como se fosse criança, uma alegria só – para não dizer o contrário, claro. Escoriações na perna, nos braços, no corpo todo – e o lagarto, tranqüilo, na dele, passeando pelo morro da casa dela, até agora. “Lá em casa, a gente não mata nada”. Pois, na minha, eu mato. Desde sempre. Aula, por exemplo; quem nunca matou uma aulinha na vida, hein?

Minha filha não mata aula.

Alfredo, Pessoa, Eustáquio...
Vou pensar.

10.04.2007

CRÔNICA SENTIMENTAL

Na TV
Reportagem
Arquivo N
Pelé.
Copa de 70
Meus pais vivos.
Meu pai assistia comigo Brasil contra Inglaterra
E minha mãe também.
Este o inusitado:
Minha mãe também,
Numa poltrona perto da TV,
Chutando,
Soltando a perna e o pé no tapete da sala,
Querendo acertar o gol que não saía.
Tostão-Pélé-Jairzinho,
Gol do Brasil.
Antes, uma cabeçada do Pelé nas profundezas do Inferno
E Gordon Banks pegou.
Eu tinha 14 para 15 anos.
Meu irmão por perto.
O melhor jogo de futebol a que assisti.
Jamais assistirei a outro tão bom.

Nem minha mãe.

***

Peter O'Toole,
Venus,
A morte chegando,
A delicadeza cúmplice
Do desejo explícito
Impudico
Depravado
Defasado
Anos de diferença
Filme imperdível.

Ela: "Você acredita em alguma coisa?"
Ele: "No prazer.".

***

Pelé a Lucas Mendes
(cheio de cabelos pretos):
No Brasil, o racismo não é racial. É social.
Preto rico entra em qualquer lugar.
Branco pobre não entra em lugar nenhum.
Lucas Mendes: Mohamed Ali,
Há quem cobre de você uma postura equivalente,
Defendendo o negro no Brasil.
Pelé: - Eles devem ter suas razões.
Cassius Clay teve uma infância discriminada,
Preto de um lado, branco de outro.
Eu, não. Vivi minha infância no meio de pretos e brancos.
Minha primeira namorada foi uma japonesa.

Julguem Pelé
Pelos seus atos,
Seu futebol,
Suas palavras.

Julguem Peter O'Toole
Mais ainda, a personagem vivida por ele
Em Venus.

Julguem: sejam juízes.

Sabendo que eles
Continuarão o jogo.

Eles fazem.
Eles são.

O jogo.