5.04.2013

UM APERTO


Eram nove e meia da noite de terça-feira, véspera do feriado do Dia do Trabalho. Eu esperava um taxi em uma rua erma, escura, onde se encontram modernos prédios de escritórios. O final da rua dá acesso a uma comunidade de pessoas pobres e suas casas pobres. Eu estava contente, havia acabado de cumprir uma tarefa difícil, dentro do prazo. O taxi demorava a chegar. Um sujeito de uns trinta anos, alto e magro, passando pela calçada do outro lado, me disse assim:

- Aí só trabalha gente rica, não é doutor? Só vejo entrar e sair carrão daí.

Ele atravessou, mas não inteiramente, parando no meio da rua sem movimento de carros.

- Deve ter gente de muito talento aí, não é, doutor?

Eu respondi que sim.

- O senhor sabia que tem pobre com talento, doutor?

Eu respondi que claro que sim, que eu sabia muito bem disso.

- Aqui perto, não sei se o senhor sabe, logo ali, virando a rua, tem uma comunidade. Nessa comunidade mesmo, doutor, tem muita gente de talento, que podia ter mais oportunidades.

- Eu sei disso – eu falei, não sem certo incômodo, mas pensei que, se ele quisesse algum ato violento, já o teria feito. Ele queira era conversa. Queria a oportunidade de dizer o que estava me dizendo.

- Posso me aproximar do senhor?

Eu disse que claro que sim. Ele chegou bem perto de mim. Vi que ele estava de camisa esporte, paletó e calça beges, calçando tênis. Ele passou a me falar me olhando nos olhos.

- Doutor. Já quiseram comprar a comunidade. Mas as pessoas não querem sair daí. Já moram faz muito tempo, querem...

- Que melhorem as condições de vocês e que deem mais oportunidades a vocês.

- Doutor, só tem gente boa aí.

Uma mulher bem humilde passou por mim e me cumprimentou, com o olhar baixo. Boa noite, doutor, ela me disse.

- Boa noite, eu respondi. O homem de paletó e calça beges me disse, em voz baixa e respeitosa:

- Não falei? Só gente boa, doutor. Depois:

- Não sei o que tem nesses prédios, se é hotel, shopping, não sei. Acho que as pessoas que trabalham aí também não sabem da nossa comunidade e que tem gente de talento bem aqui, bem ao lado desses prédios. Mas elas sabem, sim. Elas nos veem das janelas delas, devem ver.

Enquanto me fazia um convite para que eu um dia viesse visitar a comunidade, me assegurando de que eu seria muito bem recebido, o sujeito, me consultando antes se podia e depois de eu ter aceitado, me deu um firme, educado, caloroso aperto de mão.

Ele foi para a sua comunidade; eu continuei esperando o taxi.