2.09.2009

PRAIA E ARREDORES

Para Isabel, Flávio, Isabela.
Vera.
Minha filha, minha mulher.
Meu irmão.
E outros bons amigos de uma praia inteira.


Muito se diz que a praia é democrática, tanto quanto que nela se formam guetos, turmas, tribos. Se as duas situações são simultâneas e verdadeiras, a explicação é muito simples: a praia é anárquica. Não é democrática. Nem altruísta nem ditadora. Ninguém vota e ninguém manda. Não há poder nem golpe de tomada de. Quando ocorre o arrastão, seja dos pescadores ou dos favelados, o golpe não é dado na praia nem no mar: vem de antes; dos arredores. Vem da miséria que, a essa altura, ao nível do mar, neste século vinte e um - mais tantos outros antes do início da sua contagem cristã -, que ninguém duvide, não vem da anarquia nem da democracia. Vem do desgoverno. E de toda sua conveniência a quem ele convém.

Sacos cheios fora, se há vida depois da morte, reencarnação, vida em outro planeta ou sistema ou universo paralelo ou transversal, que a minha, se me é ou for dado o direito de escolha, que seja numa praia. Que eu mergulhe vivo depois da morte e de óculos; e que eles me permitam ver o fundo do mar, sua água, sua areia, com ou sem peixes, algas, tubarões, águas-vivas ou serpentes. Conchas. Baleias. Dêem-me o mar e a areia e viverei, morto e feliz.

Solidão, desta, não faço a menor questão. Uns pescadores, umas belas, eternas e verdadeiras amizades, um grande e um pequeno amor. Um bar. Um livro. Não, não: mais de um. Uma pedra, um morrote de pedra que, se eu tiver coragem, vou escalar ou contornar, pelo mar ou pela terra em volta, para ver se há outra praia depois dele.

De resto, vamos à praia, mesmo ou principalmente se estiver chovendo, mesmo e ainda que de noite, só não vale debaixo de raio - porque, debaixo de governo, seja ele qual for, temos que conviver com ele, viver com ele, apesar ou, lamentavelmente, quem poderá dizer se verdade ou mentira, por causa dele.

Mas não na praia. Na praia, ninguém manda. Na praia, mando eu.

Em ninguém.