12.01.2018

ALGUMAS SUGESTÕES AO NOVO GOVERNO BRASILEIRO, MESMO SABENDO QUE SEQUER SERÃO CONHECIDAS, E SE CONHECIDAS, DESPREZADAS



1.       Religião. O Gênesis Bíblico e o Big Bang. Do vazio, um universo, uma humanidade, uma continuidade. O Divino e a Ciência são a mesma coisa, assim como a Criação e a Inventividade, a Imensidão e a Liberdade, o Todo e a Individualidade. Tolher a Ciência, a Inventividade, a Liberdade e a Individualidade é o mesmo que negar a Divindade.

2.       Cultura. A única coisa capaz de descrever um povo. Deixá-la reduzida a uma caixinha de um organograma corresponde a reduzir o povo a um amontoado de fósforos queimados.

3.       Doutrina. Não há uma só, nenhuma prét-à-porter ou prét-à-manger. Somos todos sob-medida, taylor-made, o Dedo Divino e Suas Impressões Digitais em cada Ser. Isso se aplica à Cultura de um Povo, portanto à sua Educação, à sua Economia.

4.       Armas. Nascemos desarmados e dependentes. Crescemos com fome, desejos, influências, ideias e a convivência. Precisamos de apoio, comida, saciedade, compartilhamento de ideias. Armas, só em casos extremos, quando o respeito à convivência se ausenta. Armas, via de regra, melhor não as termos, contra os outros, contra nós.

5.       Ideologia. Se não queremos uma, tampouco a outra.

6.       Política. Nunca nos alinhamos unilateralmente. Por que agora, a um só indivíduo, de uma só nação, dividida, ansiosa, receosa do mesmo indivíduo, inspiração de outros, danosos, nocivos, destrutivos?

7.       Livro e lugar. Nossa Carta de Princípios e Leis - nossa Constituição - tem seu lugar na Política, com P maiúsculo. Livros religiosos têm seu lugar na Religião, com R maiúsculo. Quando livro e lugar não se correspondem, tudo fica minúsculo, menor, obtuso, sórdida imbecil manipulação de religião, cultura, doutrina, armas, ideologia, política.

Somos únicos, somos um povo, por favor:

Respeito.

mariobenevides.blogspot.com.

10.18.2018

QUEM ME ACORDA


Quem me acorda é um bem-te-vi.
Duvido
Sou bem visto
Logo existo.
Visitei o primeiro veleiro de pesquisa oceânica projetado e fabricado no Brasil. Motor de popa de 200 HP para a partida, calado retrátil, painéis solares para calmarias em dias de sol. Conversei com as jovens estudantes de oceanografia Andreia e Patrícia. Contei-lhes que não mergulho por ser claustrófobo. Patrícia me disse, também tenho medo, mas a cada mergulho mais me apaixono. Parabéns, jovens oceanógrafas, bravas navegantes-mergulhadoras. Parabéns mais uma vez à Universidade Federal de Santa Catarina.
Trabalhar é preciso e viver também. Trabalhar vivendo, ora, basta perceber quem faz trabalhos dificílimos para nós, muito mais que qualquer outra atividade, por mais ciência ou tecnologia que exija, rindo e cantando. Lixeiros, por exemplo.
Às vezes me excedo
Outras me omito.
Saber o tempo certo
É quando não grito.
A quem me conhece e desconhece,
Bons projetos, trabalhos, sonhos.

9.30.2018

DECÁLOGO PARA AS ELEIÇÕES 2018


Cheguei a rascunhar uma pequena paródia de Shakespeare. Cabo Daciolo seria o Clown. Mas mudei a forma para não mais que dez divagações, em poucas linhas.

(1)

Para pensarmos melhor, melhor seria Dirceu, Lula e Bolsonaro pararem de falar.

Para pensarmos melhor, melhor seria Boulos, Marina, Meirelles e Amoêdo (além de Daciolo), sob aplausos de uns, passando por protestos ou a indiferença de outros, saírem de cena.

Para pensarmos melhor, melhor seria Mourão e Haddad entenderem que não é o caso de uma nova constituição, mas apenas de conhecermos, respeitarmos e fazermos respeitar a nossa, sobre a República Federativa do Brasil. Bastam-nos um dos seus princípios fundamentais - valores sociais do trabalho e da livre iniciativa – e um dos seus objetivos fundamentais - promover o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Para finalmente pensarmos melhor, melhor seria que Alckmin e Ciro finalmente dissessem ao que vieram.

(2)

Mulheres de Esparta e Atenas, não deixeis vossa autoestima ser estuprada.

(3)

Há quatro anos, alguns amigos nossos tinham resposta para tudo, cheios de razão.

Hoje, muitos dos que os criticavam fazem exatamente o mesmo.

O que será que houve com os ouvidos?

(4)

De Freixo a todos os outros, deu Crivella. Parece não estar agradando.

(5)

Todo mundo com armas, com registro, identidade e CPF, à disposição de assaltantes, antes somente interessados em celulares. Ou teu nome é Clint Eastwood?

(6)

Família diferente de homem e mulher, cuidado: pode estar cheia de tias e tios, avôs e avós, não necessariamente consanguíneos, já pensou?

(7)

Por que não passar trator onde antes eram reservas indígenas e quilombos? já nem museu nacional temos, ué!

(8)

Bancada da Bala, Bancada Evangélica, Bancada Rural – cara, só dá gente honesta.

(9)

Quem respeita, amigo é.

(10)

Quem respeita amigo, é.



Bom domingo.






9.22.2018

UMA CARTA, NADA MAIS QUE UMA CARTA

Caro amigo. Sonhei que viajávamos de trem para Berlim. Nunca viajamos juntos de trem, muito menos para Berlim. Semana passada, eu e Rosa estivemos na Itália. Fomos e voltamos de avião, e lá andamos a pé, de barco e de carro. Creio que o sonho foi influência de filmes que tenho visto, filmes europeus, desses em que todo mundo anda de trem. Era fácil nos vermos quando morávamos perto, mas, primeiro, você e sua amada se mudaram para Minas; depois, eu minhas duas amadas para o Sul. Muito cedo, você partiu, e entre um momento e outro nos falamos pouco. Você e outros amigos sabem, não sou muito de falar por telefone. Pois hoje tenho saudades de você e do telefone. Agora, tudo flui pelas redes, gravado ou digitado. Outro fenômeno contemporâneo é que todos somos donos da verdade, todos temos razão. Contraditório e ampla defesa são termos restritos ao STF, onde trabalham nossos pop-stars. Surpreso, você? Guitarras e violões deram lugar a togas. No sonho, depois de saltar, como sempre e felizmente, no lugar errado, eu vi por trás de uma divisória uma parede de azulejos nada alemães. Era um bar, e lá (e já) você estava. Sem me queixar e nenhuma pressa de partir, fico por aqui, mais que nunca admirando os doidos que falam sozinhos como eu, com a diferença de que de fato veem alguém ao lado deles. Ter você ao meu lado outra vez, em um trem para Berlim que parou na estação onde o bar é português e fica no Rio, já não tenho mais inveja dos loucos, mais perto fico deles, sem verdade, sem razão.

8.22.2018

Caro Senhor Stephen Kanitz


Caro Senhor Stephen Kanitz,

Com todo o respeito à sua pessoa e ao seu currículo (por isso, inclusive), me causa estranheza que seja por V.Sa. considerado melhor, seja em relação a qualquer outra candidatura, alguém capaz de elogiar um torturador, justificar a execução pelo Estado com um eufemismo e demonstrar desprezo por descendentes de escravos, homossexuais e mulheres, neste caso, a ponto de ofender uma colega de Congresso como se estupro fosse questão de merecimento. Mais ainda me causa espanto que o senhor compare o indivíduo em questão com Eisenhower. Por último, parece-me que deputados não propriamente fazem pedidos. Como bem e certamente o senhor sabe, nem no Brasil nem no país de Eisenhower se imagina a hipótese de um governo desprezar o Congresso, ou a este amedrontar - isso, naturalmente, se estivermos em uma democracia.

Reiterando meu grande respeito à sua pessoa e história de vida,

Atenciosamente,

Mario Corrêa de Sá e Benevides

Florianópolis, SC.

7.09.2018

NEM TANTO NEM TÃO POUCO

O Brasil saiu da copa e pronto. Foi-se o efeito do ópio nacional. Parece que não foi só a copa que acabou para nós: o mundo acabou. Eis que um juiz de direito resolve dar uma mãozinha. O caos é aqui. Nem tanto nem tão pouco. Já faz um tempo que o executivo e o legislativo, em grande parte, invadiram o espaço do crime, e o judiciário ocupou o espaço político, legislando, tomando partido, trazendo à tona disputas, intrigas e reviravoltas típicas do mundo político. Prato cheio para salvadores da pátria, mártires, e o pior, fascistas. O que particularmente me impressiona é que pessoas de gerações que abriram, ajudaram a abrir ou encontraram abertas as portas para o até que o amor nos separe, o sexo sem culpa e com proteção, o convívio e a empatia entre diferentes façam coro ao que de pior o fascismo pátrio e universal já produziu. Provavelmente muitos deles, dos que se dizem eleitores do fascismo, dirão que não são fascistas, e que nem seu candidato o é. Pois nada mais fácil que provar que o citado é fascista, assim como o foram Hitler e Mussolini, do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães e do Partido Fascista Nacional italiano. Vamos lá. Tive a oportunidade de conhecer quilombolas no interior de Goiás, da etnia kalunga. O que hoje é um nome comercial, sim, ainda é uma comunidade quilombola, que provavelmente não ganha royalties por isso. Por que me lembrei deles? Porque são trabalhadores. Conheci um, inclusive, que de tanto trabalhar passou a ser dono de terras produtivas. O candidato do fascismo afirma que quilombolas são vagabundos, em clara demonstração de racismo e preconceito, este já manifesto pelo mesmo indivíduo das mais diferentes formas. Fez elogios a um torturador, justifica atos de um regime autoritário, que foi muito além em matéria de arbítrio e crueldade do que poderiam imaginar seus então defensores, agride mulheres a ponto de dar a entender que as que sejam belas ao seu olhar fascista seriam dignas de estupro, e repete a célebre frase bandido bom é bandido morto. Voltemos à Itália. Bandido vem de banido. No Brasil, banimos antes, durante e depois. Dizer a tal frase é se considerar superior. Diga-se, superior à maioria, de banidos. Eis a receita do fascismo com todos os seus ingredientes. Em vez de poderes democráticos e todos os seus defeitos, a perfeição da força e a de quem a tenha e ostente. A supremacia, a eugenia, a xenofobia, a homofobia, o machismo, o racismo, o gosto pelo autoritarismo, o nome disso tudo é, sim, fascismo. Para quem vê comunismo em toda parte, atenção. Este, aliado ao capital, derrotou o fascismo - e não o contrário. O que o fascismo fez foi destruir gerações. Agora, uma pergunta a quem pensa em votar no candidato do fascismo. Se você fosse obrigado a comer do lixo alheio e dormir na rua, roubaria? Mataria? Se drogaria? Traficaria? Claro que não: você é correto. E superior. Uma segunda pergunta. Se estivesse passando por aquele tipo de necessidade, com fome, ao relento, se estivesse ao lado de alguém com características entre as que você considera inaceitáveis, deitado sobre o último papelão da rua, você pediria um pedacinho do papelão para dormir? Ou chutaria o outro desgraçado dali? E quem seria o bandido desta vez? Há candidatas e candidatos para as mais diversas correntes econômicas e políticas. Escolha. Menos o fascismo. Derrote o que você quiser com seu voto, seu grito, sua revolta, mas não com o fascismo, entre outras coisas já historicamente derrotado. Não seja fascista, porque, mais cedo ou mais tarde, necessariamente, a vítima será você.

5.28.2018

DA GREVE E OUTRAS COISAS MAIS


O Brasil tem um privilégio chamado matriz energética. Água, sol, vento, biomassa, carvão, óleo. De repente, percebemos que já tivemos ônibus elétrico, trem, que poderíamos continuar a ter e tendo mais e mais e melhor transporte público e de cargas. Não temos, como não temos diversas outras coisas, porque, no Brasil, há quem ganhe muito dinheiro e poder para que as coisas deixem de existir, não existam, ou só existam quando alguém decida que o que todos querem atingiu o preço que o tal alguém queria. Outra discussão que surgiu possa, talvez, ser simplificada. Ou, ao contrário, sofisticada. Uma administração supostamente inspirada em Keynes deixou prejuízos, e a resposta foi provavelmente inspirada em Friedman, ou Mises. Usar a Petrobras para, segundo quem o fez, segurar a inflação nos recolocou de súbito como proprietários que sempre fomos da empresa, do mais miserável ao mais rico de nós. No momento em que nos é exposta nossa fragilidade em matéria de energia e logística, em paradoxo com a matriz de fontes energéticas de que dispomos, nos recolocamos na posição que nos é mais perceptível – a de consumidores da Petrobras. O que faremos? Outubro neles. Mas, e depois? Voltaremos a criticar, a nos paparicar ou a nos odiar nas redes, e ponto? Ou tuitar? é manifestação política? Para que serve? A quem serve? Ao Trump? Ah.  Empresários têm suas federações, os empregados, os sindicatos, lojistas, suas câmaras, há as ONGs e as associações de bairros... Por que não voltar a acreditar em maior grau, nessas representações e na força que podem ter? Por que não fazer por onde, para que elas possam ter ou voltar a ter credibilidade e representatividade? Se nos colocarmos em um terceiro papel que exercemos e do qual raramente nos lembramos - o de patrocinadores, pagadores, para não dizer patrões, dos nossos representantes - nas prefeituras e câmaras de vereadores, no legislativo e no executivo -, talvez finalmente nos caia a ficha, nesses tempos em que já não existem orelhões. Assim como trens, ônibus elétricos...

Boa semana.

5.05.2018

REALEZA E REALIDADE

Passei alguns dias no Rio em boa companhia. Revi meu irmão, amigos, um primo,  e tive bons encontros a trabalho. Rosa voltou para Florianópolis na terça. Como eu tinha compromissos ainda no Rio na quinta de manhã, fiquei por lá e, na quarta, resolvi dormir cedo. Não sem antes flanar, não mais que flanar. Numa rua de Copacabana, passei por um acolhedor autodenominado café-bistrô. Vazio. Além de varanda, lá dentro, livros. Fui até a Avenida Atlântica e voltei devagar, na esperança de ver gente no café-bistrô. Dei sorte. Na varanda, um autêntico rei zulu, com roupa de academia de ginástica, conversava com uma rainha, que Cony teria reconhecido como sua alemã de coxas teutônicas. Pois eu as vi tectônicas. Entrei e pedi uma mesa de canto, com vista para a varanda. Dentro, na minha frente, mais alemães. O homem usava uma camisa-polo verde, mostrando por baixo da gola em V uma camiseta branca. Gosto de usar camisetas por baixo: o ar condicionado me incomoda menos e, sob o sol, no sentido literal, não suo a camisa. O alemão tomava uma cerveja e, ao seu lado, uma mulher bebia vinho. Junto com eles e de costas para mim, uma senhora magra, elegante, de cabelos longos e grisalhos, tomava um chá. Pedi ao garçom uma Serra Malte e uma porção de presunto de Parma. Fui à estante, peguei um exemplar de Júlio César, de Shakespeare, em tradução de Carlos Lacerda. Personagem e tradutor me lembraram (ou inspiraram?) um poema que escrevi faz tempo, mais ou menos assim: Atropelamentos, estupros, assassinatos, cidades são contos de fadas comparadas ao Poder. Cenários, é o que são. Nas páginas do livro, anotações a lápis, típicas de alguém que pretendia montar a peça. Terá conseguido? Três casais brasileiros de idades variando entre vinte e poucos e setenta anos ocuparam suas diferentes mesas. A última disponível do lado de dentro, ao lado da minha, deu lugar a um jovem casal de ingleses. Pelo celular, ele disse a alguém estar interessado em alugar uma casa na Paqueta, tinha gostado muito da Paqueta. Achou o preço caro e agradeceu, enquanto eu pensava, puxa, nunca fui a Paquetá. Na varanda, mais alemães: dois casais, ao lado da conterrânea de coxas tectônicas, que, diga-se, fumava muito. Já fui fumante, sei como é. Perguntei ao garçom se eu poderia comprar o livro que, buscando a luz e olhando em volta, meio que relia. Ele me disse que o levasse de graça, que o trouxesse de volta ou mesmo outro, que eu quisesse deixar por lá. Depois de um honesto escondidinho de camarões e mais uma Serra Malte, pedi a conta e, sem perceber, deixei a paz lá dentro. Na calçada, um sujeito veio ao meu encontro abruptamente em diagonal; eu me esquivei, ele postou-se encostado junto à porta de uma loja fechada, acho que procurando alguém mais desatento. Claro, pode ter sido coisa da minha cabeça. Mais adiante, duas potenciais princesas zulus, pobres moças esquálidas, miseráveis, riam a risada que a desgraça ri. Agora era real. Tudo era real. Enquanto eu esperava para atravessar a rua, outro sujeito, portando um porrete com uma corrente, veio ao meu encontro gritando palavrões. Era da minha altura. Os olhos mais azuis que já vi olharam dentro dos meus, me demonstrando revolta, ameaça, não. Seu dono me perguntou: Eu tinha ou não tinha que dar nele? O cara estava batendo na mulher, grávida, eu tinha ou não tinha que bater nele? Eu respondi. Sim. Quem quiser que me julgue. Ele foi embora, na direção oposta à minha. Não tinha percebido, os casais de alemães da varanda do café-bistrô já haviam me passado, e caminhavam calmamente à minha frente. A sorte estava com eles. E comigo. A paz não. Em seu lugar, uma risada. Só me falta cumprir a promessa e devolver o livro, pessoalmente ou pelo correio, ou mandar outro em seu lugar.

TÚNEL DO TEMPO

No túnel do tempo, o general Figueiredo comia um churrasco com outros generais, e um repórter lhe perguntou: Quando o senhor vai fazer a abertura política? Quando eu quiser, respondeu o general. E quando o senhor vai querer?, insistiu o repórter. Figueiredo encerrou o assunto respondendo, Quando eu quiser querer. Seus convivas deram uma sonora gargalhada. Já nesses tempos de minha casa, minha vida, ontem, sim, parece que foi ontem, um outro repórter perguntou ao atual presidente sobre o inquérito na Polícia Federal da filha dele, sobre quem teria pago a reforma da casa dela. Temer respondeu: registre meu sorriso. Seus correligionários lembraram aqueles de Figueiredo, com mais uma sonora gargalhada. Mais um sinal de que vivemos outro fim de ciclo. Só não seja quando o Temer quiser querer.

2.04.2018

Caros Amigos - De poetas e política








Vendo a foto, Rosa comprovou uma vez mais a infalibilidade da intuição feminina: Esses seus amigos parecem educados e gentis, ela me disse. É o que são: Fulgêncio Duarte, a quem chamamos Fuja, é o de bigode; Aldo Votto, o que agora usa barba, com direito a bigode também. Faltou nosso mestre Julio Pavese, codinome (mais que apelido) Tucha – um permanente viajante em todo tipo de meio de transporte, de motocicleta a carro e avião, sempre com a máquina fotográfica, e duvidamos que de vez em quando um jegue não se interponha e se acrescente aos seus percursos.  Já o título desta crônica remete a uma revista, que tem como slogan “a primeira à esquerda”. Assim são esses meus amigos: de esquerda. Idealistas, acreditam que seja possível a convivência pacífica e camarada entre homens e mulheres em sociedade, trabalhando para o Estado, em prol da vida societária não-competitiva, solidária e feliz. Nesse encontro, fui menos evasivo que das outras vezes. Usei uma expressão idiota de um período idiota da história política mais ou menos recente: me defini como um radical de centro. A expressão surgiu meio como gozação aos que não queriam se declarar como nem de esquerda nem de direita. Intuitivamente, ainda muito moço, foi assim que me situei, menos por convicção que desilusão. Mais informado, fui percebendo que não acreditava na mão mágica do mercado resolvendo todos os nossos problemas sociais, econômicos e correlatos, nem no Estado perfeito, empregador de todos e em prol de todos, igualmente magnânimo em soluções. Tudo muito teórico, esquecendo-se de que mercado e Estado são ocupados por gente, com diferentes aptidões, interesses e ganâncias de poder e riqueza. Pior de tudo é que o posicionamento de centro, em dado momento definido pelo ex marxista Norberto Bobbio como socialismo liberal, e pelo ex integralista Miguel Reale como liberalismo social, no Brasil, descambou para algo puramente fisiológico, apelidado de centrão. Começou no governo Sarney e se mantém até agora, em tempos de Temer, como fiel da balança das decisões do legislativo em conexão com o executivo, em mero jogo de interesses declarados ou escusos. Fato é que não sou radical de coisa alguma. Sou verdadeiramente utópico, imaginando que um dia teremos abnegados amadores, sem remuneração, decidindo em condomínio o que de fato poderia ser melhor para a sociedade – assim está registrado em meu romance de 2007 “A revolução do silêncio”. Indo além, sou um anarquista, imaginando uma sociedade evoluída, capaz da autogestão. Comunidades e bairros com poder e orçamento para suas questões, cidades, estados e união com menos poder que hoje possuem: uma república realmente federativa, decomposta em células cada vez menores e mais autônomas, economicamente e em matéria legal. Isso é o que sou no mundo da lua; voltando à Terra, em busca de uma conciliação, líderes moderados e diplomáticos, lidando com gente com escola pública em tempo integral até a universidade, saúde, saneamento, segurança, moradia, preparada para competir (palavra proibida em certos entendimentos marxistas) com o mundo privado, com mais recursos. Isso nada mais é do que o Estado do Bem-Estar Social, que nossa Constituição Federal defende, ou delineia. Não acontece porque quem tem o dever de defendê-la a desrespeita; quem pode ter conhecimento dela, minimamente dos seus princípios e valores, a ignora; e quem é iletrado talvez nem saiba da sua existência.

Fato é que, na noite da foto, falamos de história, romances de ficção e, sim, política. Com nossas sutis diferenças do modo de pensar, chegamos ao consenso de que o Brasil se encontra ameaçado pelo fascismo; há muitos jovens desmotivados em relação à política, certos de que direita e esquerda no Brasil são farinha do mesmo saco; os partidos estão desacreditados; a agressividade vem cedendo a um silêncio de distância e desconsideração entre pontos de vista diferentes; tudo isso a nos dar a sensação de que, sim, o fascismo está latente em nosso país.

Nós os três presentes e nosso mestre Tucha trabalhamos em diferentes momentos com questões socioambientais relacionadas a empreendimentos – o que significa a exata convivência do capital com o meio ambiente e suas comunidades periféricas. Essa prática é que nos traz a um ponto de entendimento que transcende os conceitos clássicos de esquerda e direita, porque é a essência do convívio de estranhos que se tornam vizinhos, das relações de poder entre o comunitário e o empresarial, reivindicações e negativas, até o enfrentamento e o entendimento. Cada passo, cada avanço nessa área é uma vitória compartilhada. Transcende-se Estado, empresa, diferenças: o microssistema sociológico e socioeconômico é o que está em jogo, no tabuleiro balouçante, de pernas bambas. Precisa funcionar. E às vezes funciona, e assim nos faz pensar, por que não no resto, no macrossistema?

Começamos nossa noite no bar Alma Celta, que fica numa travessa no Centro Histórico de Florianópolis. Dois ou três chopes acompanhados de Fish and Chips, e fomos para a Avenida Hercílio Luz, até pararmos no Bar do Gringo, anexo ao hotel Oscar, para fugir do vento que desafiava os frequentadores dos barezinhos de cadeiras e mesas de plástico na calçada central da avenida, espécie de modesta, mas simpática rambla de Floripa. Mais uns dois chopes, saímos de lá, eu, com um livro que o poeta Aldo me deu de presente, com uma dedicatória que me comove a cada vez que a leio. Fui para casa lembrando de outros dois poetas: Vinicius, que, em uma crônica, se dirige à poesia e se declara sóbrio dentro da noite sem destino; e Borges, ao dizer “Felizes os que não querem ter razão. A razão é de todos ou não é de ninguém”. Borges disse mais: Felizes os felizes. Assim fomos embora naquela noite sem destino - ela, a noite, porque cada um de nós tinha o seu destino: sua casa. E nenhum querendo ter razão, por isso felizes porque felizes.
mariobenevides.blogspot.com.


1.25.2018

LUTAS DE BOXE


Esta noite eu tive um sonho. Lutas de boxe. Primeira luta, três nocauteados pelas suas estratégias, demasiado agressivas, antiéticas, erráticas: Lula, Bolsonaro e Ciro Gomes. Segunda luta: à esquerda, Frei Beto; à direita, Pedro Parente; ao centro, Cristovam Buarque. Era um sonho. Acordei.