Uma vez preparei um trabalho a
pedido de um executivo sobre a resiliência do Brasil. É o que somos: um povo
resiliente, que entorta, mas não quebra, e se reconstitui. Somos quase que um elástico, que se esgarça, mas não rasga. Vivemos em montanha russa, com
períodos de prosperidade que até aparenta ser geral, com outros de recessão,
depressão, até nova reação. A dependência de comodities é muito grande, ao
contrário do investimento em tecnologia própria, ciência, cultura, pesquisa,
desenvolvimento e inovação. Em vez de escolas em tempo integral, proporcionando
a quem vive no inferno um pouco daquilo que os mais abastados têm, afastando
aqueles das drogas e das armas e preparando-os para pôr o país onde poderia
estar há muito – no pódio do cenário mundial -, aqui se prefere matar e matar e
matar. Que nem barata. (Aliás, é de se perguntar ao autor da expressão se seus
vizinhos mais ilustres também serão mortos que nem barata.) No lugar de
programas estruturantes, abrangentes e continuados - estatais e privados -, para desenvolvimento e capacitação profissional,
prefere-se apostar na gangorra dólar sobe, bolsa cai e vice-versa, e criar,
comprar e vender estatais, não sem antes depreciá-las, com duplo sentido. A depender do ciclo, o Estado
injeta dinheiro público para aquecer a economia, não sem alguma dose de
inconsequência, ou enxuga tudo, aperta tudo, sufoca a quase todos,
respectiva e enganosamente como se inspirados em Keynes ou Friedman e seus antecessores.
(Segundo par de parênteses: quem pensa que Marx passou por aqui nos últimos
anos deveria ler um pouquinho mais, para não dar a impressão de que seus ancestrais
tenham sido pássaros de plumagem verde ou azul e vermelha.) Não sem inovar: os 500
reais do FGTS vão salvar o país, já que milhões de nós (que representam metade
da população) vivem com 413 reais por mês. Por favor não me pergunte como:
felizmente ainda não sei. Em vez de nos vermos como parte de um povo, somos o
país do quero o meu, o resto que se dane. E assim permanecemos: resilientes,
alçando voos para depois arremeter. Pena que nossos voos vão sendo cada vez
mais curtos e as arremetidas cada vez mais bruscas. mariobenevides.blogspot.com
(um resiliente).
O DIÁRIO DO MARIO contém crônicas e poemas de Mario Benevides, além do embrião do romance A REVOLUÇÃO DO SILÊNCIO, do mesmo autor, publicado em 2007 pela Design Editora, aqui no blog com o título A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS.
12.06.2019
4.02.2019
ESQUERDA E DIREITA
Como todo mundo dá palpite sobre
esse tema, eu também vou dar o meu. A dicotomia Esquerda e Direita com
significado político surgiu na época da Revolução Francesa. No Parlamento
Francês, à esquerda ficavam os jacobinos, contrários à monarquia e seus
privilégios; à direita, os girondinos, afeiçoados à nobreza, logo, conservadores.
Deste lado o conservadorismo “de direita” e do outro liberdade, igualdade,
fraternidade “de esquerda” – como visto, meras alusões às posições respectivas na Assembleia Nacional da França do século XVIII. Cerca de 80 anos depois, Marx desenvolveu suas teses contra o
capitalismo, e capital é algo que os que o têm no mínimo não o querem perder, logo, são conservadores. Dois passos atrás, a Revolução Gloriosa transferiu poderes da
monarquia para o Parlamento Inglês, e neste caso saiu vitorioso o liberalismo,
que ninguém à época poderia classificar de esquerda ou direita, pois a
Revolução Gloriosa na Inglaterra precedeu em 100 anos a Francesa. Como o liberalismo se baseia
na ação individual e o comunismo e o socialismo na coletiva, estes se
consolidaram como representativos da esquerda, e o liberalismo foi para o lado
da direita. Chegamos ao século XX. Gramsci, marxista, é preso pelo fascismo,
até morrer. Preso também foi Norberto Bobbio, então simpatizante do marxismo,
que escapou com vida por se ter desculpado perante o fascismo. Vários outros
episódios ficaram na História a não deixar dúvidas de que o fascismo se
contrapôs ao comunismo - e se este está à esquerda, o fascismo está à direita,
e direita nacionalista, com grande peso estatal em tudo: nos negócios, no
direito, nos costumes. Nem por isso se torna de esquerda, pois que combate o
comunismo, sendo que este, naqueles tempos, praticamente eliminava a iniciativa
privada, de novo contrapondo-se ao liberalismo e ao capitalismo – este, no caso
do fascismo, fortemente estatal. Com o nazismo não foi diferente, acrescentando
porém o arianismo, a ideia da supremacia branca alemã. Assim, não me parece
difícil percebermos que: (1) nazismo e fascismo foram e são “de direita”; (2) estão
mais à direita do que o liberalismo está em relação ao comunismo, e por isso, nazistas
e fascistas usualmente se autoproclamam de ultradireita (o atual presidente do
Brasil assim se referiu a si e ao seu (ex) partido PSL ao a ele se filiar); (3) como
o conceito político de “esquerda” surgiu antes do comunismo, este não pode ser
considerado como a única forma de “esquerda”; daí uma das razões de o comunismo
totalitário ser considerado de ultraesquerda. Mas, alguém poderia perguntar,
não existe vida entre essas posturas e definições? Algo que se possa chamar “Centro”?
Voltemos a Norberto Bobbio, que em seus últimos anos se disse a favor do
socialismo liberal, como consta da página web do seu contemporâneo, nosso
Miguel Reale – que em contraponto disse preferir o liberalismo social, enfatizando
porém que seria o Centro o único capaz de apaziguar as disputas ideológicas. Mas
no Brasil tudo é diferente. Quem se autoproclama ultradireita defende o
liberalismo; o Centro vira “centrão”; uma dada, suposta religião invade o poder,
em um país laico; e quem disse o exato oposto ao que dizem historiadores,
pesquisadores, testemunhas, e, como eu, amadores, não só foi aprovado pelo Itamarati
como ocupa o cargo de chanceler. Poeta Carlos, você foi ser gauche na vida. E nós,
poeta? O que seremos e o que será de nós?
3.09.2019
FUTEBOL, UMA DOENÇA INCURÁVEL
Futebol é uma doença incurável
adquirida na infância. Não que eu seja nostálgico ou saudosista, mas, como todo
mundo, gosto de lembrar de coisas boas. Quando as ruins aparecem, é só levá-las
ao encontro do seu bem mais querido: o esquecimento. Se o esquecimento nos lembra
que tem memória, trabalhamos, vemos alguém interessante passar, ou então é o
cachorro que faz xixi no lugar errado, e tristeza e esquecimento se vão de mãos
dadas, aonde, ninguém quer saber.
Eu já morava no Leme, tinha onze-doze
anos, e ia, de ônibus, com meus amigos Humberto Rodrigues de Sá e seu primo
Luiz Fernando ao Maracanã. Os três sozinhos. Havia menos gente, a ganância de
uns e a ignorância de tantos (imposta pelos tais uns) ainda pouco se esbarravam.
Fomos, por exemplo, ver a decisão do campeonato carioca entre Botafogo e Bangu.
Eram seis times grandes no Rio: os dois citados, mais Flamengo, Fluminense,
Vasco e América. No ano anterior, o Bangu fora o campeão, derrotando o Flamengo.
Em 67, deu Botafogo. O Campeonato Carioca, a Taça Guanabara e as excursões dos
clubes eram os principais assuntos em matéria de futebol. Pelé em plenitude,
Garrincha já em fim de carreira, e era outro o timaço do Botafogo, que não vou
recitar aqui. Anos depois, li a magistral biografia de Garrincha escrita por Ruy
Castro, quando o autor, no prefácio, diz que, na decisão Botafogo e Flamengo de
62, quando o alvinegro venceu de 3 a 0 com três gols do Mané, descobriu que,
além de Flamengo, era Garrincha. Poucos anos depois, vi um documentário, no qual
ninguém menos que Zico diz: “Não me importava se eu era Flamengo, o que eu
queria era ver o Garrincha jogar”.
Pois dia desses, na Barbearia Tradicional
de Florianópolis, enquanto esperava minha vez, vi na TV comentaristas de
futebol discutindo sobre quem seria o melhor jogador brasileiro depois de Pelé.
Nenhum falou em Garrincha. Está certo, sou mais velho que eles, mas, se tanto quanto
eles não vi o Garrincha jogar ao vivo, ouvi falar, me interessei, vi
documentários, entre eles o filme “Garrincha, Alegria do Povo”, de Joaquim
Pedro de Andrade, como li crônicas de Vinicius de Moraes e Nelson Rodrigues
(entre tantos outros) a respeito do Anjo das Pernas Tortas.
Não é curioso? Nada entendo de
futebol, me livrei do vexame dos meus passes errados quando entrei na faculdade,
sou nada mais que um amador em matéria de futebol. Os tais comentaristas são profissionais
disso. Sequer citaram Garrincha – segundo Ruy Castro, o craque responsável pela
vitória do Brasil sobre a Áustria na segunda Copa das cinco conquistadas pelo Brasil,
no mesmo 1962, em um ano em que o Botafogo representava meio time da seleção - com
Pelé contundido logo no começo da Copa e Amarildo jogando em seu lugar, ao lado
de Didi, Nilton Santos, Zagalo e, claro, Garrincha.
Pode-se pensar que tudo o que eu
disse aqui é saudosismo de botafoguense; pois conto que, em outro dia desses,
no Rio, meu amigo, flamenguista roxo, Murilo Drummond recitou o que eu não iria
recitar aqui, o timaço do Botafogo campeão da Taça Guanabara e do Campeonato
Carioca em 67 e 68: Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto
e Gerson; Zequinha, Roberto, Jairzinho e Paulo Cesar. (Diga-se de passagem,
Jairzinho fez gols em todos os jogos da Copa de 70, a terceira das cinco do
Brasil. Nem Pelé...)
A crônica esportiva atual tem
momentos que perfeitamente correspondem ao futebol que é jogado no Brasil de
hoje. Que isso mude logo, que voltemos a ter seis grandes no Rio, tantos outros
em outras cidades do país, e que os responsáveis pela mediocridade que tomou
conta do nosso esporte favorito, da crônica aos assim chamados dirigentes, se
juntem ao esquecimento, a caminho do onde-ninguém-quer-saber.
Futebol é uma doença incurável
adquirida na infância. A minha se chama Botafogo.
2.08.2019
Para Bob Dylan, Geraldo Vandré e Bakunin
Triste trôpega paródia de Blowing in the wind, para Bob Dylan, Geraldo Vandré, Bakunin, e todos aqueles que vivem dispostos a viver
Quantos meninos do Flamengo vão morrer
Até que possam ser adultos?
Quantos Brumadinhos, Marianas vão sofrer
Até que caçem seus indultos?
E quantos safardanas a Bíblia vão brandir
Até que corajosos ressuscitem?
A resposta, meu amigo,
Não sopra ao vento não.
A história se faz com nossas mãos.
E quantos canalhas vão ter nossa atenção
Até que nossos olhos os desprezem?
E quantos fuzis nos amedrontarão
Até que nossos olhos os fuzilem?
E quantos iletrados vão ter que padecer
Até que afortunados se humanizem?
A resposta, meu amigo, não sopra ao vento não.
A história se faz com nossas mãos.
E quantos salvadores vão nos iludir
Até não lhes prestarmos atenção?
E quantas moças pobres serão órfãs de seus filhos
Até lhe prestarmos atenção?
E quantas AIDS, sífilis vão reaparecer
Até que a hipocrisia caia ao chão?
A resposta, meu amigo, não sopra ao vento não.
A história se faz com nossas mãos.
Quantos meninos do Flamengo vão morrer
Até que possam ser adultos?
Quantos Brumadinhos, Marianas vão sofrer
Até que caçem seus indultos?
E quantos safardanas a Bíblia vão brandir
Até que corajosos ressuscitem?
A resposta, meu amigo,
Não sopra ao vento não.
A história se faz com nossas mãos.
E quantos canalhas vão ter nossa atenção
Até que nossos olhos os desprezem?
E quantos fuzis nos amedrontarão
Até que nossos olhos os fuzilem?
E quantos iletrados vão ter que padecer
Até que afortunados se humanizem?
A resposta, meu amigo, não sopra ao vento não.
A história se faz com nossas mãos.
E quantos salvadores vão nos iludir
Até não lhes prestarmos atenção?
E quantas moças pobres serão órfãs de seus filhos
Até lhe prestarmos atenção?
E quantas AIDS, sífilis vão reaparecer
Até que a hipocrisia caia ao chão?
A resposta, meu amigo, não sopra ao vento não.
A história se faz com nossas mãos.
1.31.2019
DE CICLISTAS, CANHOTOS E OS QUASE SEMELHANTES
O ciclista está sempre no lugar errado. A calçada é do
pedestre, o asfalto é do automóvel, a pista de terra é dos off road, o
paralllelepppípppeddo é dos off world, a ciclovia é dos velocistas, skatetistas,
equilibristas, trapezistas, mamães e papais e seus carrinhos com bebê dentro, patinetes
e seus supostamente pilotos. Já o canhoto jamais conseguirá abrir uma lata com
algo comestível dentro sem ajuda do corpo de bombeiros. É de se supor que
pilotos de sapatos, automóveis on e off road, marcianos, heroicos e habilidosos
bombeiros e todos os outros que ocupam as ciclovias em movimento em variadas
velocidades, com muito mais direito que os ciclistas, sejam todos destros e
assim mesmo tenham lá suas dificuldades, pois, não fosse assim, não reclamariam
dos ciclistas, principalmente dos canhotos. Disso tudo se conclui que há
somente duas dificuldades na vida: conviver e ficar só. Excluídos, claro,
aqueles que de fato precisam dos bombeiros, heroicos bombeiros e seus quase semelhantes.
1.25.2019
MARIANA E BRUMADINHO
Mariana querida:
Há quase quatro anos tentas
te recuperar da tragédia que sofreste.
Reuniões, acordos,
processos, fato é que tu, tua gente, tua terra e tuas relíquias ainda sofrem,
Como todos nós sofremos,
com maior distância e por isso menor intensidade.
Desde que eles
descobriram o metal não vivem sem ele.
Sapatos são feitos de
ou com metal,
Calças, antes eram
armaduras, precisam de teares de metal, assim como as camisas,
Calcinhas e cuecas.
Penteiam os cabelos com
pentes fabricados por máquinas ou ferramentas de metal.
Comem com talheres de
metal, plantam e colhem com instrumentos e máquinas de metal,
Erguem suas casas com
pilares, vigas de ou por meio de metal,
Serram e moldam a madeira
com metal,
Do cimento misturado
com areia por artefatos de metal, fazem concreto armado com metal,
Tijolos, automóveis,
aviões, navios, tudo, literalmente tudo deles tem metal envolvido.
Matam-se com armas de
metal.
Plástico, que vem do petróleo
que vem do chão da terra e do mar,
Assim como o metal vem
do subsolo do planeta,
Para extrair petróleo,
refinar, distribuir, transportar,
Dele fazer plástico, usam
o metal.
Onde foi que eles
erraram, Mariana querida, discutem, provam que não,
Que foi o outro, que
foi o projeto, a construção, a manutenção, a fiscalização
Tudo ou algo desse todo
mal feito foi culpa de alguém.
Que vão reparar
E errar de novo.
Mariana querida, choro
até hoje tua desgraça,
Rezo até hoje por ti.
Do teu
Brumadinho.
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