7.23.2009

UM HOMEM E SEUS CAPÍTULOS

O que há de mais interessante na vida não é a compreensão, mas o seu exato contrário. A esperança persiste porque o contrário não consegue ser tão exato quanto se esperava dele. A célebre foto do menino africano à beira da morte à beira do lixo enquanto um urubu observa a cena, que rendeu um prêmio e um suicídio ao fotógrafo, a tudo resume e explica e confunde. Há quem interprete a cena, se esquecendo de que não é uma cena e sim um fato que já deixou de ser e virou passado. Há quem use a foto, há quem explique a posição de espera do urubu, quem se prenda à engenhoca chamada urubu. Há finalmente quem sofra pelo menino. Entendimento houvesse e conversa não haveria. Engenho seria palavra jamais pronunciada. Arte é que nem o lixo entre o menino e o urubu, se revela no espaço da incompreensão, da multiplicidade de impercepções, do raso ao supostamente profundo, aquilo que poderia ser abrangente e não passa de espaçoso, que se torna sensibilidade porque esta não se manifesta. Quem levanta e anda muito provavelmente está mesmo morto. Vivo é o estático: perplexo, menino, lixo, urubu.

7.16.2009

DA ARTE POR PROFISSÃO E DE TANTAS OUTRAS COISAS

Cronistas profissionais, por exemplo. Famoso colunista afirma ter conversado com escritora irlandesa que por sua vez diz ter conversado com dois escritores brasileiros e se ter espantado com o desconhecimento deles sobre escritores. O famoso colunista citado conta que mencionada escritora disse que um dos dois escritores com quem conversou é uma fraude. Nesse quem é quem mais para fofoca que página policial fica público e notório quem de fato é fraude. Assim eu diria se colunista social fosse de modo que o leitor supusesse – não me deixei trair por ignorante perigosa rima – que de algum modo estivesse querendo me favorecer escondendo nomes extorquindo vantagens. Igualmente escondi vírgulas por profissional não ser.

Poucos dias depois, chefe da receita federal é demitida com subsequentes eloquentes desmentidos de que suposições de manipulações contábeis da estatal mor tivessem de fato provocado sua demissão e graças ao diabo há uma crise a justificar a demissão e graças a leis há leis que dizem que a receita é órgão técnico impermeável a pressões políticas profissionalismo é isso aí.

De tantas outras coisas, pelo consagrado argumento de que a medicina não é ciência exata é que fazemos exames científicos à exaustão cujos laudos são escritos por técnicos a debochar de outros técnicos autores daqueles que deram origem ao n elevado a n mais 1 somado a mais 1 exame que nada conclui e ao mesmo tempo e paradoxalmente tem definitivo laudo que é ridicularizado pelo médico que o lê enquanto examina o negativo à luz fluorescente e interpreta aquilo tudo laudo e imagem e condena o paciente à morte ou às vezes pior à vida como se poderoso fosse profissional que é.

Mais que tudo isso, acima de qualquer coisa ou laudo, vírgulas ora direis, não se chega em casa e sim a casa. E sem crase. Em casa é que se fica amador amadora assim não for meu amigo minha amiga a história acabou seu sorriso se foi sua oportunidade de afagar o cão e chutar o bidê e gritar isso doeu e o vizinho ouvir e a vizinha reclamar acaba por acabar com a carreira do síndico da síndica profissional.

Assim foi que hoje cheguei, que amanhã me vou, que um dia irei, amador sou rei.

7.08.2009

CARAS

Não no referimos à revista, mas aos rostos humanos, vulgarmente chamados de caras. Há matrizes – e isso Darwin, seus seguidores e também seus detratores poderiam afirmar com propriedade; mas, dessa verdade, sejamos apenas passageiros inquilinos.

Um rosto de uma menina atravessando uma rua de Santo Amaro da Imperatriz é o mesmo de uma outra avistada em Florianópolis, em tempo decorrido que não permitiria que ambas fossem uma só e com diferenças o bastante para sabermos que não são gêmeas e sequer foram geradas pelos mesmos pai e mãe. O mesmo ocorrerá com meninos, senhoras, homens e mulheres de meia idade e, pior, de meias puídas ou – mais grave - de meias verdades.

Claro, você já se lembrou dos sósias. Há um maestro em Florianópolis a quem só não chamamos de Getulio Vargas por óbvias razões, sendo a principal o fato de ser ele um maestro, regente de orquestras, pouco afeito a movimentações que não as das cordas e notas musicais, que transmite a meninos e meninas de pais e mães que lhes são próprios, com traços, prognatismos, sorrisos, olhares vesgos, sobrancelhas juntas, olhos separados, queixos, lóbulos e narinas que nos fazem lembrar de pessoas distantes, até de outras gerações, de Darwinianas ou Divinas originais fôrmas (o acento, neste caso, mesmo que abolido ou proscrito, é fundamental).

Agora, sim, falando de uma revista, quem folhear uma Veja de alguns meses atrás encontrará uma reportagem sobre Darwin e suas explicações, até, para o soluço – e como ele e seus estudos encontram até hoje fortes resistências. Diz o artigo que há duas correntes: a que acredita que sejamos todos tailor-made, feitos um a um, sob medida; e a Darwiniana, das tantas transformações e gerações ao passar dos milênios, séculos, dias. Esta segunda, de acordo com o artigo lido às pressas e tardiamente, acreditaria ser tudo obra do acaso.

A questão, de fato, não é como nem quando, e - ousa-se aqui afirmar – nem mesmo quem, mas... Por que?

Por que pertencemos a matrizes e, mais, muito mais, gostamos do cheiro da rosa e desgostamos de outros tantos? Este encantamento pelo mar, o vento, a escalada e a visão da montanha, se tudo isso nos veio atavicamente através de múltiplas transformações e numerosas gerações, muito bem, Darwin; se não foi assim, se de fato somos, cada um, encomenda, feitura, experimento e refeitura de Deus – que diferença isso faz, se o motivo continua escondido por trás de uma nuvem que não se vê?

Pois se soubéssemos o motivo dessa confusão toda, dessa coincidência, dessa falta de acordo e, admitamos, de assunto, ora, sem querer ofender a ninguém, poderíamos louvar a Deus ou ao Santo Acaso, sem culpa nenhuma nem a necessidade de desferir truculentos e orgulhosos socos em nossos próprios peludos ancestrais peitos.

Meninas de Santo Amaro da Imperatriz e Florianópolis, ainda se eu fosse outro Mário, o Quintana - mas não. A verdade é que seus rostos, suas caras, sua matriz amada e desconhecida causaram essa enorme confusão nesta minha cabeça, tão saudosa de cabelos, de poesia, de certezas.