6.28.2005

VAIDADE

Vaidade,vaidade. Não depende de idade nem sexo ou temperamento: todo mundo tem. Por exemplo, um sujeito sessentão, com barba por fazer, cabelo desgrenhado, seu rosto, querendo ele ou não, transmitindo idéia de pouco asseio, manifestou em sala de espera de um médico sua grande vaidade pela coleção de sapatos que possui. Contou que ganhara de uma amigo dois novos pares, cujas solas eram de borracha. Inadmissível! Foi obrigado a confessar ao amigo que só usa sapatos com sola de madeira e que teria que trocar os presenteados.

Penteados. Mulheres saem do cabeleireiro com penteados às vezes complexos, que podem no entanto ser desfeitos e redesenhados com rápidos movimentos das próprias mãos, fazendo-as muito mais bonitas do que quando saíram do salão. Carecas com restos de fios capilares se esmeram em cuidadosamente arrumá-los; desgrenhá-los; ou raspá-los. Houve tempo em que gente de cabeça raspada era calouro de universidade, presidiário ou louco, internado em hospício ao lado do presídio. Hoje, não: tanto pode ser um craque do basquete ou futebol como um louco, do lado de fora do hospício. Nem sempre, é claro: há os mais jovens, que podem raspar a cabeleira com lâmina de barbear, deixá-los rentes, à escovinha, só que sem usar essa expressão, do tempo dos seus avós ou bisavós, como desenhá-los a deixar morrendo de inveja o último dos moicanos ou o primeiro dos siouxies. Já xucarramâni, ninguém quer imitar.

Homens que pintam os cabelos têm preconceito de cor: não gostam de branco. Continuam tendo a mesma aparência que lhes confere a idade, só que de cabelo pseudo-louro. É bem verdade que há os que preferem levar seus penteados aos engraxates, para, é claro, fazê-los parecidos com sapatos.

Cargos. Carros. Casas. Namoradas e namorados. Filhos. Cães. Tudo isso entra no liquidificador da vaidade, especialmente nesses tempos das celebridades, que, como se sabe, são as pessoas que aparecem na tv. Mas, atenção: é preciso aparecer na tv falando alguma coisa importante, como, por exemplo, acho tudo isso um absurrrrrrrrrrrrrrdo, seja lá o que o tal “isso” for. Mulheres-celebridades devem cruzar e descruzar as pernas e ter cabelos longos, puxando-os de um lado para o outro e jogando a cabeça na mesma direção – senão, celebridades não são. Homens-celebridades devem usar terno ou capote com bermuda até a canela. Quando de terno, manter as pernas cruzadas de um jeito que só os eunucos conseguem; de capote e bermudão, sacudir o tronco, especialmente os ombros, ligeiramente curvados para a frente, bem agitados – mas o indispensável é dizer que tudo isso é um absurrrrrrrrrrrrrrdo.

Mendigos fazem a barba com uma lâmina e um espelho quebrado encontrados no lixo. Mendigos são a expressão máxima da vaidade: voltaram as costas para a sociedade e desandam por aí, com seus casulos nas costas. Meninos de rua se banham nos chafarizes e penteiam-se e ensaboam-se e correm atrás de você e roubam sua bolsa e tiram lá de dentro o dinheiro e o mais importante: seu estojo de maquiagem - que usarão para mascarar seus rostos, demonstrando um talento artístico que foi ignorado por quem passa, por quem os jogou a morar na rua.

Ferraris deixam em dúvida os que escolheram Mercedes ou BMW. Vaidade. Monges budistas e outros religiosos pregam seu oposto: o mais extremo desprendimento pela matéria. Menos a publicada no jornal, que conta de suas lutas contra o materialismo e a vaidade e a quantidade de seus fiéis seguidores.

Mas ninguém é mais vaidoso que quem escreve. Que tola vaidade imaginar que outros lerão o que escreve, gostarão do que escreve, suspirarão ou morrerão de rir ou de tédio.

Vaidade, vaidade.

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