6.07.2005

DAS MOSCAS, PARA AS MOSCAS, PELAS MOSCAS

(I)

Pois é, meu bem: neste jornal-tablóide, sobre o qual comemos essas migalhas, lê-se que os homens - seus machos e fêmeas - entendem que o sexo, tão genital, não seja gene - e, sim, moral. Científicos que são, inocularam em nós, moscas, genes de moscas masculinas em moscas femininas e genes de moscas femininas em moscas masculinas. Agora percebo que meu gene foi para você – e por isso, você já não me quer. Você agora prefere alguém como você e diferente de mim. Já meu ser ficou incompleto do meu gene que me foi subtraído - e percebo que, quem antes era igual a mim e recebeu um gene de alguém igual a você, agora se interessa por mim. Traduzindo em miúdos - que para nós, moscas, são graúdos -, agora você prefere as moscas do seu sexo. Quanto a mim, fiquei às moscas; só que às moscas que, antes, gostavam das moscas do seu sexo, e agora preferem o meu.

Mas o que é que nós, moscas, temos a ver com a ciência e a moral dos homens? É que os homens – seus machos e fêmeas - dão à moral um valor excepcional, a ponto, até, de nos reduzir a moscas; tanto que dizem que existe, inclusive, um falso moralismo. Entretanto, perceba, meu bem e ex-amor genital, natural e genial, que se a moral dos homens existe não para a ciência deles e sim para que eles e elas, homens e mulheres, criem preconceitos e se afastem - uns dos outros - pelo sexo, pela cor, pela origem e, até, pela religião deles - é de se deduzir que não exista uma falsa moral, pois - se for mesmo assim – toda moral será falsa.

Moral da história? O falso moralista não existe, porque todo moralista é falso.

Mas isso é palavra de mosca; quem, afinal, nos levaria a sério?

(II)

Nietzche: Mas você não veio ao mundo para espantar moscas.

(III)

Uma canção roubada
(Sobre a melodia de Menino do Rio, de Caetano Veloso, com alusão a Nelson Rodrigues)

(i) Menino de rua / com a bunda virada pra lua / tu és o avesso da sorte / roubaram teu sul e teu norte / Coração / de eterno espanto / de desencanto / Menino vadio / sem cabra ou terreno baldio / talento perdido e sem nome. (ii) Que o Haiti / é aqui: / nada pra sonhares / nem todos os mares / ou a sombra dos lares / E quando eu te vejo eu tenho medo do teu medo... (iii) Menino arredio / na chuva, no vento, no frio / roubei a canção em teu nome...

(IV)

O poeta vive de alusões.

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