6.11.2005

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS: UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU

Romance Inédito de Mario Benevides - Brasil, 2005

- CAPÍTULO DOZE –

Em 2016, Ricardo V e Rita tinham condições para morar em qualquer lugar do mundo. Por que, então, ainda Minaçu?

Ricardo V chegou à fama com seu livro “A Revolução Brasileira de 2017”, lançado em 2009, quatro anos após a súbita inspiração que teve quando foi visitado por seus pais, em 2005. conseguiu concentrar-se e desenvolver o tema da revolução – que, segundo ele, aconteceria “pela influência da simbiose da fidalguia européia, da nobreza africana e da estirpe ameríndia na gênese da sua plebe e a involuntária conspiração de Newton e Gauss”; e seria pacífica, sem tiros ou golpes de estado: uma revolução de mentalidade. Escolheu 2017 em óbvia alusão à revolução comandada por Lênin um século antes. (Essa alusão lhe rendeu a ofensa de alguns críticos, por um (por eles) deduzido desrespeito do autor àqueles ideais, e a de outros, por um (por eles) suposto apoio de Ricardo àqueles ideais.)

Na Convulsão de 2010, as vendas dispararam; depois, como se sabe, a revolução de 2017 efetivamente aconteceu – e, ainda que diferente da que ele imaginou, Ricardo V foi considerado por muitos um visionário.

Em auto-crítica, Ricardo se diz um afortunado, por ser filho de casal com reserva financeira – o que lhe permitiu a tranqüilidade para se dedicar a desenvolver e escrever suas idéias – e por se ter envolvido amorosamente com duas mulheres de grande valor e companheirismo: a falecida namorada, Maria Otávia; e sua mulher, Rita.

Apesar do sucesso que vinha obtendo junto à universidade, Rita desencantara-se com sua pesquisa sobre índios brasileiros, o que lhe custou muito caro: perdeu a bolsa de estudos e a carreira de pesquisadora. Seu desencanto foi, segundo ela, porque, ao invés de enxergar a questão como cientista, teria-se apaixonado pela causa indígena (ou causas; percebeu uma infinidade delas no contato com as diferentes tribos). E, como apaixonada, alimentou dentro de si terrível conflito: nascida nos Estados Unidos, mesmo com descendência latina de pai e de mãe e por mais que fizesse parte de outra tribo – a dos defensores da natureza e da preservação da vida humana principalmente em seus traços culturais -, pela veia desenvolvimentista característica da sua nação, passou a imaginar que obra como a ligação do Brasil ao Oceano Pacífico, rasgando caminhos por terras indígenas, ajudaria a tirar do sub-desenvolvimento outras tribos, descendentes das três raças formadoras da brasileira. Perdeu-se do foco em suas apaixonadas e confusas divagações. Resolveu ocultar-se no anonimato e ajudar o marido a escrever o livro dele, mas libertando-o também dos rigores acadêmico-científicos.

Quando foi tomada essa decisão, Rita já havia perdido sua bolsa, mas Ricardo ainda conseguia manter a sua, pela curiosidade que despertaram, nos mestres originalmente de Rita, suas idéias de uma possível revolução brasileira. Para sua surpresa, a universidade americana se recusou a caçar-lhe a bolsa e deu-lhe plena liberdade de expressão, sem nenhum rigor científico, mas com a condição de que mantivesse a residência em Minaçu.

- Por que Minaçu? Não poderia ser outra cidade, no mesmo Estado de Goiás? – ele perguntou aos seus patrocinadores americanos. E foi além: ousou afirmar que poderia fixar-se em qualquer lugar do mundo, comprometendo-se a visitar, de vez em quando e estrategicamente, a região por ele imaginada para o despertar de uma revolucionária consciência. (Ricardo queria voltar a morar no Rio, em um grande e conturbado centro, além de ser a sua cidade de nascimento.) A resposta foi não, sem nenhuma explicação: esta era a condição para que a universidade continuasse a bancar seu projeto de pensamento: que morasse em Minaçu. Para não voltar a depender dos pais, Ricardo V ficou por lá, com seus livros, violão e família.

Isso foi em 2006. Porque em 2016 - Ricardo V já um “best-seller”, que alcançara a independência financeira e há muito deixara de ser bolsista -, ainda permaneciam todos morando em Minaçu? Era o que se perguntava seu filho, Ricardo VI, aos treze anos de idade, enquanto lia sobre Tutancamon - faraó egípcio desde os nove e até os dezenove anos, quando morreu -, e sonhava poder ajudar o pai a concretizar sua profetizada revolução. O Ricardo adolescente ainda estava hospedado na casa da tia, no Rio de Janeiro. Seu pai, retornando da Índia com Rita, entre outros escritos e dedilhados, dedicava-se a pesquisar sobre assunto prioritariamente familiar: a história de vida dos seus trisavós, Ricardo Coração dos Outros e Olga. A pergunta permanecia parcialmente sem resposta: que caminhos e motivos os teriam levado a Cavalcante, na virada dos séculos XIX e XX? E como viveram por lá?

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