8.08.2005

LAMENTAMOS INFORMAR, MAS O SÉCULO QUE CHEGOU FOI O XIX

Na capa está escrito que a crise sobe a rampa, mas o que chama a atenção é uma alemã, chamada Judith Mair, que descobriu a fórmula da liberdade: a prisão. (A revista é “Época”, edição de 8 de agosto de 2005.)

Pegue lá um conto ou romance do século dezenove – pode ser inglês ou russo, tanto faz. Perceba o ambiente severo de escritórios e repartições: ar sombrio, atmosfera carregada de silêncio e temor, ninguém fala com ninguém, só despacha, defere, indefere, carimba, molha a pena, assina, levanta, vai ao banheiro, volta, senta-se novamente, olhando de soslaio para o chefe, um sisudo, para ver se ele recriminou o tempo em que seu carimbo deixou de carimbar e sua pena ficou seca. Não é de você que falamos - afinal seu século é outro, o do Monge e o Executivo, do líder no lugar do chefe, o que é amado e respeitado e não temido e obedecido.

Pois Dona Judith, 33 anos, autora do best-seller “chega de Oba-Oba!”, descobriu que as empresas ditas modernas escravizam os indivíduos, exatamente por os encherem de liberdade. A liberdade de conversar com o colega, de deixar ligado o celular, segundo ela, escraviza. Ela faz questão de lembrar também que Sábado é dia de churrasco. É claro: com o pessoal da empresa e o chefe – opa! Chefe não: líder. O que ela propõe e pratica em sua empresa? Celular desligado, conversas, só as essenciais, no lugar de nomes, sobrenomes. Em contrapartida, acabou o expediente? Até amanhã. Nada de “confraternização de fim de semana”; ninguém do trabalho vai ligar convidando você para uma partida de tênis ou uma rapidinha, isto é, reuniãozinha, na tarde de domingo. Ou, como conversam os humildes: “A que horas você pega no serviço?”. “Pego às 8 e largo às 18 e folgo no fim de semana.”.

Acompanhados de Judith, saímos do século XX e chegamos não ao XXI, mas ao XIX; e começamos a achar que fizemos bom negócio: as guerras tão cedo serão atômicas; morreremos de tédio e tuberculose e não de atropelamento e stress. O chato é que o mesmo triste espetáculo se repete: a crise sobe ou desce a rampa, discursos enfadonhos e vazios nos penetram a intimidade e os ouvidos, sofistas e dialéticos se revezam a discutir se precisamos ou não de líderes, se liderar é chefiar, nata qualidade ou aristotélica ou maquiavélica invenção. Se você trabalha, dá graças a Deus e, se está sem trabalho, é a Ele que você pede emprego - logo você, que não crê; logo você, que tanto crê e não compreende.

Voltamos ao XXI? Anime-se: há novas perspectivas para o sexo e o rock’n roll – mesmo porque, com a música e os discursos que andam por aí, melhor reinventar o roque e fazer sexo com bossa nova.

Assim viajamos no tempo, sem precisar de tecnologia. Amanhã é dia de trabalho e, quer apostar? Essa noite você sonhará com Judith.

A não ser que seu subconsciente lhe pregue uma peça e lhe dê de presente uma rampa.

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