7.18.2005

O PAÍS DO PUDOR

Chico Buarque observou em “Benjamim” a situação do sujeito que vai ao banheiro e evita o mictório porque o do lado já está ocupado e vai ao vaso fazer xixi, mas deixa a porta aberta, por pudor ao pudor.

Somos pudicos. Usamos sungas apertadas, nossas mulheres, biquínis fio-dental, o Gabeira (em outros tempos), sunga de tricô, mas quem fica pelado na praia é europeu. Nós, brasileiros, só ficamos pelados na praia em dia de temporal, de raios mortíferos a nos querer acertar, atingir e matar dentro d’água - porque nós, gozadores incuráveis, principalmente da Divindade, fazemos questão da exposição e risco a eles, raios que nos partam, mas que nos partam nus. Outras raras situações em que ficamos nus? Em total solidão ou intimidade; absoluta pobreza ou ingenuidade.

Nelson Rodrigues disse que toda nudez será castigada, mas, como sabia muito bem, menos no cinema nacional. Nossos filmes são explícitos na nudez, nossas atrizes dão vida a mulheres que tiram a roupa naturalmente para fazer amor, porque fazer amor é natural e amor foi feito para ser feito sem roupa. Em filmes americanos, mulheres fazem sexo de sutiã, a não ser que o cachê seja alto o bastante e muito bem articulado com pesquisas de público e de censura etária, a apontar que mostrar as tetas (teats) da atriz serão compensadoras para atriz e patrocinadores. Quando o filme é sueco, alemão ou dinamarquês, a nudez nada mais é que nudez, ainda que com pitadas filosóficas, fáusticas, gœtianas, dignas de castigos calvinistas (grande Nelson Rodrigues, que, certamente de propósito, errou de país). Já em filmes franceses, a nudez é cheia de noirs, nuances - mas quem saberá de noirs, amor e nuances mais que os misturados, os que geram mulheres de bundas grandes, de sangue indígena, negro e europeu?

Portanto, somos pudicos: temos pudor, a não ser no ato do amor.

A não ser no ato do roubo.

Nórdicos, anglo-saxões, orientais, africanos, indígenas, alguns dos outros latinos, todos têm ladrões entre eles, mas, entre eles, os ladrões, quando descobertos, muito mais se envergonham que qualquer ser desnudado ou mais causam espanto que qualquer América descoberta nua. Matam-se, enfiam em si mesmos facas, flechas, revólveres, caminhões, mares desnudos e vorazes, ônibus, táxis, lápis, viadutos. Aqueles que dentre nós a nós nos roubam, ufanam-se: roubar é certo; é correto; é inteligente.

Não é possível associar o ato de amar ao de roubar. Por mais tentadora seja a metáfora do roubo do olhar e do beijo, é metáfora, nada mais que metáfora. Essa vileza vilipendiosa, nojenta, escancarada, mais que tudo isso, assumida, resolvida, explicada e justificada, a do “Chame o ladrão” do Chico Buarque, a do “Sou, mas quem não é” do outro Chico, o Anísio, é o anti-amor, o anti-Brasil, o anti-naturalidade no ato de amar, o anti-pudor de usar sunga e só se desnudar sob nórdicos raios de Thor. Não é possível, nesses tempos de 2005, que uma vez mais nos limitemos a assistir e achar graça desse pútrido despudor, na pátria dos pudicos, dos amantes de corpo inteiro, do amor descomplicado e brasileiro, da mátria sensual de sangue misturado e bunda grande. Merda!

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