Se bem prestei atenção à aula que não assisti, depois da invenção do micro-ondas, uma pipoca que dispensasse óleo para estourar na panela seria a vanguarda do atraso.
Já o atraso da vanguarda são alguns blogues, como este: mídia supostamente alternativa (aliás, antes, mídia supostamente mídia) que, vira e mexe, fala de notícia velha.
Semana passada, a Veja trouxe na capa um par de pés, com uma etiqueta dizendo “volto já” pendurada num dos dedões, aludindo à vida depois da morte.
Pés simbolizam morte e vida, Severina (seu perdão e sua benção, João Cabral). A geração que chegou na Terra dez anos antes da minha, que tirou da bicicleta e do bambolê meus companheiros de berçário, Rock’n Roll e Bossa-nova, e os reinventou, nos tais anos sessenta, usava a mesma imagem da capa da Veja da semana passada (sem a etiqueta do “volto já”), só que para representar o Amor Livre – que nasceu e quase morreu pisoteado em uma poeirenta Woodstock. Pés entrelaçados ou alternados ou lado a lado ou sobrepostos embalavam Amor Livre em seu berço, de onde ele mostrava amorosos e pacifistas indicadores e dedos médios das mãos em vê, supostamente alienados de outros vês, que eram vistos a arrotar sangrentas e enganosas vitórias.
Pés de bebês são sempre gordinhos, fofinhos, parecem pãezinhos onde gostaríamos de passar uma manteiguinha sem colesterol e comê-los. Acabamos por deixar nosso canibalismo a pé e preferimos agasalhá-los, com botinhas que só as avós conseguem fazer.
Pés que sempre nos assustarão – expostos, agora, são os dorsos, não suas bases - são os pregados nos pés de uma cruz. Quantos outros pés pregados nos pés de outras cruzes, antes, ao mesmo tempo e depois daqueles, há? Quantos se encontram impedidos de andar e amar por aí ?
Pés às vezes rurais, outras, urbanos, são às vezes conexos e outras, não, à pergunta acima.
Pés sujos, infantis e adultos, desnudos, debaixo de viadutos. Por quê? Por quem? Medrosos, corremos com os nossos a buscar pelos de nossos amores, para que a eles se misturem, entrelaçados ou alternados ou lado a lado ou sobrepostos.
Pés são nossa contra-capa; nosso verso; nossa poesia. Somos bípedes: a vanguarda - mas metemos os pés pelas mãos.
As cócegas nos salvarão. Mas, se não houver quem as faça... Façamos graça.
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