2.18.2006

SEGUNDA PARTE:

UMA BREVE REVISÃO DA CRONOLOGIA GENEALÓGICA DA DINASTIA, PARA DEPOIS SE CONTAR EM DETALHES A REVOLUÇÃO BRASILEIRA DE MENTALIDADE DE 2017

- TRÊS: POR PARTE DA MÃE –

(4) O que foi que o General – quando ainda era Coronel – viu:

- A Inteligência do Exército, que vem se revigorando com o passar do tempo, de vez em quando entra em seara alheia. Por exemplo, na da Polícia Federal. Vínhamos acompanhando aqueles arremedos de espiões havia algum tempo. Sua reação, senhor Ricardo, foi muito adequada; o senhor soube tourear aquela gente. E foi por acaso que, atirando no que víamos, acertamos no que nem sabíamos que existia. Eles se isolaram no meio do nada na Chapada dos Veadeiros, formaram uma comunidade. Você entra, lê, pergunta, ninguém responde nada. Pra começo de conversa, não há conversa – nem uma única palavra: é o silêncio mais organizado que já vi. Entrei lá sozinho, na trilha, meus ajudantes se perderam de mim. Apareci fardado, portando um facão na mão para abrir uma picada e, na cintura, uma pistola automática. Uma menininha lourinha, com uns, sei lá, treze anos de idade, parada à minha frente. Associei aquilo com o tráfico de drogas, os meninos nos morros portando pistolas e fuzis, comunicando-se com os postos mais altos, informando a chegada de um intruso, metendo medo nele. A garotinha não portava arma alguma; apenas me olhou nos olhos firmemente, como se aquilo tivesse sido ensaiado, ou então como quem já está acostumado a encarar um invasor somente olhando nos olhos dele. Depois foi chegando mais gente, ninguém portando arma. Pertinho dali, a reserva indígena, dos avá-canoeiro. Se Dona Rita houvesse continuado com as pesquisas dela, teria achado esse povoado antes de mim. Lá dentro, tem de tudo: branco, preto, mulato, cafuzo, e não dá pra saber que língua eles falam – porque eles não falam, simplesmente não dizem uma palavra, pode perguntar você o que quiser. Sou um soldado, treinado – e, quer saber?, tive que servir à ditadura, sim senhor, com dezoito anos, 1976, um ano após a morte do Vladimir Herzog, eu tenho certeza de que o senhor, estudioso como é, sabe de quem estou falando; e de que época; que tempos! Sou um soldado, acostumado a enfrentar o inimigo, acostumado a fazer até o que eu nunca tive vontade nem convicção de fazer. Faço parte da Inteligência do Exército, conheço todas as manhas e artimanhas. E não consegui arrancar uma palavra que fosse daquela gente! Me ofereceram chá – acredita? Chá, biscoitos feitos lá, verduras, carne, sim senhor – nada lá é proibido. Uma aguardente muito saborosa, que não é de cana e não sei do que é, me ofereceram – sem dizer nada, só me mostrando a garrafa e o copinho. Bebi um pouco e dormi, no meio do mato, sem medo de cobra nem de onça, sem ser ameaçado nem por uma nem por outra. Acordei sozinho, perto da estrada, já não tenho certeza se sei voltar lá. Que lugar, rapaz! Que gente! Que diabos de sociedade construíram lá? Gente é igual em qualquer lugar, bom e mau caráter se revelando mais num, menos no outro, às vezes tudo de ruim num só ou meia dúzia, às vezes tudo no outro. Mas... o silêncio! Que silêncio impressionante! Já pensou, seu Ricardo Coração dos Outros de quinta geração, viver em absoluto silêncio? Num mundo sem palavras? Como viveria um escritor num lugar assim? Talvez bem, talvez bem; a palavra escrita deve circular por lá, não é possível que não. Mas como, se não existe a falada? Ou foi só uma farsa, naquela tarde-noite? Será que eu delirei? Acho que não.

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