2.14.2006

IDA E VOLTA A BRASÍLIA

Ele acordou de madrugada, tomou banho, vestiu-se no escuro e partiu para o aeroporto, não sem antes dar um beijo desajeitado no rosto dela, que, dormindo, respondeu algo parecido com Vai com Deus. Dirigiu na cidade ainda no escuro, naqueles momentos em que vícios e virtudes, assassinatos e paixões, sonhos e pesadelos, espancamentos e apedrejamentos não podem ser vistos; quando só se expõem umas poucas freadas bruscas, algumas colisões mortais, um cachorro vagabundo, um corredor insone, um mendigo. Encarou a fila do check-in, esperou pacientemente a emissão do cartão de embarque, tranqüilizou-se ao saber que não ficaria em um assento de meio, desajeitado, espremido, incomodado. Tomou café com pão de queijo, foi para a sala de embarque, embarcou.

No avião ouviu os discursos de praxe, dormitou um pouco, acordou com o próprio ligeiro ronco. O comandante disse qualquer coisa como “nosso estimado de pouso”, referindo-se ao horário previsto para pousar em Brasília. No chamado “procedimento de descida” – viajante contumaz, freqüente, no mínimo semanal –, resolveu prestar atenção ao que a aeromoça dizia: “Afivele o cinto de segurança, retornando o encosto da poltrona para a posição original e mantendo a mesinha da poltrona da frente travada.”. E se alguém, algum dia, realmente tentar fazer as três coisas ao mesmo tempo?

Brasília – era fevereiro – manteve-se com boa umidade mas sem chuvas, temperatura amena, exceto na reunião de que participou. Viera para isso; fazer o quê?

Não há tempo nem espaço para contar o dia dela como foi, fica para uma outra vez, mas foi um dia bom, com alguns momentos difíceis, intensos, a vida profissional anda muito corrida, as pessoas, muito nervosas, todos se cobram muito e aos outros também, o trânsito andou um pouco parado em alguns momentos, crianças na rua se fazendo de malabaristas, quem foi que ensinou isso a elas e pra quê?, a maior das burrices, a exclusão, o mar aliviou um pouco isso tudo, é doce morar no mar, perto do mar, em cidade litorânea.

Ele voltou no vôo das vinte e vinte e oito, com vários políticos a bordo. Nesse horário costuma sentir-se enjoado, mas sem vomitar; com sono, mas sem dormir; entravado, preso, cansado.

No saguão do aeroporto viu sua imagem refletida: era agora uma cama de armar barata, que desarmara entre a parede e o guarda-roupa de um quarto vagabundo, com cheiro de tábua de passar. Vive assim até hoje; nunca mais se reencontraram.

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