2.20.2006

O NOME DELE

O NOME DELE

Ele pouco sabia da empresa e seus chefes. Tinha perfeita noção do seu anacronismo – um negro de carapinha branca uniformizado, pilotando um elevador movido a manivela, com portas corrediças de madeira envernizada - como as paredes -, o grande espelho atrás de si, seu banco giratório de madeira almofadada em vermelho.

Começou pilotando aquilo quando havia um ventilador preso a uma das paredes. Naquele tempo, conhecia muito bem o chefe – aliás, o dono -, que subia e descia com ele diariamente e com ele conversava. Quando o dono estava com alguém, podia ouvir um pouco da conversa, aos sussurros trocados entre o chefe e quem o acompanhava, ou dela participar, sendo, inclusive, consultado. Por exemplo, se sapatos de cromo alemão ainda combinavam bem, se deveriam ser usados ou não.

Agora era diferente. Sabia que quem mandava chegava de helicóptero. Não havia mais ventilador; seu veículo era, agora, climatizado. Através dos anos pode perceber, no sobe e desce característico da sua profissão, que sabia não existir mais, a não ser ali, só a dele e para ele e naquele lugar, que o dono já não aparecia. Vieram americanos, franceses, africanos, árabes, japoneses, baianos, chineses, todos quase sempre acompanhados por alguém que concordava com tudo que eles dissessem.

Agora era ainda mais diferente. Seu transporte passou a ser um prêmio solitário. Quando um dos chefes – assim eles os imaginava – precisava pensar em solidão, não era no banheiro que se trancava: apertava o botão daquele elevador - o único do prédio – e da cidade – a operar comandado por uma pessoa presente o tempo todo - e ordenava: “Garagem”. “Térreo, por favor”. “Terraço – e, depois, térreo; térreo, não: sub-solo. Terraço outra vez e, depois, décimo. Foi no décimo que entrei, não foi?”.

Havia outros que ele tinha toda certeza – a de quem leva pessoas há muitos anos para cima e para baixo –que não eram chefes, mas, como podia perceber um certo sorriso em comum naquele tipo de indivíduo, – que freqüentemente usava saias ou, de calças compridas, seios - o mesmo de certos acompanhantes do dono de outrora, aos quais ele costumava convidar para subir ou descer no elevador em sua companhia – a qual, por si só, já era um prêmio, sinal de reconhecimento, antecipação de bom futuro -, sabia ser um prêmio o que trazia àqueles e aquelas sorridentes a companhia dele, silenciosa e profissional, porque a do chefe de antigamente tudo indicava já não ser mais possível.

Ele era a atração do prédio, da firma, do poder constituído ou em formação: um ser obsoleto, comandando um equipamento obsoleto.

Havia típicos espertos, que entravam ali sorrateiros, fingindo auto-confiança, comandando, terceiro, quinto, décimo, terraço.

Até que, um final de tarde, alguém que não conseguiu decifrar - se chefe, sub-chefe, puxa-saco, aspirante ou aventureiro - ordenou-lhe:

- Inferno. Depois o céu. E a realidade - por favor.

E o elevador andou sozinho, sem precisar que ele girasse a manivela, abrisse as portas de madeira envernizada com as mãos, ambas livres para fazer juntas seu sinal cortês, tão dele próprio e inseparável, mostrando que o andar pedido havia chegado, por aqui, por favor, seu andar é este.

Depois da cortesia, saiu caminhando a exibir seus sapatos de cromo alemão. Só ficou em dúvida aos olhos de quem: se da divindade, perversidade ou neutralidade. O que seria pior?

Jonas era seu nome; a baleia que se danasse.

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