2.25.2006

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS:

SEGUNDA PARTE:
UMA BREVE REVISÃO DA CRONOLOGIA GENEALÓGICA DA DINASTIA, PARA DEPOIS SE CONTAR EM DETALHES A REVOLUÇÃO BRASILEIRA DE MENTALIDADE DE 2017

- TRÊS: POR PARTE DA MÃE –

(4) (o último da cronologia:) O longo trajeto da chegada da mãe de Rita

A trajetória de chegada ao mundo da mãe de Rita foi tão longa quanto a de qualquer contemporâneo seu. Nada de novo – apenas para o menino Ricardo VI, com sete anos em 2010.

Ricardo VI não entendeu bem aquela história da pirâmide dupla, sua mãe lhe dizendo do mistério da ancestralidade, para cada ser uma cadeia imensa de casais, dois pais, quatro avós, cada um deles com pai e mãe, já contava oito, que, por sua vez, tiveram seus pais e suas mães, dezesseis, trinta e dois... De cima para baixo, um casal tem quatro, dos quatro, três procriam, um faz dois, ou três, outro dezoito, dos dezoito, quinze têm muitos filhos, uma filharada, uma netada, populando o mundo, gente fazendo gente, gato fazendo gato, cachorro fazendo cachorro, cobra fazendo cobra, mosquito fazendo mosquito, micróbio fazendo micróbio, macaco fazendo macaco. Aí pensou, em voz alta:

- Sou filho de Deus, mas descendo do macaco. Aliás, de uma grande macacada.

Rita andava exagerando um pouco nas doses de uisque que dera para beber naquele ano – pararia na terceira crise de vômitos e enxaqueca de dias inteiros - e, assim, a explicação veio um tanto confusa para o filho. Afinal, foi ela quem teve que contar a história da sua genealogia para o menino, de modo a satisfazer sua curiosidade, despertada pelo pai, que só queria se ensimesmar com os assuntos que tivera com o Coronel Fernando (que, mais tarde, sete anos depois, ficaria conhecido como O General). Ainda não havia as pastilhas multilingües; Rita falava um pouco em Inglês, um pouco em Português – nas piores partes da narrativa, pois, se normalmente, seu sotaque já não ajudava, o efeito de uns uisquinhos a mais obrigava o garoto a verdadeiros exercícios mentais.

Traduzindo a gravação feita por Ricardo VI e sem qualquer tentativa de aferição – pois nenhum interesse há em precisões genealógicas nessa narrativa, tão somente o de permitir que se perceba um pouco mais de alguns dos indivíduos com alguma relevância na Revolução de 2017 -, o que se pode contar é o seguinte.

Sarah Shaw Almanendez Chermont – este o sobrenome da avó de Ricardo VI. O Chermont já se sabe de onde veio, como anteriormente narrado. Shaw é sobrenome irlandês e Almanendez é espanhol – nada mais óbvio. O problema é que Rita quis encontrar seus antepassados principalmente na época dos primeiros espanhóis que se aventuraram nas costas do sudeste norte-americano, acompanhando Alvarez de Pindea, que descobriu a foz do Mississipi em 1519.

Onde hoje fica Nova Orleans, reconstruída após a tragédia de 2005, causada pelo furacão Katrina, que desnudou algumas varizes americanas, umas sociais, outras de postura de governo, havia uma vila indígena: Tchoutchuoma. Quando a expedição de Hernando de Soto descobriu o rio Mississipi e o desceu em direção ao México, entre os anos de 1541 e 1543, Tchoutchuoma já não existia mais. Supõe-se, na família da mãe de Rita, que foi nesta época que chegou ao continente americano o primeiro Almanendez.

Rita queria se convencer – mais que ao filho – que seu primeiro antepassado a chegar nas terras que, em 1682, com a expedição de Cavelier de la Salle, viria a ser batizada como Louisiana (e a cidade desaparecida em 2005, Nouvelle Orleans), seria um dos três heróicos náufragos que acompanharam Álvar Núñes Cabeza de Vaca, sobrevivente de um naufrágio, na sua incrível caminhada, nu em pelo, da Flórida ao México. Ocorre que, em 1542, Cabeza de Vaca estava na América do Sul – mais precisamente nas cataratas do Iguaçu. (No dia 31 de Janeiro daquele ano, em um canoa; deparou-se com as cataratas e gritou: "Santa Maria, que beleza!".) Sua caminhada pelo continente ao norte do hemisfério se iniciou em 1527, e ele e mais três pelados só reapareceram na Espanha oito anos depois; e foi da Flórida – separada da Louisiana por Alabama e Massachusetts - às imediações da cidade do México. Há, portanto, impossibilidades tanto temporais quanto geográficas nas suposições da família de Rita, e dela mesma, quanto a descender de um dos poucos desbravadores pacíficos de seu país e seus vizinhos, que chegou a ser tido como xamã por indígenas norte-americanos com os quais se relacionou (seu relato da sua viagem ao sul do depois português Brasil até terras atualmente paraguaias já descreve embates com algumas tribos sul-americanas).

Em compensação, Rita foi perfeitamente capaz, depois de vomitar um pouco, de descrever ao filho alguns dos feitos da família da mãe dela. Citou um advogado de pobres da Nova Orleans dos mesmos tempos da adolescência de Louis Armstrong, dois professores, um escritor e um engenheiro; mencionou uma tia chefe de cozinha, uma cantora e uma prima da sua mãe que é médica, a quem Ricardo VI conheceu, naquela estada em Orlando, onde passara a morar a família de Rita - sua cidade natal; falou de um trisavô fazendeiro que deixava seus escravos fugirem; e de uma romântica história de amor entre os pais dela, e nesse ponto Rita ficou muda.

No Rio, viu uma foto imensa de Pixinguinha ao lado de Louis Armstrong, os dois já com alguma idade, os dois negros, bons, músicos e seus instrumentos, seus sorrisos e lábios mudos e generosos, sua proximidade. Emocionou-se e pensou “Como eu e Ricardo estamos distantes”.

Já de volta, em casa, em Minaçu, em uma noite quando soprava uma brisa, o marido e o filho dormindo, Rita saiu de seu quarto vestindo somente uma calcinha. Bebeu água na cozinha, olhou-se no espelho da sala, desvencilhou-se da calcinha, jogou seus cabelos para trás. Ricardo V surgiu na soleira da porta para o corredor, admirou sua mulher ruiva apaixonadamente, abraçou-a; passou a crise que perdurava entre os dois, amaram-se no chão, tal e qual foram flagrados pelo filho, que não compreendeu o que viu mas percebeu que não estavam brigando, aquilo era um abraço, não era briga, não, que voltou ao seu quarto e dormiu outra vez.

Profundamente.

Nenhum comentário: