2.04.2006

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS:

UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU
Romance Inédito de Mario Benevides
Brasil, 2005 / 2006

SEGUNDA PARTE:
UMA BREVE REVISÃO DA CRONOLOGIA GENEALÓGICA DA DINASTIA, PARA DEPOIS SE CONTAR EM DETALHES A REVOLUÇÃO BRASILEIRA DE MENTALIDADE DE 2017

- TRÊS: POR PARTE DA MÃE –

(2) O Café da Manhã com o General

- O senhor me chama de general, mas sou coronel.

- Desculpe, é que não sei distinguir fardas, quer dizer, seus sinais, suas convenções, seus... Desculpe, não foi por mal – explicou-se Ricardo V.

- Não há de quê. Não sei ainda se vou chegar a esse posto, o de general. Quem sabe, só na reserva.

Na véspera, o General – que ainda era e continuava sendo na manhã seguinte Coronel – começara a falar do lugar estranho que conhecera, perto de Minaçu, onde teve contato com um silêncio coletivo. Mais que isso – ou menos ou tanto quanto – significativo. Aflitivo! Encontrara a palavra em algum momento da conversa. Ricardo V, porém, não conseguiu prestar atenção na medida necessária ao que o militar dizia; arranjou, então, de convidar aquele que viria a ser uma das principais personagens da revolução de 2017 a tomar café com ele, no hotel onde estava hospedado, com Rita e o filho deles, Ricardo VI.

Quando chegou ao quarto do hotel para dormir, foi um mal estar tremendo. Ricardo V, que pouco bebe, chegou tonto e confuso do jantar. Rita estava acordada, com um copo de uisque nas mãos, sem gelo, mas meio aguado. O menino Ricardo VI dormia. Ricardo V arrancou do corpo a roupa que usava e jogou-a aos cantos, no chão, em um resto de poltrona, já parcialmente ocupada por roupas da mulher, Rita, e irritou-se com isso, com a desorganização, ao mesmo tempo em que precisava dela, da desorganização (do abandono, do esquecimento). A conversa com o General (que ainda não o era) fora perturbadora, ainda ou porque incompleta. Despertou na manhã seguinte ligando para a agência de viagens adiando por um dia a ida da família para os Estados Unidos, à revelia e sob protestos veementes da mulher e do filho, uma dor de cabeça desagradável, insistente, uma espécie de isolamento acústico entre crânio e cérebro, um incomodamento na nuca, nas têmporas, uma irritação, tudo à flor da pele, à beira da exaustão. Avisou, então, que tomaria café com o General (assim ele o percebia).

- Eu e seu filho, ficamos no quarto, escondidos? Com medo desse General?

- Claro que não – Ricardo V respondeu à sua mulher.

- Vamos todos tomar café com ele? – quis saber Ricardo VI.

- Não, não dá, filho, é preciso que eu saiba, afinal, do que é que o General quer falar comigo, que história é essa, de comunidade secreta em Minaçu.

- Secreta? Em Minaçu? – perguntou Ricardo VI.

- Perto, perto de Minaçu.

- Onde? – quis saber Rita. A resposta de Ricardo V foi mal-humorada, típica de quem está inquieto, inseguro, aflito, tudo agravado por uma ressaca, mas nem tanto.

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