4.17.2006

SEU LINO MORREU E MEU LIVRO ACABOU

Seu Lino morreu. Se você é o persistente leitor das reincidentes visitas a este blog, sabe de quem estou falando. Seu Lino estava com cento e quatro anos. Todos os longevos dos quais se tem notícia apresentam semelhanças: alimentação muito diferente do receituário da moda, bebida alcoólica citada e moderada, amigos sim mas autonomia antes que seja cedo e... Relógio de pêndulo. Quem dá as horas é o pêndulo; quem as avisa, o cuco; quem as determina, o dono do relógio. Os ingredientes complementares são água, terra, fogo e ar. Seu Lino teve tosse, que rapidamente virou pneumonia; disse que queria comer camarão e comeu; foi para o quarto, deu um adeusinho – expressão dos de sua geração e de outras um pouco mais recentes, mas gesto, nele, inesperado – deitou-se, virou de lado e, no dia seguinte, acordou. Despertou do lado de lá, depois de cento e quatro anos do lado de cá. É assim que se vive. É assim que se morre.

Meu romance “A dinastia de Ricardo Coração dos Outros” acabou. Na verdade, acabará no próximo Sábado. Seu final já está guardado na máquina de escrever alemã Olympia que herdei do meu pai, na qual ele escrevia para minha mãe todas as vezes em que ela viajava, na mesma em que ela traduzia livros do Inglês, máquina onde escrevi textinhos e poeminhas para amigos e namoradas, que hoje é objeto de decoração e lembrança, e é na lembrança das suas teclas que pré-escrevo o que quer que escreva: é nelas onde já escrevi o final que escreverei de fato em teclado e tela de computador para publicar no blog no próximo Sábado, 22 de abril de 2006. Qual será o lado de lá do meu livro? E deste glorioso tanto quanto botafoguense blog? Do livro, o próximo passo será a busca do passado – não o da máquina do meu pai, mas o das letras impressas em papel, livro de se levar em viagem, ao banheiro, à estante, de se perder no banco do ônibus.

Se será bom de ler, aí já é outra história.

E será de outra história que viverá este blog.

Um abraço, Seu Lino. Não tive o prazer de lhe conhecer pessoalmente e sim por meio de seu neto, motorista de táxi, que hoje de manhã me disse da sua morte. Não tenho religião e tenho entretanto a certeza de que o senhor lerá esta crônica.

Se o senhor vai gostar...

Aí já é outra história.

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