4.16.2006

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS:

UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU
Romance Inédito de Mario Benevides
Brasil, 2005 - 2006

TERCEIRA PARTE:
A REVOLUÇÃO

- SETE –

Depois do silêncio, algumas pessoas se retiraram; outras ocuparam seus lugares. Um deputado fez um discurso em tom antiquado, de palanque; mais silêncio. Ricardo V desandou a escrever em seu palm-top com teclado e tela virtuais. Pediu licença para projetar o que havia escrito. O deputado ainda falou por muitos instantes, até que se calou e sentou-se. A platéia permaneceu em silêncio, que só não era absoluto por causa do entra e sai de pessoas no anfiteatro e do corre-corre de profissionais da mídia e da segurança.

O que Ricardo V escrevera, projetado em ampla tela de ultra-máxima definição levada aos olhos de cada um dos presentes via “perfect-vision”, dizia o seguinte:

“A reunião perdera o sentido. O único efeito que dela ficou foi ter vazado, como disse o General, e com isso, parte do silêncio foi rompido. O pronunciamento de Dona Eduarda calou fundo na mente dos políticos profissionais – o que, a princípio, pareceu não ser verdadeiro. Terminada a reunião, lideres da política profissional reuniram-se dias a fio, reestruturando propostas de reformulação da prática política que se encontravam engavetadas, guardadas em mídias das mais diferentes gerações tecnológicas, para depois apresentá-las à população. Riscaram de vez de seus discursos a palavra “povo”, que sempre dera a impressão de que o povo fosse uma coisa à parte deles, os políticos, e delas, as elites culturais e sócio-econômicas. Povo era sempre empregado com fins demagógicos em seus discursos – deles, os políticos profissionais, os quais assim admitiram. Povo, não; população, sim. Propuseram uma administração em condomínio, onde exerceriam suas outras atividades econômicas às claras, dedicando apenas parte do seu tempo à prática política. O Executivo e o Judiciário deveriam continuar trabalhando com dedicação exclusiva, eles pensavam, mas o Legislativo, afora estudiosos do arcabouço e detalhamento do permanente pensamento das leis do país, deveria exclusivamente se reunir para apresentar e discutir propostas, tomando decisões de interesse público, maior para o funcionamento do país, sua economia, sua ecologia, sua gente. As campanhas passariam a ser sempre por colegiados, despersonificando-as o mais que fosse possível, buscando, antes de tudo, saber, de perto e a contento, metódica e sistematicamente, o que, afinal, os indivíduos da população queriam da política, do Estado e das empresas. A consciência de que políticos são empregados da população – e não o contrário – finalmente se estabeleceu. Antropólogos, psicólogos, psiquiatras, mães, avós, avôs, pais, adolescentes e artistas foram convidados a formarem núcleos para rediscussão do interesse pelas drogas, que já começava a ultrapassar novamente o controle da oferta pela saúde pública para viciados em programas de superação do vício e o que era possível de conviver à vista grossa, como ocorria no resto do mundo, e ao jeitinho brasileiro, nas esquinas, calçadas, residências, escritórios, igrejas, bares e repartições. A necessidade de repensar e re-projetar cárceres era premente. Não admitir que a Amazônia e reservas indígenas fossem desprotegidas a ponto de dar oportunidade a potências estrangeiras de proporem administrá-las em bloco era consenso nacional. Inclusão social todos os dias passou a ser prática corrente de Estado, empresas e indivíduos. Assistencialismo, nunca mais. A tecnologia foi invadindo saudavelmente assentamentos e fazendas, propiciando oportunidades e não tirando empregos. Irrigação por gravidade foi sendo substituída pelo que há de mais econômico e eficiente em todas as regiões rurais produtoras; a repartição de bens como a água foi resolvida racionalmente – e não demagógica ou imperativamente. A mídia passou a perguntar – e não a importar, adaptar e impor – o que, afinal, a sociedade queria ver e ouvir, como gostaria de se divertir e de ser informada – e, principalmente, do que cada indivíduo gostaria de ser informado. Deslizes, desonestidades, equívocos na política e no convívio da sociedade continuaram a acontecer, mas vigiados de perto, desprezados em forma e conteúdo pela população, punidos, corrigidos, rápida e eficazmente. O Brasil não estava se tornando uma potência – mas eliminando em ritmo acelerado o fosso social e deixando de permitir que se instalasse coletivamente o desânimo que Lima Barreto conferiu a Policarpo Quaresma nas últimas páginas da biografia deste, cuja vida foi vivida nos últimos anos do Século XIX, e que tantas vezes tornara a se instalar na alma brasileira ao longo da história do Brasil, até esses dias de 2017. Desânimo nunca mais; imposições nunca mais; demagogia nunca mais; corporativismo nunca mais; inclusão, progresso econômico, financeiro e social, sempre. Democracia sempre. Esclarecimento sempre. Cultura, educação, capacitação – sempre. Assim foi.”

A platéia leu aquelas palavras projetadas bem perto dos seus olhos, permaneceu em silêncio mais alguns instantes, até que um homem visivelmente humilde e ligeiramente embriagado levantou-se e disse, alto e bom som:

- Assim seja!

Todos ficaram de pé; Sérgia desceu com Ricardo V e o General para juntarem-se a Rita e Dona Eduarda dentre a audiência. A frase do senhor humilde e gentilmente bêbado foi repetida coletivamente, unissonamente:

- Assim seja!

Todos voltaram os olhos para os políticos presentes – deputados, senadores, o Presidente da República. Este tomou a palavra e declarou:

- Assim será.

E baixou a cabeça.

Todos se retiraram. Alguns sorrisos, alguns abraços. Em silêncio.

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