3.21.2006

O OLHO IMITA A LENTE OU A LENTE IMITA O OLHO

Às vezes se está em algum lugar alegre, cheio de gente em volta. Conversa-se com alguém, sem intimidade, os assuntos vão surgindo e, de repente, a conversa se esvai, muda-se de lugar. Há uma outra pessoa que roubou sua conversa, que monopolizou quem conversava antes com você – que ficou só, na cabeceira da mesa do bar, sem ouvir direito o que os dois conversam. De vez em quando você olha para os outros que estão compartilhando a mesma mesa. E você mira a cena, olha em perspectiva os olhares, trejeitos, quem fuma e quem rói as unhas, quem sente uma súbita e irresistível coceira. Uma gargalhada.

Você volta a perceber os dois que estão próximos, um de cada lado, você, na cabeceira. A conversa segue aos sussurros, você tem vontade de propor uma troca de lugar, há alguém interessante do lado de um deles, mas eles não param de sussurrar, não lhe dão chance de fazer nenhuma proposta. Quer intervir, participar, mas acha que não fica bem. Pensa em ir para o outro lado da mesa, mudar de cadeira, mas as outras conversas parecem estar tão íntimas e exclusivas quanto esta que está tão perto de você – que fica parado, não consegue mais se mexer, não tem oportunidade de se expressar, só pode observar. Nem o garçom se aproxima para lhe salvar. Aliás, agora lhe deu uma sede tremenda, onde uma cerveja?, pelo amor de Deus!, agora uma fome súbita, irresistível.

A conversa dos dois de repente íntimos e exclusivistas se torna um pouco mais clara aos seus ouvidos, você entende perfeitamente o que eles dizem, e eles falam em Francês. Todos falam Francês, e você, não. E daí? Se falassem Português, a sensação seria exatamente a mesma. Inglês, e nada mudaria.

Você vai ao banheiro. Quando volta, a cena permanece a mesma. Quem fumava com mistura de sofrimento e graça continua fazendo a mesma coisa: sim com a cabeça, um sorriso soprando fumaça para baixo, olhares sonhadores. Quem ruía unha agora penteia e despenteia os cabelos com os dedos longos. A coceira de quem se coçava já não é mais súbita; fica indo e vindo, em movimentos agora vagarosos. Os dois mais próximos da sua mesa continuam sussurrando.

Você filma; e mais nada. Filma com os olhos, a imagem ficará somente em sua memória, na de mais ninguém.

Num instante, a imagem passa a se modificar ao seu gosto, sem nenhum comando ou movimento. Você gosta dos olhares, do ambiente ligeiramente enfumaçado, logo você, que não fuma e tem alergia. Percebe o Francês falado sussurrado aos seus ouvidos e sem tocá-los, tem vontade de comentar, fica mudo, distorce as palavras para si a seu gosto. Alguém pede a conta e paga; era isso o que você queria.

Parabéns, diretor.

Nenhum comentário: