3.06.2006

CADÊ O ÔNIBUS

Uma poesia sem verso, espalhada em prosa, solta em frases curtas e longas, pontuadas com vírgulas e pontos, espaçando-se ao longo de parágrafos, que não falava de amor nem de morte, falava da vida, inclusive e principalmente da alheia, mas, sim, falava da vida, nos morros, asfaltos, calçadas, apartamentos, mansões.

Procurava compreender o porque da diferença de apartamentos, mansões e bancos de praça, evitando para isso a rima, fugia da métrica como quem foge da polícia.

Deixou para trás, como já dito, o verso e, conseqüentemente, as estrofes, substituindo-as por formais parágrafos.

Examinou alguns lares, lares desfeitos, recém-construídos outros, alguns idosos, solitários, unidos, vizinhos, clandestinos, em suspiros de amor e de morte, embora tivesse tentado evitar esses temas tão complexos.

Quisera ater-se no concreto não do verso mas da existência, pecúnia, peculato, pederastia, pedofilia, predisposição, resfriado, gripe, matrimônio, separação, virgindade, estupro, assassinato, fortuna e miséria, dor de barriga, azia, dor de cabeça, enxaqueca, calcinha, sutiã, cuecas penduradas em um varal de subúrbio, cachorros magros e seus latidos afônicos, uma limusine.

Entretanto, o que acabou acontecendo foi uma crônica, gênero tão desprezado e ao mesmo tempo tão presente, todo cronista corresponde-se com seus leitores, a crônica é o bate-papo à distância, um cafezinho ao telefone, um chope de aeroporto, um vôo perdido, um novo sonho esperando o próximo.

Uma poesia sem verso
espalhada em prosa
solta
em frases curtas e
longas
pontuadas com vírgulas e pontos
espaçando-se
ao longo de parágrafos
que não falava de amor nem de morte
falava da vida principalmente alheia
falava de amor
falava de morte.

E era só uma poesia, poeminha de se guardar na gaveta, crônica de se ler no ônibus, cadê o ônibus, a cidade comeu o ônibus, o futuro engoliu a cidade, a cidade levou junto a gaveta, só ficou a crônica

Da poesia
Saudosa do verso.

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