3.17.2006

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS:

UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU
Romance Inédito de Mario Benevides
Brasil, 2005

TERCEIRA PARTE:
A REVOLUÇÃO

- TRÊS –

Aquele movimento sem nome e sem rosto provocou um retrocesso no tempo: mídia e seus anunciantes foram para as ruas distribuir panfletos oferecendo programações e produtos, em pleníssima era das ultra-telecomunicações, televendas, tudo tele - longe, tecnológico, impessoal.

O Exército mobilizou-se; sem saber contra quem. As tropas estavam lá, nas ruas. Depois, foi a vez da Marinha: mares de frente para as praias tratadas para manter a poluição em níveis aceitáveis, com suas porções reservadas à geração de energia e à sua conversão em água para consumo, além de suas reservas para assinantes, passaram a vir boiarem sobre si embarcações circunspetas, nada esportivas, até agressivas, desde que assim decidissem ser vistas. Jetsons militares passaram a sobrevoar todo o território brasileiro, além de equipamentos bem mais aparelhados e específicos, ruidosos ou não, dos maiores aos menores.

Depois de décadas apregoando que todo e qualquer empregado de toda e qualquer empresa era, antes de tudo, um vendedor, as empresas mantinham seus departamentos de vendas, ainda que com os mais variados nomes. Isso somado àquela onda de silêncio – que, na verdade, se baseava, antes de tudo, sem que se soubesse ainda porque, no absenteísmo do acesso aos veículos de comunicação de massa e de intercomunicação – causou a demissão de quem trabalhava diretamente em vendas. Os demais – vendedores acessórios, por assim dizer – mantinham suas atividades, inclusive a de tentar descobrir o que estava acontecendo e o que fazer para projetar o futuro. Mas todos faziam parte do dito movimento sem rosto e sem nome.

Naquele momento, Cidade do México e Minaçu pareciam-se imensamente – na distância do mar, no ar seco, no aspecto indígena de suas populações, e o mais espantoso: no silêncio.

Nova Iorque era silenciosa, como o era – e sempre foi – a população de Pequim.

Copenhague era diferente, porque sempre o foi; mas a semelhança para leigos desavisados dos trajes de algumas de suas louras com os de algumas louras norte-americanas não-nova-iorquinas – não só trajes, mas posturas, maneira de se expressar – acentuava-se.

E os que distribuíam arcaicos panfletos de propaganda, implorando para que todos voltassem a sintonizar redes, toda a imensa e multifuncional conexão ultra-multi-mídia disponível, também faziam parte; seu corpo a corpo era silencioso, embora sorridente.

E era só no Brasil – mas começava a incomodar o mundo.

E a sensação de desconexão foi maior. Depoimentos dos líderes mais importantes da China e dos Estados Unidos bem o demonstraram. Toda aquela momentânea mas duradoura desconexão já traziam, mais que desconforto, evidentemente, prejuízo.

Todas as marchas de protesto que percorreram tão especialmente o Século XX e, já bastante conhecidas na forma e nem tanto em intenção, na primeira década do XXI, passaram a contrastar com aquele espetáculo de indivíduos propondo que fossem aceitos pelos passantes panfletos de papel pelas ruas de cidades grandes e muitas outras de outros portes do Brasil.

Tudo isso, como se sabe, aconteceu há somente três anos. Um batismo do que ocorria ficou gravado na memória de dois amigos. Em conversa ligeiramente embriagada do General Fernando com seu amigo Almir, ambos da reserva (militares aposentados), em uma noite no apartamento do General, este, que geralmente não veste nem pijamas nem qualquer outra roupa quando está em casa, e que houve por bem manter-se vestido naquela noite de uisquinhos, disse assim a Almir:

- É a Revolução do Silêncio.

Em seguida, Almir pensou em silêncio alguma coisa genial de que jamais conseguiu se lembrar, a empregada bocejou e deu boa noite e retirou-se e Almir resolveu despedir-se também e foi para sua casa, a pé, sem medo, com muito sono.

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