3.04.2006

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS:

UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU
Romance Inédito de Mario Benevides
Brasil, 2005
TERCEIRA PARTE:
A REVOLUÇÃO

- UM –

O General Fernando caminhou com seu amigo Almir ao longo da calçada da Avenida Atlântica tal como fez, em 1° de abril de 1964, Carlos Drummond de Andrade, em companhia de Carlos Heitor Cony. Havia várias diferenças entre os dois encontros. Primeiro, em 1964, no dia em que foi anunciado à nação que o Presidente João Goulart fora derrubado por uma assim chamada revolução, comandada por tropas militares, a Avenida Atlântica, em Copacabana, no Rio de Janeiro, ainda não tinha passagens subterrâneas e passarelas aéreas, nem trechos privativos ou pontos de pouso nos prédios para os mini-turbo-helicópteros de hoje, os populares (no nome) Jetsons, por causa de um desenho animado de Hanna e Barbera, dos mesmos anos sessenta do século passado. Aliás, em 1964, nem mesmo havia sido duplicada a pista para automóveis. A rebentação do mar, na infância dos dois generais da reserva, se dava lá longe, para depois as ondas virem se desfazendo, lentamente, até a beirinha, era como via em sua memória o General Fernando, enquanto caminhava com o amigo Almir.

A segunda diferença é que, naquele dia de 2017, nenhum golpe ou revolução fora anunciado; apenas havia um silêncio até então desconhecido pela maioria.

- Depois que você me telefonou, eu tentei descobrir a que diabos de silêncio você se referia. Copacabana continua como sempre foi, alguns investiram na despoluição sonora, outros preferem pagar a multa. Aí foi que percebi, quando liguei a minha tv. Aliás, um modelo novo, você precisa ver, deixa o que o Bradburry imaginou em Farenheit 451 parecendo coisa do tempo das diligências, se é que você me entende. Você leu o Farenheit 451, Fernando? Leu, né. Você é teimoso, Fernando, você se referiu ao silêncio do povo, mas o silêncio do povo está vindo é via televisão, mídia, comunicações. O indicador da assistência que aparece no canto superior esquerdo - que é restrito ao Brasil, claro, vamos frisar -, que costuma indicar alguns milhões para a totalidade e uns bons milhares para cada canal, - até, às vezes, dependendo do canal e horário, uns milhõezinhos – rapaz, mostrava centenas! No total, uns míseros milharezinhos! Você acredita, Fernando?

- O mortal silêncio das tvs – que, na verdade, é o silêncio do povo, que silenciou suas tvs. Pior, muito pior do que aquele silêncio estranho, daquela comunidade de que te falei...

- Eu sei – Almir interrompeu o amigo -, na chapada dos veadeiros, em Goiás. Mas não foi só isso, não.

- As redes – adiantou-se o General.

- Isso! As redes, as duas, a dez a doze e a TPM, tiveram uma queda brutal de acesso no Brasil – justamente o país de suas sedes administrativas; você sabia disso, Fernando, que desde 2014 as redes têm seus headquarters no Brasil, com crise, seqüestro e tudo, sabia, né? -, a mídia eletrônica está tendo um colossal prejuízo nas últimas horas, aqui no Brasil, meu camarada!

- Quem estará por trás disso? A quem interessa esse tipo de boicote?

- Na tv não dizem nada; mas apareceu um deputado, na tv da câmara, dizendo que, aparentemente, só políticos estavam assistindo tv. Disse isso em tom de ironia, mas depois ficou sério.

Fernando balançou a cabeça e disse, Não pode ser, isso não faz nenhum sentido.

- Mas coincidência não é! – disparou seu amigo de fardas, na reserva, aposentado, como ele.

- Se eu acreditasse que fosse coincidência não teria dado o alarme, não é, Almir? Fui eu que liguei pra você, eu tenho um faro terrível pressas coisas.

- Faro, não: ouvido.

Os dois riram. Fernando confirmou:

- É. Ouvido. Depois do silêncio de Almir, Fernando completou o que pensava:

- Pois é, meu amigo. No Brasil, o mundo da informação está em silêncio, informando para ninguém, a não ser uns poucos. Dentre eles, sim, a maioria deve ser de políticos. E uns poucos mais – que, à medida em que o tempo passar, irão se retirando também da frente das hiper-telas e das hiper-redes, das micro-telas de bolso, de seus micro-teclados ótico-sensitivos, engrossando o número de não-assistentes, não-acessantes, não-público, não-consumidores, não-eleitores. Continuarão trabalhando, normalmente. Mas em silêncio. Palavras, só as essenciais.

- Profético?

- Não. Mineiro!

E riram mais um bocado, risada de amigos, velhos amigos.

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