3.13.2006

CUCARACHA

(PARA TERÇA, 14 DE MARÇO DE 2006.)

“Cucaracha / vou-me embora lavar prato nos states / logo agora / que eu me vejo tão somente coração / logo agora / que a orquestra toca essa do Roberto / que eu me vejo baterista rindo à toa / nos teus braços, um artista / logo agora” (de uma canção em parceria com Tião Coelho, engenheiro e compositor).

O Brasil é um país onde um documento dentro de seu prazo de validade não vale. Isso mesmo: se seu passaporte está com menos de seis meses para expirar sua validade, vá à Polícia Federal e não dê queixa nem se queixe, não: tire outro – pois, com o seu atual, você sequer consegue embarcar, para qualquer que seja o país para onde você precisa ou deseja ir.

Para ir ao México, agora, é exigido visto. Claro: virou moda ir pra lá para se juntar a mexicanos desesperados e cruzar a fronteira para o Grande Irmão do Norte. Fizeram uma novela no ano passado sobre o tema, não foi?

E assim vamos nós, brasileiros, mantendo-nos com fama de ilegais, indo embora pros states para trabalhar em atividades que os americanos já não querem mais pra eles. Vamos lá, macacada, virar cucaracha.

Vistos para os Estados Unidos já são negados até para profissionais de nível superior devida e comprovadamente empregados no Brasil, que gostariam somente de visitar Disney World ou Nova Iorque - porque nós não merecemos crédito.

E não adianta dar desculpas, justificativas, explicar que o Brasil não oferece empregos, que é preciso ir para os states lavar pratos porque lá eles pagam em dólar. Fato é que, lá, a classe um dia ou ainda média brasileira não se envergonha de fazer trabalho subalterno, coisas que aqui não quer fazer nem jamais faria, imagina, lavar pratos. Nem pensar em tentar mudar de cidade no próprio Brasil, para buscar um emprego de acordo com suas aptidões, pois “Nova Iorque é aqui / Nova Iorque é ali / Nova Iorque é mais perto que o sertão” (canção de Sá e Guarabira). Cobrar do governo, protestar, exigir redução da carga tributária, eficiência, probidade, tudo mais que gere emprego, ora, nada disso é brasileiro. Melhor passar vergonha lá fora, ser tratado como sub-raça – mas é lá, nos states. “Fazer a América”. Vale para a classe dita média como para a pobre, tanto faz: já é mais uma tradição brasileira entrar e permanecer ilegalmente nos Estados Unidos, até que venha a extradição ou o “paraíso”: o green-card.

Não há governo que dê conta disso, porque essa já deixou de ser questão meramente pecuniária ou de arranjar emprego, ou ainda de dar vazão a um imaginário e romântico instinto aventureiro. Não é aventura jogar carreiras e estudo fora, desistir da própria terra para competir com desgraçados e desgraçadas de outros países, “para aprender Inglês”, “para juntar dinheiro”, “lá é que é país”.

Nem nossos passaportes merecem mais crédito se não estiverem válidos por longo prazo. Caramba!

Não há governo que dê conta, porque não há governo que não seja parecido com seu povo. O político é Deus: ele está no meio de nós. O político é um de nós. Ou melhoramos nós ou nossos políticos permanecerão corruptos, muitos, envergonhados, poucos, ineficientes, vários, indecentes, mais alguns, despreparados, mais ainda, arrogantes, a dar com o pau, covardes, a grande maioria. Ou continuemos a tapar o sol com a peneira, a deixar pra lá, tudo bem, very good, é isso aí, my friend, podes crer, brother, a Califórnia é diferente, irmão, é muito mais do que um sonho: é o pesadelo da discriminação, do faz de conta pros que estão no Brasil que estamos bem pra caramba e não escondidos nas sombras dos nativos, Jimmis, Edwards, Johns, Joes, Marys, Sarahs, Debis, Lailas, babando pelo dinheiro deles, o idioma deles, o que é deles é que é bom, um dia eu volto, rico, pro Brasil, vocês vão ver. Discriminado aqui, ora, discriminado lá - há quem pense assim, quem sonhe assim, quem faça assim; é assim – e pronto. Acabou-se. Tudo por dinheiro – é esse o tempo; é esse o país: Brasil.

O risco Brasil despencou, ultimamente – é o que dizem os noticiários; é o que divulgam as agências que avaliam o risco de se investir neste ou naquele país.

Sim, o risco Brasil caiu. O risco Brasileiro, não.

Nenhum comentário: