1.28.2006

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS:

UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU
Romance Inédito de Mario Benevides
Brasil, 2005 / 2006

SEGUNDA PARTE:
UMA BREVE REVISÃO DA CRONOLOGIA GENEALÓGICA DA DINASTIA, PARA DEPOIS SE CONTAR EM DETALHES A REVOLUÇÃO BRASILEIRA DE MENTALIDADE DE 2017

- TRÊS: POR PARTE DA MÃE –

(1) O Jantar com o General

Foram no restaurante da preferência dos políticos. Pediram um carmenere chileno de preço mediano, para acompanhar carne. O General começou por fazer a seguinte provocação:

- O senhor sabe quem é o político? O político é Deus.

Ricardo V apenas olhou nos olhos do general como um lutador de boxe que ainda estuda o que pretende fazer o adversário. O General explicou sua dedução fazendo voz de padre:

- Ele está no meio de nós.

E continuou o General, agora sem falsear a voz, Ricardo V já de guarda baixa; o jantar não seria uma luta de boxe, convenceu-se disso. Disse o General:

- O político está no meio de nós, é um de nós e é eleito por nós. Se são respeitosos é porque vieram de um meio onde a tônica é o respeito. Se nos desrespeitam é porque percebem mais desrespeito que respeito onde vivem.

- E gostam – interrompeu Ricardo V.

- Claro – concordou o General. E gostam muito.

Ricardo V percebera em Minaçu mulheres fingindo de grávidas para furar filas.

- O ambiente sempre foi porco, General; mistura de força e pequenas corrupções. Ameaças de inferno, inclusive o inferno em vida - prisão sem motivo, tortura, fogueira. Na outra mão, a benção, o indulto, uma paga irrisória, um prato de comida, merenda e leite subsidiados...

O General, aparentemente impassível, enquanto cortava a carne em seu prato quase que cirurgicamente, respondeu:

- Sempre pensei que Marx e Engels acertaram no diagnóstico, mas erraram na receita.

Ricardo V gostou:

- Concordo.

O General mudou o tom, olhou à volta discreta e significativamente, convidando com os olhos que Ricardo V fizesse o mesmo, e perguntou a ele, como quem divide uma fofoca:

- Reparou a quantidade e intensidade dos abraços e tapas nas costas que eles dão uns nos outros? Como todos se tratam pelos seus postos eletivos, “Meu nobre Deputado”, “Como vai, Senador”... Principalmente os de lados opostos, os que passaram o dia a se agredir, situação e oposição? Na verdade, experimentam, medem as costas e diâmetros do outro, querem que o corpo do outro expresse a mente, o pensamento; seu próximo golpe, sua fragilidade ou for-ça.

- O senhor apoiou o golpe de 64?

O General riu, em uma gargalhada contida. Depois:

- Com seis anos de idade? Nasci em 1958, meu nobre escritor!

Ricardo V riu, desconcertado, pensou em insistir, “O senhor teria apoiado, se tivesse idade, aderiria ao golpe, à ‘revolução’?”, mas lembrou-se do assunto que motivara o jantar entre os dois e sentiu mais conforto mudando o assunto:

- O senhor me falou de um local estranho, uma comunidade que...

O General arregalou os olhos, empolgado:

- Isso mesmo! Vamos falar desse lugar, agora. Vamos escolher a sobremesa?

E continuaram a conversa um pouco mais, enquanto, no hotel, Rita assistia a um canal por assinatura sobre antropologia e Ricardo VI dormia, aguardando um pouco mais para conhecer a família da sua mãe, primeiro em sua genealogia, nas vozes de seus pais, depois pessoalmente, quando chegassem aos Estados Unidos.

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