1.14.2006

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS:

UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU
Romance Inédito de Mario Benevides
Brasil, 2005 / 2006

SEGUNDA PARTE:
UMA BREVE REVISÃO DA CRONOLOGIA GENEALÓGICA DA DINASTIA, PARA DEPOIS SE CONTAR EM DETALHES A REVOLUÇÃO BRASILEIRA DE MENTALIDADE DE 2017

- ENTREATOS –

(3)

Quando o autor de “A Revolução Brasileira de 2017” aceitou o convite para comparecer ao fórum “2015 – Começo da Nova Era”, ainda que o General não se tivesse dado conta, já havia no ar o prenúncio da “coisa” que estaria por vir, e que ele, o General, viria a perceber dois anos depois - quando a revolução prevista em 2009 por Ricardo V afinal eclodiu, ainda que com contornos que o descendente do violonista Ricardo Coração dos Outros não enxergara.

Da janela de um dos últimos andares do hotel em que se hospedara, Ricardo V mirava o mar que banhava a orla do Rio de Janeiro, sua cidade natal. Lembrava-se das previsões feitas para aquele ano no início do século. Lembrou-se inclusive de que um certo ministro fizera, daquele 2015, o ano programado para o equilíbrio social no Brasil, tendo sido sarcasticamente ironizado por alguns dos bons humoristas e outros críticos da época, mais no sentido de “Só em 2015, ministro?”, do que propriamente duvidando de seus possíveis dons adivinhatórios, premonitórios ou mesmo de projeção macro-econômica com alguma base científica.

Fato é que a convulsão de 2010 uma vez mais demonstrara que a fama de passividade do brasileiro era – como não poderia deixar de ser – falsa. Não foi um levante, como se bem sabe, mas mostrou que o tão propalado e tão mal combatido fosso social era um permanente estopim. De quantos veículos depredados e queimados, de quantas vidraças quebradas eles vão precisar para perceber nossa desgraça e modificar nossa realidade? – perguntou, de público, um argelino, na periferia pobre da Paris de 2005 -, pergunta que perfeitamente caberia em diversos lugares e épocas do mundo, que dirá no Brasil, de 1800, 1900, 2000, 2005, 2010..., - assim perdia-se em divagações Ricardo V, olhando o mar por trás da vidraça da sua suíte de hotel.

Diferentemente de grande parte das previsões, especialmente daquela do ministro aqui citado e propositalmente não identificado, em 2015, a concentração da renda nacional permanecia pondo em risco um equilíbrio considerado como minimamente desejável por investidores e analistas da sócio-economia; mas não havia nenhum indício de uma nova reação de massas, a não ser um ou outro arrastão nas praias de Florianópolis.

Portanto, que prenúncio existiria, que não fora notado nem pelo General nem por ninguém, naquele ano?: um quase imperceptivelmente organizado silêncio geral. Era o que inquietava – sem que ele, de modo algum, soubesse – a Ricardo V.

Ele deixara Minaçu no vôo fretado pelos responsáveis pelo fórum, vôo aquele já vindo de Brasília, com alguns dos outros convidados a participar do evento, que pretendia reavaliar as previsões feitas na virada do século XX para o XXI, analisar os principais fatos sociais, políticos e econômicos ocorridos nos últimos anos, no globo e particularmente no Brasil, e planejar o futuro, de uma forma que se pudesse alcançar o equilíbrio considerado como minimamente desejável. Escritores, políticos, representantes da mídia, investidores, cientistas sociais, sociólogos, psiquiatras, psicólogos, antropólogos e economistas formavam o núcleo de debatedores. (A mãe de Ricardo V, Sérgia, fora convidada, mas recusara o convite, preferindo viajar com o pai dele para a Dinamarca. De férias.)

Nas vésperas de tomar o avião em Minaçu, Ricardo V conversara com algumas das muitas pessoas simples daquela cidade que ainda lhe parecia irreal, como irreal parecia ser sua própria permanência por lá. Tivera dificuldades em arrancar palavras que fizessem algum sentido lógico especialmente de habitantes da região rural, sentindo um indescritível desconforto, como mais tarde se recordaria e comentaria com Rita e o filho deles, Ricardo VI. Teriam todos se imbecilizado ou fui eu que imbecilizei?, perguntava-se.

No Rio, não quis ir de helicóptero até o hotel, preferindo arriscar-se nos muitos viadutos e ruas da cidade. Parecia-lhe que a modernidade, com todas suas descobertas científicas, era débil para modificar o que chamou de “rachaduras estruturais da sociedade brasileira”, especialmente nas cidades litorâneas, onde favelas ainda se mesclavam a toscos conjuntos habitacionais construídos pelo governo ou doados pela iniciativa privada e outras instituições, e esquinas eram ainda freqüentadas por menores, patéticos e esqueléticos malabaristas, vendedores de balas, lavadores de pára-brisas, pedintes. Em um dos muitos pontos de engarrafamento, um senhor, que lembrava Ghandi, esmolava. Ricardo V chegou a assustar-se com o ar de simpatia e alegria daquele velho, conjeturando, como seria aguardar pela morte pedindo esmolas todos os últimos dias da própria existência? E a cidade em volta continuava linda e ele lembrava da mãe teorizando tudo, quando ele era ainda um rapazola: “Dar esmolas é dar continuidade ao absurdo; não dar, também.”.

No dia seguinte, algumas horas após sua contemplação do mar oceânico da janela da sua suíte no hotel, Ricardo V assim iniciou sua fala, no fórum “2015 – Começo da Nova Era”:

- Parafraseando Picasso, “escrever é libertar-se”.

Depois, fez breve relato do que pretendera com seu livro “A Revolução Brasileira de 2017”, livro que, de tão famoso, muito mais que a tentativa de utilizá-lo como vedor de perspectivas de oportunidades e riscos no Brasil, conduzida por uma universidade americana por conta de um fanático, fazia-o percebê-lo como a impedir-lhe de fazer outros que pudessem torná-lo aquilo que pretendia para si: um escritor, nada mais que um juntador de pensamentos, idéias, ficções, versos, sílabas, palavras. Consolava-lhe, às vezes, seu solitário violão.

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