9.10.2005

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS: UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU

Romance Inédito de Mario Benevides - Brasil, 2005

- CAPÍTULO VINTE E CINCO -

Porca miséria. Onde foi que eu deixei o maldito diário, com as anotações daquele Preston e as minhas? E agora? Vá, é preciso começar tudo de novo, lembrar do que estava lá, anotado pelo desgraçado do americano e por este imbecil, aqui.

Giulio – o falso Doutor Vincenzo Scarpini - saiu pela Avenida Maranhão e entrou na primeira papelaria que encontrou. Não percebeu, mas, atrás dele, estava um policial fardado, que escutou o forte sotaque italiano encomendando um caderno. O Tenente afastou-se e atravessou a rua. Quando Giulio saiu, sem que percebesse, foi discretamente seguido. Giulio estava hospedado em um hotel chamado Cadoro. O Tenente telefonou do seu celular para Ricardo Coração dos Outros V:

- O senhor me disse que o diário que eu emprestei pro senhor traduzir pra mim estava em que línguas, mesmo?

- Inglês e italiano.

- Gostaria de ir à sua casa agora, pode ser?

Ricardo estava escrevendo e teve vontade de dizer que não; mas logo lhe ocorreu que o assunto deveria ser sobre o diário encontrado no La Ventana pelo Tenente. Respondeu que sim, escreveu mais um pouco e foi para a sala, aguardar pelo Tenente, enquanto Rita passeava pela cercanias rurais da cidade com o filho, Ricardo VI. O Tenente desligou e, em seguida, deu uma ordem, ainda pelo celular:

- Figueiredo, você venha à paisana até o Cadoro e se apresente ao gerente como fiscal de qualquer coisa. Inventa o que você quiser, monta uma carteira daquelas padronizadas, mas venha à paisana e rápido. Peça o livro de contas do hotel e depois o de hóspedes. Nesse de hóspedes, pegue e anote o nome e o apartamento de um italiano. É, um italiano, só sabemos disso, por enquanto. Anote também a data em que ele se hospedou, positivo? E aí fique de plantão no saguão do hotel, peça para ver todos os livros de controle, ganhe tempo, mas fique, para ver se o italiano deixa o quarto dele; se ele sair do hotel, siga o elemento, positivo? Seja criativo, mas não faz besteira, combinado?

Na sala de Ricardo V, o diálogo deu-se mais ou menos assim:

- O diário tem uma primeira parte com anotações em Inglês, descrevendo meus movimentos pela cidade – disse Ricardo.

- O senhor fez alguma coisa de errado? Tá devendo dinheiro, ou coisa parecida?

- Não. Apenas escrevo textos para uma universidade americana e também um livro.

O Tenente ficou em silêncio, mexendo a colher na xícara do cafezinho que lhe fora servido por Lindalva, a empregada loura da casa. Depois perguntou a Ricardo:

- Seus escritos falam de quê?

Ricardo mentiu:

- Sobre possibilidades de turismo no cerrado.

- Ah, que interessante. Mas isso não é motivo para ser seguido, não é, doutor?

- Não.

- E o que foi que o italiano escreveu, na parte dele do diário?

- A mesma coisa: está seguindo meus passos - respondeu. O Tenente disse:

- Pode deixar, doutor. Do americano eu não sei, pode ser que tenha alguma coisa a ver com aquele camarada que ficou falado por aqui, na época que o senhor e Dona Rita vieram pra cá. Mas esse italiano já está na minha mira.

- Tenente, se o senhor puder fazer o favor de não... Quer dizer, de não deixar esse italiano ser molestado e depois arranjar um jeito da gente conversar com ele...

- Esse é o meu trabalho. O senhor pode voltar pro seus escritos.

O Tenente despediu-se e, depois de telefonar para seu subordinado Figueiredo, deu outro telefonema do celular:

- Pedrosa, a partir de hoje, você deixa a farda em casa e cola no Senhor Ricardo. Aquele com jeito meio maluco, casado com a americana, Dona Rita. Sabe quem é? Isso mesmo: Ricardo não-sei-o-quê quinto. Pode vir agora e passa a rondar a casa do elemento, positivo? Tem que ser discreto. Eu sei: esse é o teu trabalho. Mas toma nota, presta atenção em tudo e vai me informando, tá me entendendo?

Pedrosa respondeu que sim.

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