9.19.2005

DA ATLÂNTIDA E DE TAPETES

Estive em Nova Orleans em 1987, no Mardi Gras – a terça-feira gorda, o carnaval em ritmo de jazz. Mais que do jazz carnavalesco, me ficou na lembrança uma orquestra de músicos velhinhos, bacaninhas, de gravatas borboleta, tocando o Dixieland Jazz. A alegre sucessão de bares e mais bares sempre com músicos tocando maravilhosamente; a Bourbon Street, de tantas canções, como a do Sting, que lembra uma outra, Falling Leaves, gravada imortalmente por Net King Cole; a comida criolla, o French Quarter, o rio Mississipi, as casas sem muro na frente – tudo isso trago para sempre guardado no porta-retrato da minha memória mais afetiva. Turista deslumbrado com aquela musicalidade, com a mistura de cores, raças e culturas, a história sofrida dos escravos das plantações de algodão me era passado; não conheci o lado pobre da cidade – que apareceu agora, paradoxalmente, com o seu desaparecimento, tão triste, como se já não fosse tristeza bastante a pobreza em si.

Naquele carnaval, um americano, ex-mariner, quando soube que éramos brasileiros (eu e meu irmão), fez questão de nos dizer: “Já estive em Trinidad Tobago”. O mapa dele deve ser o mesmo do atual presidente americano e daquele outro, que confundiu o Brasil com a Bolívia. Não deixa de ser preocupante perceber que esse sistema de coordenadas deles poderá, em dado instante, nos transformar em imensa Venezuela de seu desafeto Hugo Chaves - principalmente se este tornar assíduo de jantares com nosso principal executivo.

A boa notícia é que a Coréia desistiu do seu programa nuclear. A má notícia é que a mudança de postura foi decorrente de uma negociação com o governo Bush. A notícia oficial é que ela se deu porque a Coréia está precisando de ajuda do Ocidente. Bem que a tática pode valer de sugestão para a Venezuela – perdão - para o Brasil: nossos governantes deveriam iniciar um projeto de bomba nuclear e continuá-lo até que incomodasse nosso Grande Irmão nortista; quando isso acontecesse, o Haiti – perdão – o Brasil estaria em condições de barganhar alguma coisa, como o tal assento no Conselho de Segurança da ONU – desde que, é claro, Severino nele se sentasse, já que tudo indica que ele ficará sem emprego, e nosso executivo-mor não admitirá que um brasileiro fique sem emprego – já que presidentes só admitem que muitos brasileiros fiquem sem emprego, porque aí vira mera questão estatística.

Voltando à Atlântida de nossos dias, há que se torcer para que os arquitetos da sua reconstrução fiquem longe de Bush e Dick Cheney. Essa gente não foi capaz de prestar socorro, como não será capaz de reconstruir uma cidade tão delicada, habitada por negros e brancos de todas as idades tocando todos os sopros e cordas, ainda que escondesse debaixo do tapete a pobreza e a exploração de outras formas de pobreza. Bush e companhia vão faturar a reconstrução de Nova Orleans, como pretendem fazer com Bagdá e seus tapetes um dia voadores – é o inevitável. Mas que seu imenso mau gosto não se manifeste.

Quanto a nós, do país de Severino, personificação do ticket-refeição, é claro que não esquecemos seu nome: aqui é o mesmo Brasil de sempre, onde se tocam também tantos sopros e tantas cordas, mas com uma fundamental diferença: o tapete é curto.

Cada vez mais curto.

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