4.16.2005

A DINASTIA DE RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS: UM BRASIL QUE LIMA BARRETO IMAGINOU E QUASE ADIVINHOU

Romance Inédito de Mario Benevides
Brasil, 2005

- CAPÍTULO QUATRO –

Os que viveram na virada do século XIX para o XX e mesmo os que passaram pela outra, a do último para o XXI, só com muita insensatez apostariam que o Brasil, neste 2020, fosse o país que é. Mas, alguns da última virada de século (XX-XXI) acertaram que, em 2020, o Português seria – como é – tão compreendido globalmente como o Chinês e o Inglês.

Já Policarpo Quaresma foi um visionário: se não é o tupi-guarani que hoje se fala no país, afinal fez-se a LUZ – a Língua Universal da raZão -, estabelecendo real comunicação entre dois mundos: o dos descendentes dos silvícolas que aqui habitavam quando chegaram os europeus e o dos que destes e dos negros escravos descendem.

Observar os passos da dinastia de Coração dos Outros será de alguma utilidade para compreender porque algumas das macro-previsões científicas para 2020, realizadas de 2000 a 2005, falharam em alguns sutis aspectos.

Coração dos Outros e Olga e Ricardo V e Rita partiram para Goiás por sentimentos semelhantes. Olga deixou a então capital da República voltando as costas para a insensibilidade de Floriano e do marido; Ricardo, porque, ali, era-lhe impossível retornar aos tempos do violão no lugar da farda. Preferiram o desconhecido.

Rita foi para Goiás pelo desconhecido: uma tribo indígena cujos seis remanescentes habitavam, em 2002, 38.000 hectares daquele Estado brasileiro.

Ricardo V precisava se afastar das lembranças de Maria Otávia e das muitas formas de violência com que convivia na cidade que, se já não mais capital do Brasil, era o mesmo velho Rio de Janeiro, com toda sua graça exuberante e sensual submetida a interesses, ora explícitos, ora disfarçados, imensamente mesquinhos.

Goiás fora a escolha de seu trisavô, de quem herdara nome e sobrenome e, assim mesmo, para ele, Ricardo Coração dos Outros V, totalmente desconhecido. Seus pais, Ricardo IV e Sérgia, questionaram: mal saído de seu caso de amor com Maria Otávia, tão tragicamente terminado; recém-formado e sem emprego e carregando consigo não mais que a perigosa herança do trisavô, um (plebeu?) violão, - porque despachar-se, em companhia de uma ruiva, natural de Orlando, Flórida, Estados Unidos, para uma terra desconhecida, literalmente, pela totalidade do seu círculo familiar de amizades?

Sérgia fez questão de lembrar que o filho de Coração dos Outros e Olga, Ricardo II, optara (“com sábia sensatez” – Sérgia opinava) por voltar ao Rio de Janeiro – como registrado em modinha pautada por Ricardo Coração dos Outros, encontrada em farrapos de papel e tinta no cartório de Cavalcante:

Vai, vai, vai, meu filhinho,
Vai, vai, vai...
Vai lembrar das canções de Chiquinha,
Vai ao encontro do berço do pai.

Pai, pai, pai, meu paizinho,
Pai, pai, pai...
Vou chorar as canções de Chiquinha
Com saudades da mãe e do pai.

Mais de 200 anos e menos de 200 quilômetros separam tempo e locais onde, primeiro, Ricardo Coração dos Outros e Olga e, depois, Ricardo V e Rita, vieram a viver fases importantes de suas vidas.

Para Ricardo V e Rita, em 2002, não foi muito difícil chegar a Minaçu. Já para que seus trisavós chegassem à região da vizinha Cavalcante, sim, foi muito difícil.

Minaçu, com esse nome, que mistura origens latina e tupi-guarani e significa mina grande, só passou a constituir-se oficialmente município goiano (e brasileiro) em 14 de maio de 1976. Cavalcante, com esse nome, já no século XVIII era conhecida - naqueles primórdios coloniais - como um “arraial”: povoado temporário para, naquele caso e tempo, extração de ouro. Mais se falará a respeito, mas, para curiosidades mais apressadas, como todo mundo sabe, as mais diversas versões dos mais variados assuntos podem ser obtidas na hiper-rede Tera-portal Mundial (TPM©). Ou na concorrente, a 1012.

Ricardo IV e Sérgia tinham poupado para os primeiros anos de profissão do seu caçula; acabaram por aceitar os argumentos de Ricardo V de que a região de Minaçu serviria para aprofundar o tema da monografia com que fora aprovado na faculdade (“A influência da simbiose da fidalguia européia, da nobreza africana e da estirpe ameríndia na gênese da plebe brasileira”).

Talvez, assim, ele se afastasse do violão; esta era a esperança de Sérgia.

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