4.15.2021

A CONSTITUIÇÃO NA MESA DE CABECEIRA - 2 - LETRA MORTA?

 


Para quem estuda ou opera o Direito, um dos debates mais interessantes sobre o que seja uma Constituição é o que se estabeleceu pelo contraponto do alemão Konrad Hesse (1919/2005) a uma teoria do seu conterrâneo Ferdinand Lassalle (1825/1864). Para quem não estuda nem opera o Direito, também.

De um ponto de vista destes nossos tempos, Lassalle, pouco antes da sua morte, defendeu em uma palestra que a Constituição deveria contemplar todas as “partes interessadas” – expressão que ele não usou (que fique claro), hoje utilizada como correspondente a em inglês stakeholders -, ou, melhor dizendo, os atores da sociedade; e refletir a realidade política do país, para não se tornar uma simples folha de papel. O discurso tornou-se livro: “A essência da Constituição” (disponível em português em 9ª edição - Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015).  Refletir o que seja uma sociedade foi e é entendido como algo incapaz de mudá-la.

Hesse deixa claro seu contraponto já no título da sua obra mais conhecida, de 1959, traduzida no Brasil por Gilmar Mendes com o título “A força normativa da Constituição” (a primeira edição foi pela Fabris, de Porto Alegre, em 1991). Hesse defende que a Constituição deva servir como norma – a maior de todas – para a sociedade, e deva, sim, ser escrita, mas não como letra morta.

E a nossa Constituição de 1988? É escrita; reflete, como já vimos no capítulo 1 desta despretensiosa série, os anseios da nossa sociedade – na sua parte maior em duplo sentido, que quer a liberdade, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...; e não pode ser vista como letra morta jamais, pois, como já observado no mesmo capítulo anterior a este, por meio de emendas e leis, mais do que reflete, normatiza mudanças da própria sociedade.

A sociedade estará de fato e de direito representada, desde que se manifeste de verdade, e não passiva e simplesmente deixe as decisões e mudanças nas mãos de parlamentares eleitos, dos quais geralmente nem os nomes são lembrados, empurrados ou em consonância com o Executivo e interesses dos poderosos da vez, ora balizados, ora comandados pelo Supremo, o popular e tantas vezes malquisto STF. (Parafraseando Ferreira Gullar, “com a devida vênia”, juiz não foi feito para agradar ninguém. Nem ofender. Nem debochar.)

Este é o ser ou não ser shakespeariano de uma sociedade: participar da vida política; ou terceirizar a política.

Com a Constituição Federal, nossa Lei Maior, não foi, não é, não será diferente. Para começar, veja-se o que diz seu primeiro artigo, e em particular seu parágrafo único (destaques deste Cidadão Mario):

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

 As conclusões são suas; da sua leitura, o prazer é meu.


Um comentário:

Ramon Sergio disse...

No parágrafo único como entender "ou diretamente"? Abs