Estou entre os que consideram que
a vida começa com a concepção do cérebro. Quem a precede é a fecundação do
óvulo pelo espermatozoide, até que, boas semanas depois, alguém nasce. Vida
longa terá se tiver sorte, algum juízo e vontade de viver.
Penso da mesma maneira com
respeito à Constituição da República Federativa do Brasil, a popular e desconhecida
Constituição Federal. Nasceu quando foi promulgada, em 5 de outubro de 1988;
foi concebida em 1º de fevereiro de 1987, quando foi instalada a Assembleia
Nacional Constituinte; e fecundada no período de março de 1983 a abril de 1984,
de início e auge da Campanha das Eleições Diretas Já Para Presidente. O fato de
ter sido frustrada pela maioria dos congressistas da época não impediu que a
Campanha com C maiúsculo e seus milhões de participantes tenha, sim, fecundado
o óvulo da nossa Constituição do Estado Democrático de Direito. Foi aquela
união de divergentes nas ruas e nos palanques - dizendo basta! à ditadura, em
prol da democracia, de boas-vindas ao debate livre e pacífico - que abriu
caminho para que se discutisse e se fizesse nascer a nossa Constituição Federal.
Por que penso que foi fecundada nas marchas das Diretas Já? Porque fiz parte
delas, das que ocorreram no Rio de Janeiro, onde nasci e então morava. Era
emocionante ser mais um na multidão, formada em sua maior parte por
desconhecidos, que sabiam pertencer a grupos entusiastas de pensamentos
distintos de outros e ao mesmo tempo todos partidários de uma só vontade: a de
se reconquistar a democracia que nos havia sido roubada e assim permanecia já
por cerca de 20 anos. Os palanques refletiam as mesmas divergências e a mesma
unidade. Foi aquela massa de gente, em seu coro de vozes sufocadas e
esperançadas, que abriu caminho para uma constituição que fosse a nossa cara, a
cara do nosso povo. Veja-se seu preâmbulo:
Nós, representantes do povo
brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Quem não se vê espelhado no ideal
expresso por essas palavras? Se for brasileiro, será alguém equivocado ou
mal-intencionado. Afinal, que brasileiro não quer o exercício dos direitos
sociais e individuais? A liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos? Quem não quer
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, comprometida com a
solução pacífica das controvérsias?
É perceptível que ainda estamos
longe desse ideal, e uma das razões para isso é o desconhecimento da
Constituição. A maioria não a conhece. Sim, ela é longa, porque é completa, e
quando não é, se complementa por leis e recepciona outras. Sim, ela permite
emendas, já são 109 até o momento, para que seja flexível, adaptável aos
anseios de sucessivas gerações. Não será longeva se permanecer desconhecida;
será desrespeitada por quem jura respeitá-la e cumpri-la se não merecer a
atenção da maioria; sofrerá frequentes ameaças de ser rasgada ou substituída se
não for compreendida.
Será longeva se tivermos, mais
que sorte, vontade e juízo, perseverança. E se gostarmos dela, da nossa
Constituição Federal. O propósito desta série que se inicia aqui é
desmistificar o texto constitucional, torná-lo conhecido como se fosse o de um
livro de cabeceira. Para que isso seja possível, conto com sua leitura, com
suas perguntas e sugestões. Conto com você.
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