4.07.2021

A CONSTITUIÇÃO NA MESA DE CABECEIRA - 1 - FECUNDAÇÃO, CONCEPÇÃO E NASCIMENTO

 

Estou entre os que consideram que a vida começa com a concepção do cérebro. Quem a precede é a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, até que, boas semanas depois, alguém nasce. Vida longa terá se tiver sorte, algum juízo e vontade de viver.

Penso da mesma maneira com respeito à Constituição da República Federativa do Brasil, a popular e desconhecida Constituição Federal. Nasceu quando foi promulgada, em 5 de outubro de 1988; foi concebida em 1º de fevereiro de 1987, quando foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte; e fecundada no período de março de 1983 a abril de 1984, de início e auge da Campanha das Eleições Diretas Já Para Presidente. O fato de ter sido frustrada pela maioria dos congressistas da época não impediu que a Campanha com C maiúsculo e seus milhões de participantes tenha, sim, fecundado o óvulo da nossa Constituição do Estado Democrático de Direito. Foi aquela união de divergentes nas ruas e nos palanques - dizendo basta! à ditadura, em prol da democracia, de boas-vindas ao debate livre e pacífico - que abriu caminho para que se discutisse e se fizesse nascer a nossa Constituição Federal. Por que penso que foi fecundada nas marchas das Diretas Já? Porque fiz parte delas, das que ocorreram no Rio de Janeiro, onde nasci e então morava. Era emocionante ser mais um na multidão, formada em sua maior parte por desconhecidos, que sabiam pertencer a grupos entusiastas de pensamentos distintos de outros e ao mesmo tempo todos partidários de uma só vontade: a de se reconquistar a democracia que nos havia sido roubada e assim permanecia já por cerca de 20 anos. Os palanques refletiam as mesmas divergências e a mesma unidade. Foi aquela massa de gente, em seu coro de vozes sufocadas e esperançadas, que abriu caminho para uma constituição que fosse a nossa cara, a cara do nosso povo. Veja-se seu preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Quem não se vê espelhado no ideal expresso por essas palavras? Se for brasileiro, será alguém equivocado ou mal-intencionado. Afinal, que brasileiro não quer o exercício dos direitos sociais e individuais? A liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos? Quem não quer uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, comprometida com a solução pacífica das controvérsias?

É perceptível que ainda estamos longe desse ideal, e uma das razões para isso é o desconhecimento da Constituição. A maioria não a conhece. Sim, ela é longa, porque é completa, e quando não é, se complementa por leis e recepciona outras. Sim, ela permite emendas, já são 109 até o momento, para que seja flexível, adaptável aos anseios de sucessivas gerações. Não será longeva se permanecer desconhecida; será desrespeitada por quem jura respeitá-la e cumpri-la se não merecer a atenção da maioria; sofrerá frequentes ameaças de ser rasgada ou substituída se não for compreendida.

Será longeva se tivermos, mais que sorte, vontade e juízo, perseverança. E se gostarmos dela, da nossa Constituição Federal. O propósito desta série que se inicia aqui é desmistificar o texto constitucional, torná-lo conhecido como se fosse o de um livro de cabeceira. Para que isso seja possível, conto com sua leitura, com suas perguntas e sugestões. Conto com você.    

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