Para quem estuda ou opera o Direito, um dos debates mais interessantes sobre o que seja uma Constituição é o que se estabeleceu pelo contraponto do alemão Konrad Hesse (1919/2005) a uma teoria do seu conterrâneo Ferdinand Lassalle (1825/1864). Para quem não estuda nem opera o Direito, também.
De um ponto de vista destes
nossos tempos, Lassalle, pouco antes da sua morte, defendeu em uma palestra que
a Constituição deveria contemplar todas as “partes interessadas” – expressão
que ele não usou (que fique claro), hoje utilizada como correspondente a em
inglês stakeholders -, ou, melhor dizendo, os atores da sociedade; e
refletir a realidade política do país, para não se tornar uma simples folha de
papel. O discurso tornou-se livro: “A essência da Constituição” (disponível em
português em 9ª edição - Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015). Refletir o que seja uma sociedade foi e é
entendido como algo incapaz de mudá-la.
Hesse deixa claro seu contraponto
já no título da sua obra mais conhecida, de 1959, traduzida no Brasil por
Gilmar Mendes com o título “A força normativa da Constituição” (a primeira
edição foi pela Fabris, de Porto Alegre, em 1991). Hesse defende que a
Constituição deva servir como norma – a maior de todas – para a sociedade, e
deva, sim, ser escrita, mas não como letra morta.
E a nossa Constituição de 1988? É
escrita; reflete, como já vimos no capítulo 1 desta despretensiosa série, os
anseios da nossa sociedade – na sua parte maior em duplo sentido, que quer a
liberdade, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...; e não pode
ser vista como letra morta jamais, pois, como já observado no mesmo capítulo
anterior a este, por meio de emendas e leis, mais do que reflete, normatiza
mudanças da própria sociedade.
A sociedade estará de fato e de
direito representada, desde que se manifeste de verdade, e não passiva e
simplesmente deixe as decisões e mudanças nas mãos de parlamentares eleitos,
dos quais geralmente nem os nomes são lembrados, empurrados ou em consonância
com o Executivo e interesses dos poderosos da vez, ora balizados, ora
comandados pelo Supremo, o popular e tantas vezes malquisto STF. (Parafraseando
Ferreira Gullar, “com a devida vênia”, juiz não foi feito para agradar ninguém.
Nem ofender. Nem debochar.)
Este é o ser ou não ser
shakespeariano de uma sociedade: participar da vida política; ou terceirizar a
política.
Com a Constituição Federal, nossa
Lei Maior, não foi, não é, não será diferente. Para começar, veja-se o que diz
seu primeiro artigo, e em particular seu parágrafo único (destaques deste
Cidadão Mario):
A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição.
Um comentário:
No parágrafo único como entender "ou diretamente"? Abs
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