3.29.2021

DE COMO SER PAI – IV – ORGULHO, PORQUE NÃO TE QUERO

 

Há variados significados para orgulho e vergonha, mas, em vez dele e dela, prefiro prazer e dor, alegria e tristeza, contentamento e descontentamento. Orgulho fica muito perto da soberba, e vergonha, para começar, é para quem tem vergonha. Tímidos – palavra de quem já foi muito tímido – têm vergonha de algo que não sabem o que é, e ninguém sabe o que é que faz o tímido ter vergonha quando em dado momento está em algum lugar onde talvez até tivesse vontade de estar. Mas a mais extrovertida das pessoas há de já ter sonhado em se ver nua em um ambiente em que todas as outras estão vestidas, e acordará com muita vergonha, que logo dará lugar ao prazer de perceber que foi apenas um sonho. Onde ficou o orgulho nisso tudo?

O orgulho do novo cargo, do novo emprego, da nova roupa, de algo conquistado por si - ou pela filha ou pelo filho. Por quê? Não será o sentimento mais imediato e espontâneo o do prazer, o da alegria, o do contentamento? Por que seria o orgulho o sentimento a aflorar de alguma conquista? O de quem pensa “Eis-me aqui em posição de superioridade, de destaque, por minha causa ou por causa da minha cria”? MINHA cria. Quando a cria se sai de algum modo mal, o mal deixa de ser relativo e passa a ser absoluto.

- Ah! Que vergonha da minha cria! Nem parece filha minha ou filho meu!

Se fosse de um lado contentamento e não orgulho, se fosse do outro descontentamento e não vergonha, a comemoração seria certa, pela vitória no primeiro caso, pela possibilidade de virar o jogo no segundo. A risada viria do prazer da vitória e de achar graça do tombo que se levou e do qual se pode levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima, como na canção de Paulo Vanzolini, o mesmo de Ronda (e que ninguém passe vergonha por não saber disso).

Orgulho é um paletó roto que nos veste mal, que só serve para quem tiver a grandeza de um Carlitos. Vergonha é para quem tem vergonha, não é coisa de desavergonhados, de sem-vergonhas. Para quem tem vergonha, ela passa com um sorriso, com um gesto de quem limpa as mãos, porque tem a alma limpa. Grande. Quando tudo vale a pena, e você acertou ao lembrar de Fernando Pessoa.

Filhos, filhas não são para nos fazer sentir orgulho nem vergonha. São para compartilhar conosco alegrias e tristezas, vitórias e derrotas, conquistas e fracassos, todos sentimentos genuínos e espontâneos. Imediatos. Orgulho e vergonha são elaborados na oficina da incompreensão da real dimensão do que seja sentimento. Prazer e dor, não. Esses não precisam de elaboração nem de fórmula. São genuínos, conhecidos de pronto, saboreados na espuma do primeiro gole do chope bem tirado, com todo prazer. Prazer é o gozo. Orgulho é a lembrança do momento fugaz do egoísmo duradouro. Vergonha, se você a tem, parabéns. Você não é um sem-vergonha. Mas experimente trocá-la pelo descontentamento. Vai embora logo. Volta o gozo, se vai o egoísmo, o egoísmo da vergonha.

Filhas, filhos, que prazer, contentamento, alegria. Filhas, filhos, que a dor passe logo, que logo dê passagem à boa lembrança, ao bom porvir.

Quanto ao orgulho, prefiro a distância dele. Quando dele me aproximo, fico à beira de um abismo solitário, lá embaixo à minha espera a soberba que não quero conhecer.

Prefiro a nudez do sonho, com todos vestidos à minha volta.

Prefiro a timidez que já não tenho na intensidade que já foi.

Prefiro a alegria de ser pai.

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