Há variados significados para
orgulho e vergonha, mas, em vez dele e dela, prefiro prazer e dor, alegria e
tristeza, contentamento e descontentamento. Orgulho fica muito perto da
soberba, e vergonha, para começar, é para quem tem vergonha. Tímidos – palavra
de quem já foi muito tímido – têm vergonha de algo que não sabem o que é, e
ninguém sabe o que é que faz o tímido ter vergonha quando em dado momento está
em algum lugar onde talvez até tivesse vontade de estar. Mas a mais
extrovertida das pessoas há de já ter sonhado em se ver nua em um ambiente em
que todas as outras estão vestidas, e acordará com muita vergonha, que logo
dará lugar ao prazer de perceber que foi apenas um sonho. Onde ficou o orgulho
nisso tudo?
O orgulho do novo cargo, do novo
emprego, da nova roupa, de algo conquistado por si - ou pela filha ou pelo
filho. Por quê? Não será o sentimento mais imediato e espontâneo o do prazer, o
da alegria, o do contentamento? Por que seria o orgulho o sentimento a aflorar
de alguma conquista? O de quem pensa “Eis-me aqui em posição de superioridade,
de destaque, por minha causa ou por causa da minha cria”? MINHA cria. Quando a
cria se sai de algum modo mal, o mal deixa de ser relativo e passa a ser
absoluto.
- Ah! Que vergonha da minha cria!
Nem parece filha minha ou filho meu!
Se fosse de um lado contentamento
e não orgulho, se fosse do outro descontentamento e não vergonha, a comemoração
seria certa, pela vitória no primeiro caso, pela possibilidade de virar o jogo
no segundo. A risada viria do prazer da vitória e de achar graça do tombo que
se levou e do qual se pode levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima,
como na canção de Paulo Vanzolini, o mesmo de Ronda (e que ninguém passe
vergonha por não saber disso).
Orgulho é um paletó roto que nos
veste mal, que só serve para quem tiver a grandeza de um Carlitos. Vergonha é
para quem tem vergonha, não é coisa de desavergonhados, de sem-vergonhas. Para
quem tem vergonha, ela passa com um sorriso, com um gesto de quem limpa as
mãos, porque tem a alma limpa. Grande. Quando tudo vale a pena, e você acertou
ao lembrar de Fernando Pessoa.
Filhos, filhas não são para nos
fazer sentir orgulho nem vergonha. São para compartilhar conosco alegrias e
tristezas, vitórias e derrotas, conquistas e fracassos, todos sentimentos
genuínos e espontâneos. Imediatos. Orgulho e vergonha são elaborados na oficina
da incompreensão da real dimensão do que seja sentimento. Prazer e dor, não.
Esses não precisam de elaboração nem de fórmula. São genuínos, conhecidos de
pronto, saboreados na espuma do primeiro gole do chope bem tirado, com todo
prazer. Prazer é o gozo. Orgulho é a lembrança do momento fugaz do egoísmo
duradouro. Vergonha, se você a tem, parabéns. Você não é um sem-vergonha. Mas
experimente trocá-la pelo descontentamento. Vai embora logo. Volta o gozo, se
vai o egoísmo, o egoísmo da vergonha.
Filhas, filhos, que prazer,
contentamento, alegria. Filhas, filhos, que a dor passe logo, que logo dê
passagem à boa lembrança, ao bom porvir.
Quanto ao orgulho, prefiro a
distância dele. Quando dele me aproximo, fico à beira de um abismo solitário,
lá embaixo à minha espera a soberba que não quero conhecer.
Prefiro a nudez do sonho, com
todos vestidos à minha volta.
Prefiro a timidez que já não
tenho na intensidade que já foi.
Prefiro a alegria de ser pai.
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