10.11.2008

DEPOIS DESTA, EU JURO QUE EU PARO

Só mais uma. Uma só, e vamos embora, eu prometo. Depois desta, a realidade, o dia seguinte, de manhã e de tarde.

O brasileiro não tem memória. Por isso ele confunde nomes como Pelé e Garrincha, Gerson e Jairzinho, Zico e Falcão, Romário e Bebeto, Ronaldo e Ronaldinho. Por isso, confunde faces de Zezé Mota e Dina Sfat, Marília Pera e Fernanda Montenegro, Paulo José e Armando Bogus, Wagner Moura e Natchergale. Confunde Marta Rocha com Gisele Bunchen, Jorge Amado com Dorival Caymi, Chico Buarque com Caetano Veloso, Milton Nascimento com Fernando Brant, Sérgio Buarque de Holanda com Vinicius de Moraes, Tom Jobim com Villa Lobos, Darcy Ribeiro com Josué de Castro.

O brasileiro não tem memória está gravado no consciente coletivo, talvez porque Getúlio Vargas tenha voltado nos braços do povo, eleito em vários lugares ao mesmo tempo, desafiando a física e o razoável. O povo que o trouxe nos braços até o caixão é retratado por Jorge Amado em O país do carnaval, Cacau e Suor, por João Cabral de Melo Neto em Morte e vida Severina, coisa de quem confunde passado e presente, pois, se você, que não tem memória, reparar bem, esse povo continua andando por aí.

Brasileiro não tem memória a ponto de trazer de volta o Collor. Quem o trouxe de volta foi quem votou nele na primeira vez e de algum modo se deu bem, trocou de carro, foi para os Estados Unidos, se vingou intimamente de uns caras que lhe cuspiam na face teoria, cargo comissionado ou arrogância de rico ou pretendente a.

Brasileiro não tem memória a ponto de não se esquecer que o Getúlio foi um ditador, com direito a Polícia Especial, hedionda tanto quanto a tortura do regime militar. Não tem memória porque não esquece que o Collor implantou o regime da arrogância, confiscou depósitos bancários, liquidou com a liquidez e devolveu empregos perdidos em dezoito meses sem juros.

Brasileiro não sabe votar. Como se alguém no mundo soubesse. Imagine se dinamarquês soubesse votar e faria eleição assim mesmo. Imagine se houvesse um único indivíduo no mundo que todos dissessem, este, sim, sabe votar, ora, a ele delegaríamos o poder do voto único e coletivo; diríamos, vá lá, meu bom francês, inglês, americano, venezuelano, japonês ou brasileiro, vote por todos nós, porque só você sabe votar. Porque a democracia é exatamente o regime de quem NÃO sabe votar e, por isso, TODOS votam. Seu contrário - a ditadura - é definitivamente aceitar essa insuportável verdade e entregar os pontos, adorando temer e pendurando na parede um par de botas, coturnos.

Rimando coturnos com soturnos, paro por aqui, meu amor, como prometido; a saideira fica para outro dia, outra noite. Doravante, inventarei histórias ou as roubarei do cotidiano, legitimamente, eu juro. Na despedida, provo não ter exagerado e faço um quatro:

1 - O brasileiro não sabe votar;
2 - O mundo não sabe votar;
3 - Foi por isso que os gregos inventaram a democracia;
4 - O brasileiro TEM memória.

A ênfase, meu amor, fica por conta de, esta, ter sido a última desta noite. A saideira, como prometido, fica para outra. Vamos para casa; ao cotidiano; e tiremos dele o que houver de romântico, irônico, sem valor algum. Assim como essa, a última, que, na verdade, é e será sempre a penúltima.

A saideira fica pra depois.

Nenhum comentário: