10.09.2006

TÁXI

Poderíamos falar de...
Política?
Melhor não.
Futebol, então...
Nem pensar.
Melhor não falar do tempo
Que é sobre ele que todo mundo fala
É banal.
Um samba,
Minha vida por um samba,
Um reggae,
Uma opereta
Mas nada disso toca em rádio de táxi.
O motorista cheira mal
E o carro cheira ao motorista.
O cinto de segurança do banco traseiro
Se achado foi roubado.
Se você tivesse um carro, hein?
Mas você não viria com seu carro a Amsterdã
Você mora longe
Você fica lá do outro lado
Só que veio parar aqui.
Parar, nada: andar de táxi
Neste lugar
Que nada tem de Amsterdã.
Ela bem que podia facilitar as coisas
Puxar assunto
Mas parece que a ponta do cabelo dela
Tem muito mais assunto que você.
O motorista não fala nem ouve
Fede.
A palavra já é horrível
E não traduz exatamente o cheiro
De quem dorme e acorda e se droga dentro desse carro
Ele mora no carro,
Percebeu?
Tudo parado e é noite
Atenção todos os carros
Fiquem parados –
A ordem veio de Marte.
Um disco voador! –
Você quis e não viu
E não disse.
Você está prestes a explodir de tristeza
Tem um sonho acordado
Está numa tribo pelado
Dança com eles
Você que detesta índio
Transporta-se
Respira fundo
(O carro todo cheira ao motorista que não dorme)
Vira-se pra ela
Consegue que ela deixe a ponta do cabelo
Por um instante infinito
Solto e sem a mão dela.
Você toma dessa mão
Que é da freira
Da sua mãe
Da sua irmã
Da sua moribunda avó
Quem sabe da sua mulher
Da sua tia de Guaratinguetá
Sua namorada
Sua empregada
A namorada do melhor amigo
A mulher grávida do motorista
Você é o motorista.
Quem é ela?
Sua catinga.

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