3.31.2008

PAS DE DEUX

Da platéia, o que se vê é a leveza, a destreza, o treino, a habilidade, o talento. A música, o cenário, a iluminação, o figurino, o pano, tudo é o pano de fundo. Inclusive o erro. Ninguém respira o suor, ninguém sente a aflição no ventre, a conta que vence amanhã, uma vontade de ir ao banheiro súbita e autoritária, premente, urgente, a inveja, o ciúme, a carência, a dor do preconceituado, o tersol, a sinusite, a verruga, a rinite, a vagina, o pênis, o saco oprimido, o calo, a ponta mal feita, a roupa apertada, o desejo reprimido. Ninguém na platéia sabe o que é percebê-la na testa de cada espectador, nunca o olhar, porque, no olhar, bate a luz do iluminador. Como saber se o aplauso foi pela descoberta, a técnica, o malabarismo, o sofrimento ou o erro? O salário é bom, o salário é ruim, atrasado ou adiantado, quanto ele importa? Tanto quanto saber que amanhã é outro dia, que virá ou não. O palco vazio, para a platéia, pode ser tão ou mais bonito, instigante, que a nossa presença. Eles olham o relógio, perguntam-se, Quanto tempo falta para acabar? A dor no joelho, a ponta mal feita, o suor, a vagina e o pênis, seus líquidos, a premência, a urgência adiada do banheiro e da pizza, só nós dois, pas de deux, sabemos. Pas de deux. Os aplausos foram ótimos. Sua ausência, também.

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